sexta-feira, 6 de abril de 2012

Ainda o "Regresso da Senhora Ching"


Contribuição recebida de Guilherme Valente:

Houve quem achasse excessivo o título do meu último artigo no Público (também colocado no DRN), «O Regresso da Senhora Ching» e o paralelismo de natureza entre a ideologia do «eduquês» e a Revolução Cultural maoísta. A esse propósito, achei interessante propor a leitura de um pequeníssimo fragmento (apenas um exemplo…) de «Testemunhos da Era Maoísta», incluído na obra "Ensaios sobre a China" (editora Cotovia) , de Simon Leys, um grande sinólogo, fascinado pela civilização chinesa, que nunca confundiu o seu povo sofredor de uma irredutível humanidade com o regime comunista de Mao:
«Corolário desta exclusão imposta a todos os elementos socialmente impuros independentemente da boa vontade de que dêem provas: as pessoas "bem-nascidas" gozam, essas, de todos os favores. Que Proust proletário nos descreverá os mecanismos deste Jockey Club às avessas?

Como sempre, são os rebentos da "nova classe" que são os mais insuportáveis. O seu atrevimento e a sua arrogância não conhecem limites e, por si só, conseguiram transformar a vida dos professores num purgatório: actualmente, não há na China profissão mais ingrata e mais maldita que a de professsor.

H. .., que trabalhou vários anos em diversas escolas de Cantão como professor provisório, descreve-me esta experiência como um autêntico calvário.

Quanto mais impecável é a sua "linhagem", menos estes alunos se sentem obrigados a prestar atenção ao que se tenta ensinar-lhes. Seguros da sua impunidade, desafiam o professor, que não ousa repreendê-los com medo das represálias; efectivamente, todo aquele que tentasse impor-lhes a sua autoridade ver-se-ia imediatamente acusado de "reprimir a espontaneidade das massas revolucionárias".

Assim que perdem o pé no seu trabalho escolar, denunciam o professor pelo seu "mandarinismo esotérico " ; o infeliz é aliás chamado à pedra pelo director da escola quando as quotas dos exames dessa bela juventude são demasiado medíocres: "O que é que lhe deu para perseguir estes filhos de proletários? É por causa da sua educação burguesa que julga que se pode permitir...", etc.

Durante bastante tempo, H... impôs a si próprio fazer graciosamente horas extraordinárias, indo a casa destes mariolas para lhes dar explicações e procurar mantê-los à tona ou repescá-los à força. Por fim, acabou por seguir o conselho cínico e sensato de um colega mais experiente:

"Se quer pôr fim aos seus problemas, é muito simples: eleve automaticamente as quotas de todas as crianças de 'boas famílias'... "

4 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Pois.

Por cá tem havido, há décadas, várias

similitudes, de diferentes protagonistas:

arrogância, atrevimento, impunidade e

irresponsabilidade versus desconforto, medo de

cair em "desgraça", inflação de "notas", etc.

E agora os que eram pobres, menos pobres e

remediados estão em vias de passar a classe

material e culturalmente indiferenciada,

nivelada por baixo.

O que permite que outros se governem...

melhor.

Anónimo disse...

Não tenho tempo para contestar disparates. Só gostaria que me provasse qual a semelhança entre os objectivos e métodos das chamadas escolas novas da pedagogia ocidental (que partem, aliás, dos mais variados fundamentos ideológicos, desde o cristianismo, o misticismo mais ou menos ecléctico, o panteísmo até ao construtivismo e ao materialismo marxista) com as perversões pedagógicas do dito comunismo oriental. Critique mas não caia no ridículo de confundir alhos com bugalhos na tarefa agora começada da vingança a qualquer preço contra todas as ideias e personagens que lutaram, às vezes melhor, outras não tão bem, pelo progresso na educação e no ensino.

De Rerum Natura disse...

Mensagem de Guilherme Valente:

1. Há pessoas que só acreditam no que desejam. É tudo tão óbvio que não seria preciso explicar: origens que referiu estão certas, passa também, nalgum dos casos enviazadamente, precisamente por aí.

Registemos o objectivo comum (embora inconsciente em muitos dos intervenientes, como sucede sempre), tendo em conta que entre nós, em virtude do tempo e do lugar, não foi possível, nalguns aspectos, ir tão longe e tão fundo -- mas foram tentarando:

O delírio e o fanatismo da construção de uma utopia igualitária, que passa sempre, como a história tão tragicamente mostra, pela liquidação da liberdade, da autonomia, da criatividade, do espírito crítico, da avaliação objectiva, da prova da realidade, do espírito científico e da ciência, claro; com o cortejo odioso do costume, as práticas inquisitoriais, intimidatórias e humilhantes.

Nos meus textos sobre o tema documentei, citando os próprios, uma - mais do que evidente, meu Amigo - característica forte comum: o anti-intelectualismo, a anti-cultura -com a consequência mais do que evidente entre nós do nivelamento por baixo, da idiotização geral em march. Tudo com a mesma «filosofia» usada pela Senhora Ming, embora cá amaciando o discurso, querendo ocultar o objectivo final, mas nalguns casos nem muito...(Respondendo aos que o comparavam ao sinistro imperador Qi, que tinha mandado matar 4000 letrados, Mao respondeu que estavam a depreciar o regime, que tinha feito melhor, liquidando 40 000 (quase decapitou a inteligência da China, de facto).

Para terminar: como é que não se lembra, ou não sabe, como o «maoísmo» europeu celebrou o maoísmo chinês e nele passou a inspirar-se?

Termino como comecei: tem razão, vem tudo, de facto de onde ou pelos caminhos que muito bem indicou no seu post. É desses desvios a genealogia. Alguns dos que os seguiram ou cultivaram ou cultivam é que talvez não saibam, não tenham ainda percebido. Permita-me uma sugestão: leia, não o que lhe dá razão, mas o que contrarie as suas ideias feitas ou induzidas. Experimente pôr em causa aquilo em que deseja acreditar.

2. Quanto a mim, à minha posição crítica, quando só eu e mais dois ou três Amigos gritamos que o rei ia nu, pergunto-lhe: quando chegou o senhor a Portugal?

Guilherme Valente

A Santos disse...

Senhor Valente:

Disse: «Há pessoas que só acreditam no que desejam».

Tem consciência de que a frase também lhe assenta como uma luva?

Há uns artefactos domésticos, que normalmente penduramos por cima dos lavatórios nas casas de banho, que nos podem ser muito úteis, pelo menos a quem se olha todos os dias com atenção neles.

Acho que foram os Fenícios que os inventaram, logo após a invenção do vidro.

Grande Fenícios, não se ficaram pelo alfabeto (que estará na origem do nosso, pena é que também sirva para as pessoas se desentenderem através dele, atribuindo diferentes significados às mesmas palavras e frases).

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