sexta-feira, 20 de abril de 2012

A questão dos níveis de aprendizagem

Entrevista que dei recentemente sobre a Reorganização da Reforma Curricular, apresentado publicamente em 26 de Março passado.

Uma das medidas do Ministério da Educação e Cultura para o ensino básico é a divisão dos alunos por níveis de aprendizagem. Ajudará ela a melhorar o sucesso escolar e a diminir o abandono escolar?

Da leitura do documento da Reorganização infere-se que os alunos poderão ter um acompanhamento académico diferenciado consoante a sua evolução na aprendizagem. Se bem aplicada, pode ser uma medida adequada pelo que passo a explicar. O ideal seria que todos os alunos acompanhessem ao mesmo ritmo e com o mesmo sucesso o ensino. Mas sabemos que não é assim. Por razões diversas, de ordem social, afectiva, cognitiva, e muitas outras, alguns alunos ou, melhor, todos os alunos, em determinados momentos, não fazem certas aquisições de modo satisfatório. Sabemos que essas “falhas” repercutir-se-ão e ganharão mais impacto nas aquisições seguintes e ainda mais nas próximas, até se chegar a um ponto em que é difícil perceber o estado de desenvolvimento académico em que os alunos se encontram e a partir do qual é preciso intervir. Além disso, os alunos poderão criar e consolidar a ideia de que não são capazes de aprender, que são inaptos para determinadas áreas, ou, ao contrário, que não importa o que aprendem pois o resultado é sempre vantajoso em termos de transição. Por exemplo, se não se apropriarem, em devido tempo, de técnicas básicas de escrita e se nada for feito, muito dificilmente conseguirão escrever um texto coerente, lógico, o que, pode desencadear comportamentos desajustados, ansiedade, etc.
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Não será discriminatório agrupar alunos de acordo com esses níveis?

Penso que quando refere “discriminatório” está a referir-se ao aspecto social, à relação com os pares, e também ao aspecto afectivo, à imagem que o aluno faz de si mesmo. Talvez seja, porque, de modo paradoxal, no tempo em que vivemos, afirma-se constantemente a diferença ao mesmo tempo que se afasta qualquer possibilidade de distinção. Mas é possível que isso esteja mais na cabeça dos adultos. Se fizermos crer às crianças, desde que entram na escola, que ninguém é bom em tudo nem mau em tudo e que quando se é menos bom pode ter-se ajuda para melhorar, não estaremos a perturbar substancialmente a semelhança aos outros nem a sua identidade. Pior será deixá-las somar fracassos atrás de fracassos, fazendo de conta que está tudo bem, ou que nada há a fazer. Ainda que, aparentemente com bons propósitos, está-se a enganá-los, a impedir que aprendam. A preocupação de prestar uma atenção diferenciada aos alunos, tanto aos que evidenciam dificuldades ocasionais, como aos que estão a aprender bem e depressa determinadas matérias é, na verdade, um dever. Tem de procurar-se dar resposta a todos e a cada.
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Tem, então, de encarar-se o problema da diversidade de níveis de aprendizagem?

Como não gostamos muito da ideia da separação dos alunos em função da aprendizagem que alcançam, temos fechado os olhos, fingindo que o problema não existe. Mas ele existe, é real. Devo dizer que B.F. Skinner, um psicólogo e pedagogo behaviorista pô-lo no centro das suas preocupações. Considerando que todos os alunos aprendem o que se entende que devem aprender, propôs uma solução que não será a solução que hoje nos servirá, pois dispomos de conhecimentos mais avançados, mas isto só para dizer que o problema pode e deve ser encarado. Dar apoio especializado a alunos que manifestem problemas em determinados sectores da aprendizagem, logo que eles os manifestem, e depois de os superarem voltarem ao curso, digamos, regular da aprendizagem, parece uma solução. Em Portugal no âmbito do “Programa mais sucesso” do Ministério da Educação isso já é tentado há vários anos.
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Poderá esta opção educacional aproximar-se do modelo alemão que subdivide o seu ensino mediante o aproveitamento escolar?

Não conheço suficientemente bem o sistema de ensino alemão para lhe dar uma resposta que vá além de uma opinião superficial. Mas talvez seja importante pensarmos que, numa determinada altura do percurso escolar, os alunos possam seguir caminhos diversos, conforme o perfil que vão evidenciando. A falta de aproveitamento académico pode estar associada, à normalização e à consequente falta de valorização dos talentos de cada um.
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Uma outra questão é o aumento do número de alunos por turma. Como pode um professor lidar com 30 alunos e atender aos mais diferentes níveis de aprendizagem?

