segunda-feira, 9 de abril de 2012

GUERRA ENTRE DOIS MUNDOS


Post de Carlos Fiolhais:

Neste fim de semana, li um livro com o título de cima da autoria conjunta de Deepak Chopra e Leonard Chopra, saída há pouco na editora Estrela Polar. Os mundos em guerra, como o subtítulo indica, são a ciência e a espiritualidade. Leonard Mlodinow é cientista e professor no Caltech, nos Estados Unidos (é co-autor com Stephen Hawking da "Brevíssima História do Tempo" saído na Gradiva). Por seu lado, Deepak Chopra é um dos principais "gurus" do movimento new-age que, inspirado por uma estranha mistura de filosofias orientais e teoria quântica, defende o primado da consciência para uma compreensão espiritual do mundo (a sua visão não chega a ser uma religião tradicional, uma vez que não defende um Deus pessoal). O livro nasceu de uma conferência de Chopra à qual Mlodinow assistiu e, no final, "provocado" pelo moderador para colocar uma questão, preferiu antes ensinar teoria quântica a Chopra...

O livro é um diálogo bastante civilizado de dois autores nos antípodas um do outro. Eis um passo da prosa de Mlodinow (que naturalmente prefiro, uma vez que vezes vezes nem sequer consigo compreender muitas o que Chopra diz) quase no final do livro, fazendo um sumário da "refrega":

"Neste livro procurei mostrar os pontos em que as ideias de Deepak chocam com o que a ciência moderna nos diz. A resposta dele foi acusar a 'resistência obstinada a ciência a outras maneiras de ver o cosmos'. Além disso, afirma que os cientistas estão fechados a ver o mundo sem ser através das suas tradicionais lentes 'materialistas'. As ideias de Deepak acerca de um universo com uma finalidade e do domínio imaterial da mente não constituem uma religião, mas, tal como as religiões que falam das mesmas questões, as crenças dele estão muito menos abertas a ser questionadas e modificadas que as da ciência. A 'Enciclopédia Católica' avisa-nos expressamente de que pôr em causa a revelação cristã 'envolve não só erro intelectual, mas também uma certa perversidade moral', e que 'a dúvida em relação à religião cristã é equivalente à sua rejeição total' Deepak não vai a esse ponto, mas as suas ideias-chave chegam-nos sem grandes modificações desde a sua origem, nos grandes filósofos orientais de alguns séculos ou até milénios atrás. Na ciência, pelo contrário, estamos constantemente a apurar os nossos pontos de vista, e também sempre na disposição de desafiar a ortodoxia dos nossos sábios, de Newton a Einstein ou a Bohr, quando as provas nos exigem que o façamos. A ciência alimenta-se da dúvida. Mais do que qualquer religião, tem estado aberta e tem aceitado muitas revoluções nos seus pontos de vista e até heresias aparentes, como a corruptibilidade do espaço e do tempo e a impossibilidade de fazer previsões rigorosas. Mesmo o materialismo que Deepak assegura ser sagrado para a ciência foi alterado com o desenvolvimento do nosso conhecimento do universo. A ciência começou por apenas considerar reais objectos visíveis e palpáveis, depois acabou por aceitar campos de forças intangíveis, átomos invisíveis e até quarks que nunca serão vistos. Está, sem dúvida, aberta a aceitar novas verdades e aquilo a que resiste é a aceitar afirmações não verdadeiras.

A ciência é aberta porque não obedece a qualquer programa. Não quer saber se a Terra está no centro do universo ou se é só mais um planeta como outro qualquer, se a Via Láctea é a única galáxia ou apenas uma entre milhares de milhões, ou mesmo se o nosso universo é o único. Não se sente ofendida por chegar à conclusão de que os seres humanos se desenvolveram a partir de símios ou de bactérias, de que nos transformamos em pó quando morremos ou de que não há nada de mágico na nossa consciência. Darwin não abordou a questão da origem da vida com a ideia fixa de retirar o desígnio da criação. Para compararmos, Deepak escreve: ' Se quisermos evoluir de modo a vencer os nossos piores impulsos, a única maneira é através de um fim mais alto'; e: 'a espiritualidade restabelece a finalidade e a direcção nos seus devidos lugares, no coração da evolução.'

Concordo que é bom ter objectivos na vida, mas isso não devia ser confundido com acreditar que a finalidade ou o desígnio fazem parte das leis da natureza. Também estou de acordo com a visão de Deepak da maneira como as pessoas devem viver e tratar-se uma às outras. No entanto, embora tanto eu como Deepak desejássemos um mundo melhor, em que as pessoas tivessem vencido os seus piores impulsos, como cientista não posso deixar que a maneira como eu quero que o mundo seja conduza à minha compreensão de como o mundo é.

(...) Não há dúvida de que o nosso amor-próprio torna difícil que aceitemos uma visão do mundo em que os seres humanos não desempenhem um papel central no universo. No entanto, o grande trunfo da ciência está na integridade dos seus métodos, na abertura dos seus pontos de vista, na avidez com que aceita a verdade. A ciência pode nunca vir a encontrar todas as respostas, mas jamais vai deixar de as procurar, e nunca escolherá o caminho mais fácil, mas sim continuará a sua busca de compreensão."

Na imagem: A capa do livro. A Estrela Polar, editora de livros de auto-ajuda, respeitou a versão original, mas não posso deixar de assinalar que a espiritualidade aparece representada na capa com a imagem do Sol, bem radiante, e a ciência surge representada por um meteorito bastante amassado.

4 comentários:

Cláudia S. Tomazi disse...

De modesta opinião, não há guerras há complementos.

Luís disse...

Texto não assinado, mal escrito, com enganos e pobrezas várias. Desde do erro de julgar que existe apenas uma teoria quântica (creio que, neste caso, será a Mecânica Quântica. Podia ser a Teoria Quântica Antiga, podia ser a EDQ, para não falar em outras) até à patétice de julgar que a ciência não tem programas. Ora, não só cada teoria é precisamente um programa de investigação, como qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento em história da ciência bem sabe como orientados por programas meta-científicos foram Copérnico, Galileu, Newton, Maxwell, Darwin, Einstein, Bohr, Dirac, etc, etc, etc.

Francisco Domingues disse...

Na minha também modesta opinião..., a guerra só existe porque os mentores religiosos proibem os seus crentes ou fiéis seguidores de questionarem aquilo em que os fazem acreditar. O que, a meu ver, é uma violência contra a racionalidade humana, racionalidade que é o timbre que a distingue das ouras espécies animais. (Ver mais no meu blog "Em nome da Ciência").

Anónimo disse...

O texto foi bem escrito. Como diz o adagio, a verdade não necessariamente se encontra no meio de dois pontos diametralmente opostos.

Querer levar a sério "teorias quânticas" elaboradas a partir da intuição é pegar pesado...

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