domingo, 1 de abril de 2012

Pela preservação da literatura na escola

Na adaptação ao cinema do livro Pygmalion (1913), de George Bernard Shaw - My fair Lady - Eliza Doolittle, interpretada pela bela Audrey Hepburn, é uma vendedora de flores que um culto professor de fonética, Henry Higgins, interpretado por Rex Harrison, transforma numa senhora de sociedade através dum curso intensivo de gramática, pronúncia e boas maneiras. O filme, realizado em 1964 por George Cukor, exemplifica como a aprendizagem e domínio de níveis linguísticos iguais e superiores ao do inglês padrão concorrem, magistralmente, para a ascensão e inserção social da protagonista.

Tendo em conta que a língua materna constitui a base da aprendizagem que se faz nas diversas áreas curriculares, e não apenas nas atinentes à disciplina de Português, e mesmo reconhecendo que nem todos os alunos conseguirão expressar-se como Eliza no final do seu treino e produzir textos de elevada qualidade, deve-se procurar que adquiriram um domínio linguístico, tanto escrito como falado, próximo do literário.

Esse domínio interfere na compreensão do mundo, do tempo presente e passado, de si mesmo e do outro, daquilo que está para além do que é evidente, no discernimento que dá acesso a escolhas conscientes. Como se perceberá, trata-se de qualidades fundamentais numa sociedade que se vê saturada de informação, mas com escassez de espírito crítico.

O estudo da língua no sentido literário, que vai muito além do pragmático, parece a alguns autores (por exemplo, Bloom, 2001; Calvino, 2002; Compagnon, 2007), uma das chaves para o sucesso individual e colectivo das gerações futuras, ainda que isso signifique ir ao arrepio de concepções pseudo-pedagógicas de carácter pós-moderno, que insistem no utilitarismo imediato daquilo que os alunos devem ler e escrever.

A este respeito João Boavida (2008) recorda-nos que a educação continua a ser uma condição de liberdade, na medida em que proporciona ferramentas de pensamento e de escolha pessoal. Poeticamente, Sophia de Mello Breyner Andresen acusa o demagogo de desrespeitar a sacralidade das palavras, ao fazer delas “poder e jogo”, esquecendo que o povo pôs na palavra “a sua alma confiada” e foi pela palavra “que desde o início/O homem soube de si”.

Esta insistência na preservação da literatura na escola contrasta com o lugar que ela ocupa nos currículos, cada vez mais circunstancial e servindo propósitos algo alheios ao sentido do saber (Maria do Carmo Vieira, Cécile Ladjali, George Steiner). É isto que se tem de dizer, pois alunos precisam de desenvolver uma intuição apurada da literatura como ponto de encontro com a civilização e a fruição.

Maria Helena Damião e Ana Cristina Grave

4 comentários:

Anónimo disse...

A literatura e o triunfo da forma sobre o conteudo e como tal deve ser extirpada de todo o conteudo escolar obrigatorio.

Deve ser permitido a quem quiser ser estupido enverdar por esse caminho (desde que nao espere ajuda do estado), mas a estupidez deve ser um direito e nao uma obrigacao.

Eu preocupo-me com o valor logico de preposicoes, nao se sao belas ou feias ou nos sentimentos que evocam e muito menos em adivinhacoes sobre o que o autor estava a sentir.

A prova de que o estudo da lingua ao nivel literario nao implica capacidade critica pode ser vista neste mesmo blog bastando para tal ler o poeta catedratico de coimbra que por aqui vai poluindo este espaco publico com os seus textos poeticos desprovidos de sentido. Se um campones escrevesse o mesmo nnguem diria que tinha qualidade, mas na literatura, mais importante do que o que se escreve, e quem o escreve.

Outro bom exemplo e o caso do tipo que por cada frase faz varias citacoes de gente muito ilustre que nunca acrescentam o que quer que seja a nao ser na melhor das hipoteses (muito raro) argumento por autoridade.

Eliminem esse lixo das escolas. Que o pessoal das letras goste de jogos de autoridade e pavonear a sua estupidez e uma coisa, mas nem todos temos uma falta de respeito proprio tao grande a ponto de gostarmos de nos submeter a isso.

E ja agora, deixem de mamar na teta do estado. Querem escrever, facam pela vida!

Antes que me chateiem, este teclado nao tem acentos.

Xico disse...

Muito obrigado. Excelente texto.

Nan disse...

Desculpe, não percebi bem. Faz equivaler a literatura ao lixo? Se sim, o que propõe que se estude nas aulas de língua materna?

Anónimo disse...

Ver a literatura apenas como uma forma superficial e dispensável do manusear das palavras e do conteúdo que encerram, é para mim uma grande negação das necessidades intelectuais que autorizam o ser humano a compreender-se a si e ao mundo. A literatura permite estabelecer um “ponto de encontro com a civilização”, permite vislumbrar “aquilo que está para além do que é evidente”. A Literatura é uma grande ferramenta de liberdade! Suponha-se que a água é o conteúdo e o copo a literatura, para beber de forma saudável e persistente precisa do copo que dá forma ao conteúdo. Sem forma tudo se dispersa! Considero um retrocesso muito grande extirpar a literatura do conteúdo escolar obrigatório, pois isso implica abdicar de uma das maiores conquistas do talento e génio humano. Ver a literatura apenas como uma “ciência” de valorização estética da proposição, é revelar-se um profundo desconhecedor do que realmente é a literatura. Chega a ser ofensivo à minha inteligência tais pensamentos. E só porque em determinado momento não acedemos ao sentido de determinados textos literários, não significa que estes não tenham sentido! Não terão sentido para quem não o conquista! Com noções individuais, querer derrubar a literatura, estendendo-as à generalização absoluta é de uma enorme prepotência! A literatura deve estar disponível para todos e cada qual faz os seus juízos sobre a sua utilidade e sentido. Agora impedir que os alunos se descubram a si e ao mundo?!
Acho piada a estes pseudo-salvadores dos oprimidos, que para os salvar, permitem o uso da opressão. Obrigar os alunos a restringir-se ao conteúdo não é uma medida de imposição severa? De restrição da liberdade de pensamento? Não é levar os alunos a serem obrigados a permanecer na estupidez? E a literatura não é um jogo do ócio, de vaidade ou de masturbação intelectual! Ter semelhante visão da literatura só pode ser um sintoma da mesquinhez deste comentador anónimo, vítima de um enorme falhanço no seu “gritinho intelectual”!
Para sempre Fernando Pessoa nas escolas!!!

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