domingo, 22 de abril de 2012

Texto intermédio; de filosofia?

Texto recebido de António Mouzinho, que tem sido colaborador habitual deste blogue:

Um texto do Professor Desidério Murcho levou-me a escrever algumas palavras. Estive, primeiro, tentado a redigir um comentário, mas achei pouco veemente… Sai, então, o seguinte:
Quando diz que […]o melhor que hoje podemos fazer pela educação em Portugal é acabar com os exames nacionais e com toda a interferência do Ministério nas escolas, dando-lhes completa liberdade de programas, métodos e avaliações. […], está a propor que as direções das escolas possam tocar para a frente o que entendem que é o ensino, utilizando os professores que têm.
Bom: está, portanto, também a propor que direções iníquas façam o que se lhes oferece fazer, em concerto com professores obedientes, ou simplesmente indiferentes.
Quero com isto dizer o seguinte: quando, há uns meses, submeti a amável publicação, neste blogue, um texto denominado No caminho do çuçeço: 2.º episódio — os responsáveis (em que falava sobre a imensa salada que é a nossa legislação sobre gestão e sobre responsabilidade dos atos de ensino), tinha como intenção arrepiar-me publicamente perante aquilo que penso ser fundamental em qualquer gesto na área educativa: a lei que nos governa. E que é, então, arrepiante? É a ambiguidade quanto a quem manda na pedagogia.
A nossa lei dá uma ferramenta tremenda às direções, chamada «projeto educativo». Concretiza-se através do «projeto curricular de escola», e pode chegar a grande minúcia, com o apoio de um conselho pedagógico principalmente nomeado pela direção, e de um conselho geral que a elegeu.
Onde está a pedagogia no meio disto? Com sorte, na sabedoria dos professores — ao escolherem, em eleições gerais, os representantes adequados para o conselho geral.
Com azar, em cada 6 anos, em parte alguma: o conselho geral tem um mandato de 4 anos, pelo que pode eleger 2 direções, cada uma com mandato de 3 anos.
A nossa lei também diz uma outra coisa: que os professores têm direito à autonomia técnica e científica, no respeito pelo currículo nacional, pelos programas e pelas orientações programáticas curriculares ou pedagógicas em vigor.
Agora: que faz um professor que percebe que a sua direção não o apoia na pedagogia? Marimba-se? Barafusta? Anui? E que faz uma direção que verifica que tem um professor à solta a fazer o que lhe apetece? Aplaude? Rosna? Marimba-se, também?
Em Dezembro, o ministro Nuno Crato abateu, pela via da lei, um documento batizado «Currículo Nacional do Ensino Básico—Competências Essenciais». Fez bem: é pela via da lei que as coisas devem ser esclarecidas.
Ora, não podemos entregar às escolas programas, métodos e avaliações. A lei atual, farta e ambígua, não se presta a essas liberdades. Temo que o resultado fosse entrópico: tipicamente, os programas seriam delirantes, os métodos, experimentais, as avaliações, simbólicas. As vítimas, as crianças do costume.
É pela via da lei nacional que o currículo nacional pode ser definido, os programas nacionais detalhados, os professores nacionais (e mais ninguém) responsabilizados. Se aos exames nacionais falta qualidade, insista-se na qualidade. Não na desistência dos exames.
Ó Professor Desidério Murcho, não se iluda: os maus não estão no GAVE, ou no ministério, e os bons cá fora.
A realidade é bem mais grave do que isso…
   Com estima e consideração,
   António Mouzinho

4 comentários:

Desidério Murcho disse...

O problema é sempre o mesmo: como garante você que as directrizes ministeriais são sábias? Acaso o têm sido, nas últimas décadas? Parece-me sonhar alto esperar que um dia emane do Ministério da Educação seja o que for que promova realmente -- e tenha a intenção real de promover -- a excelência educativa. O que emana do Ministério da Educação tem sido, e continuará a ser, uma quantidade de disparates que em nada promovem a excelência educativa. Se temos excelência educativa -- e temo-la -- é porque os professores realmente comprometidos com a sua profissão lutam contra programas, directrizes, orientações, exames e estruturas de poder dentro das escolas.

Eu não tenho uma solução mágica para os problemas do ensino, mas aparentemente sou o único que sabe que não há soluções mágicas para o ensino em Portugal. Quando se pensa em soluções toda a gente pensa em soluções que emanem do Ministério da Educação. O que eu penso é que há décadas que o Ministério da Educação é o principal obstáculo à excelência educativa, pelo que é pelo menos pouco promissor pensar que a partir de determinado momento será dele a emanar algo que promova a excelência educativa. Isso nunca aconteceu, e temo que nunca acontecerá.