Li, de facto, na imprensa que os Agrupamentos de escolas ou Escolas não agrupadas, ao abrigo da sua Autonomia, poderão constituir turmas com 30 alunos. Ao que soube Espanha fez a mesma opção de aumentar a dimensão dos grupos-turma. Admito que algumas turmas poderão funcionar adequadamente com 30 alunos, mas serão alunos que manifestam comportamento adequado e que estão envolvidos e seguem a aprendizagem. Em turmas onde estes dois requisitos não estejam presentes é preciso que os professores exerçam uma maior supervisão e controlo, o que não me parece possível ser concretizado com esse número. Por outro lado, para gerir turmas alargadas os professores têm de ter grande destreza pedagógica e didáctica, têm de ter disponibilidade para preparar as suas aulas, para analisar os trabalhos realizados e pensar nas melhores alternativas de ensino, têm de estar concentrados nas tarefas de sala de aula. Logo têm de ser libertados das inúmeras tarefas que os preocupam e lhe tomam a maior parte do tempo útil e a sua energia profissional.

5 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Muito boas, as respostas da Professora Helena

Damião.

Relembro apenas que, no discurso escolar, a

palavra "discriminação" tem geralmente uma

conotação muito negativa. Tanto é assim que

quando é preciso estimular ou ajudar alguém

especificamente se usa a expressão

"discriminação positiva". O que implica,

por mera lógica, que há discriminação boa...

A última meia dúzia de linhas da última

pergunta acerta com grande felicidade num

horrível cancro da ação dos professores.

Bem haja.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professora Helena Damião;

Um breve estudo que fiz sobre a pedagogia mostra que os grandes vultos da pedagogia tinham, independentemente dos respetivos métodos pedagógicos, uma conceção suportada em questões de natureza eminente social.

Todos eles tinham uma matriz que se identifica com as seguintes palavras do Professor Bento de Jesus Caraça;

“A natureza humana é una e todo o ser humano é, por consequência, portador dos mesmos direitos; a todos deve, portanto, ser proporcionada a completa aquisição dos conhecimentos que lhe permitam viver dignamente a vida, conforme as suas capacidades – uma só condição, uma só dignidade, uma só escola.”

Um desses vultos da pedagogia foi a pedagoga italiana Maria Montessouri e a escola com o seu nome que formou; transcrevo um pouco de Irene Lisboa;

(…) Estes casos tão dignos de lástima, tão conservadores dos falsos direitos de certas famílias que à custa da própria natureza do trabalho querem suplantar outras, estão banidos de uma escola montessoriana. Nem nunca lá se poderiam produzir. O seu espírito é de liberdade; não admite sequer a competição, a corrida a forças émulas... Cada criança age como pode e por si própria.”

Hoje, o que temos? Temos, como sempre tivemos uma Escola sem neutralidade; que hoje mais não é do que reflexo da brutalidade e crueldade da estrutura económica e social da sociedade em que vivemos (economia burguesa capitalista).

O que lhe pergunto Professora Helena Damião é o seguinte;

Não deveriam os pedagogos, com o seu saber especializado, contrariar a brutalidade que a estrutura económica exerce sobre as crianças, sim, é disto que se devia tratar aqui, de contrariá-la e não de a favorecer.

A posição que defende nesta entrevista em que sentido vai na sua opinião (contraria ou favorece a brutalidade a que se assiste todos os dias)?

Eu penso que a sua posição favorece, perdoe-me a franqueza das palavras.



Cordialmente,

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professora Helena Damião;


Mas não se pense que uma só escola, ou escola única, ignora o problema da seleção de capacidades ou a questão dos níveis de aprendizagem de que nos fala; é só na Escola Única que o problema surge em toda a sua dimensão e de forma genuína.


E este é um problema fundamental que da sua resolução depende o êxito ou o descrédito da Escola única.


Deve-se, por outro lado, aos defensores da escola de classe (aqueles que defendem que a escola só será de classe enquanto o rico a pagar) a grande oposição à aplicação dos níveis de aprendizagem – e numa atitude lógica aceitemos, por estes não satisfazerem os seus interesses de classe (haverá outra classe com semelhantes interesses? Eu creio que não), – tal é a dimensão de perspetiva desta gente.


Espero que encontre nestes meus comentários algo para a compreensão do paradoxo “no tempo em que vivemos, afirma-se constantemente a diferença ao mesmo tempo que se afasta qualquer possibilidade de distinção.”


Cordialmente,

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professora Helena Damião;


E porque a defesa dos níveis de aprendizagem só faz sentido num projeto de Escola única, que signifique para as crianças “a completa aquisição dos conhecimentos que lhe permitam viver dignamente a vida, conforme as suas capacidades”, e não num projeto de escola de classe, que nada é mais do que um ensino como o descrevia o Professor Sebastião e Silva, e que o resumia num ensino capaz de oferecer orelhas de burro a Einstein e vinte valores ao conselheiro Acácio.

É esta a razão porque considerei que a sua posição favorece.


Cordialmente,

Nota: Ainda não me apercebi que a Professora Helena Damião seja adepta da Escola única.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Progredir é o termo da professora Helena Damião, "destreza pedagógica e didáctica".

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