Armando Quintas disse...

Desidério e António:
Concordo com o primeiro sobre os disparates do ME, aliás podia bem ser extinto que só traria beneficio e substituido por uma secretaria de estado dinamica, de pequena dimensao e sem burocracia, coisa que as novas tecnologias permitem e extinguir as Direcçoes regionais.
Mas aqui termina a minha concordancia com o Desidério.
As escolas estao uma bandalheira, ha professores de diferentes formaçoes e niveis de ensino, ha os que nem curso tiraram entrando por via de diplomas dos anos 80 e ha os nem pedagogia possuem porque nao sao da via ensino, como engenheiros, etc..
As escolas estao cheias de favores trocados e trocaveis que basta ver as contrataçoes para os horarios parciais para se perceber isso, coisa que tb discordo.

Devera existir uma estructura central mas ao mesmo tempo descentralizada que "gestione" as linhas gerais e depois de liberdade dentro de determinados niveis bem definidos as escolas de seguirem certos métodos e regras mas as linhas orientadoras tem que vir sempre de cima!
Acabe-se com este ministerio e expulsemos essa corja relativista das pedagogias pos modernistas, que seja criado um sistema em que a sociedade tenha algo a dizer sobre as linhas orientadoras, nao se esconda as coisas como ate aqui e se imponham as directivas porque sim às escolas!

ps: as desculpas pela ortografia, escrevo em teclado que de portugues nao tem nada..

Guilherme Valente disse...

A posição apresentada pelo meu querido Amigo Desidério Murcho (a cujo apoio a Gradiva («Filosofia Aberta» tanto deve) não é racionalmente sustentável e é verificadamente empiricamente falsa. De facto, não pode afirmar-se que nunca no passado houve e nunca no futuro haverá medidas acertadas emitidas por um ministro da educação. Assim: se um dia o meu Amigo Desidério Murcho vier a ser ME (o que eu desejo) as medidas que decidir serão medidas acertadas.

Isto para não referir o que muitos Amigos têm explicado exaustivamente no DRN: as razões porque Portugal não tem a educação que poderia e necessita ter. E para não falar mais também do que o autor deste post e outros comentadores j+á bem explicaram: a insuficiência da solução preconizada por Desidério Murcho. Seria apenas salvação para um pequeno número de miúdos, o que, aliás, já acontece agora, porque, apesar do seu empenho devastador o «eduquês» não conseguiu impedir que resistissem algumas escolas boas e alguns bons professores.

A posição do Desidério - surpreendente para quem está habituado a conviver apenas com o seu espírito analítico brilhante -- parece-me ser mais uma atitude de desabafo, de falta de esperança, de impotência de quem julga não poder fazer nada. Mas pode, e muito, e tem, aliás, feito.

Registe-se, no entanto, que esta atitude de desalentado cepticismo do Desidério não o diminui em nada, aos olhos de todos nós, seguramente. Mas antes revela a sua boa humanidade.

Desidério Murcho disse...

Obrigado pelo teu simpático comentário, Guilherme. Mas o que penso não é um desabafo; é parte integrante da minha defesa intensa da liberdade. Se eu fosse ministro da educação não iria impor aos outros professores a minha concepção de ensino; iria apenas abrir tanto quanto possível a possibilidade da diversidade educativa. O que sempre me opôs a quem em Portugal controla o ensino da filosofia no secundário e nas universidades não foi o facto de discordar da concepção de filosofia que esses colegas têm; eu acho que têm todo o direito a ter tal concepção, por mais que me pareça errada. O que me opõe a eles não é isso; o que me opõe é que eles se esforcem ao máximo por excluir outras concepções de filosofia e do seu ensino, que imponham aos filhos dos outros a sua concepção das coisas. Assim, se eu quisessem também impor aos outros a minha concepção do ensino, não seria assim tão diferente deles.

Há uma grande diferença entre lutar contra um ditador para instituir a liberdade, e lutar contra um ditador para ficarmos nós no lugar do ditador. A Filosofia Aberta, que a Gradiva generosamente deu a tantos portugueses, não é uma imposição de um novo ditador, mas antes uma abertura a uma alternativa -- que as pessoas escolhem se quiserem e rejeitam se não gostarem.

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