quarta-feira, 18 de abril de 2012

UMA FESTA DE ARROMBA


Meu artigo no Público de hoje:

Festa é excesso. Eu já suspeitava que o dinheiro nos cofres públicos tinha acabado não só devido à crise internacional mas também devido à incapacidade governativa de gestão racional dos recursos existentes. Suspeitava que havia gastos excessivos. Foi por isso que acreditei logo na confirmação que veio da ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, quando afirmou na Comissão Parlamentar de Educação: “O programa da Parque Escolar foi uma festa para as escolas, para os alunos, para a arquitectura, para a engenharia, para o emprego e para a economia”.

A derrapagem bateu todos os recordes: em 2007, José Sócrates, acolitado pela ministra, anunciou que 332 escolas iam ser requalificadas, com um custo médio de 2,8 milhões de euros por escola. Passados três anos, no Relatório de Contas da empresa Parque Escolar, o custo médio por escola tinha aumentado para 15,5 milhões, isto é, mais de 440 por cento (acresce que muito menos escolas foram intervencionadas). A extraordinária derrapagem da Casa da Música no Porto e de outras obras públicas mais antigas não consegue competir com a sua rechonchuda “irmã” mais nova. Desmentindo o óbvio, sem dar suficiente atenção a números, a ex-ministra lá foi fazendo o elogio do fausto (“o que é barato, às vezes, sai caro") e criticando essa formalidade, para ela aparentemente inútil, de ter de haver concursos públicos e vistos do Tribunal de Contas antes de qualquer empreitada paga com o nosso dinheiro (“nem sempre a transparência é convergente com o interesse público”). Ela própria tinha achado o preço certo e tinha dado o visto. Sócrates estava dentro dos planos da festa, tendo-os abençoado, mas a nós, cidadãos contribuintes, pedia-se e pede-se apenas que aplaudamos o grande arraial e o lauto fogo de artifício.

Se eu tenho alguma coisa contra festas? Em princípio nada, até gosto de som e luz. E gosto, claro, de escolas bonitas e confortáveis. Acontece simplesmente que, neste caso, sinto que fui eu quem pagou a festa, que outros encomendaram, escolhendo a seu bel-prazer os pirotécnicos, o foguetório e os lugares da rebentação. Fomos todos nós, hoje espoliados dos subsídios de férias e de Natal e confusos quanto à possibilidade de reforma atempada, que pagámos.

No rescaldo da festa, Nuno Crato, o actual ministro da Educação e Ciência, tem uma herança de dívida. Como encontrou os cofres ministeriais arrombados, tem de ver com muito rigor as contas para rendibilizar o escasso orçamento. Se alguma experiência lhe pode valer é a de vir de uma missão de reparação de cofres arrombados à frente do Tagus Park, em Oeiras. Na altura, quem podia festejava. Convenhamos que, com ou sem experiência, não é fácil gerir um ministério que foi financeiramente implodido pela Parque Escolar e pelo Plano Tecnológico (outra festa!).

O ministro vai decerto poupar nos candeeiros de design e nos Magalhães. Mas há coisas em que decididamente não pode poupar. Não pode poupar no alento a transmitir às escolas, em especial na confiança nos professores e no encorajamento aos alunos. Não pode poupar na mensagem a todos os cidadãos de que é possível subir os níveis da nossa tão depauperada educação. Afinal, a educação é muito mais do que edifícios dispendiosos e computadores de último grito e, nas escolas, há coisas que não custam um cêntimo, mas sim vontade e esforço. Eu sei que os tempos não estão para muitos ânimos. Os nossos bolsos estão vazios como os cofres do Estado e não antevemos quando uns e outros vão começar a encher. Mas o pior de tudo seria se os tempos fossem de completo desânimo. Há razões para ter alguma esperança na recuperação do défice educativo. A recente reforma curricular oferece a professores e alunos a possibilidade de se concentrarem no essencial, que é ensinar e aprender, e serem avaliados e por isso. O recente anúncio de que as escolas terão liberdade não só de escolher os horários e algumas disciplinas, mas também de constituir as turmas da maneira que acharem mais adequada, cria fundadas expectativas de que muita coisa poderá ser alterada nas salas de aula com resultados que interessa apurar. Espera-se que o desmesurado monolitismo do Ministério dê lugar a autonomia e responsabilização das escolas. A mudança pode não ser fácil, mas o nosso sistema de ensino, centralizado e uniforme, tem, de facto, agravado as desigualdades, condenando os mais desfavorecidos à sua sorte. É hora de mudar.

O ministro não pode poupar na democracia. Num país democrático, as questões do ensino e da aprendizagem não podem ser propriedade exclusiva de um ministério, onde alguém decide fazer uma grande festa sem prestar contas a ninguém, são também e sobretudo dos professores e dos alunos e dependem do seu trabalho no dia-a-dia. E são das famílias. São afinal de todos nós.

4 comentários:

regina disse...

Caro Professor
Parabéns pelo sua mensagem que vou tentar difundir ao máximo
Regina Gouveia

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professor Carlos Fiolhais;


Como podemos estar otimistas com as coisas neste patamar? - de “constituir as turmas da maneira que acharem mais adequada”; isto é algo tão subjetivo que não permite uma análise cuidada, que garanta sequer a tal diferenciação pedagógica de que fala o Professor António Nóvoa, que cito “. Se não houver o trabalho de cooperação entre os alunos mais e menos avançados, entre os alunos que têm maior predisposição para certas disciplinas e os que têm para outras, enfim, se não houver a possibilidade do professor não ser o único ensinante dentro da sala de aula, é impossível conseguir práticas de diferenciação pedagógica.”

Quero deixar aqui um exemplo de sabedoria, de tolerância e de humanismo para aqueles que tiverem a responsabilidade de constituir essas turmas (o exemplo é retirado do livro de 'modernas tendências da educação' de Irene Lisboa);


“Diz, por exemplo, uma professora italiana, referindo-se à sua escola:
«É às pequeninas doentes ou agitadas, às apáticas e também às que mostram sempre necessidade de brincar e experimentar tudo, que eu dou mais liberdade. (A classe em questão era de crianças entre os 9 e 14 anos). Esta liberdade serve para as disciplinar. As outras fazem, espontânea e facilmente, tudo o que devem fazer e se pode chamar bom; animam as primeiras e servem-lhes de exemplo natural. Mas quando umas não chegam a melhorar, as outras limitam-se a tolerá-las, e vivem bem entre si. Eu conto muito com as influencias recíprocas e procuro todos os meios de neutralizar a influencia das «piores».
Não são tocantes estas palavras?
A isto seguia-se a exposição do seu método de ensino, que se inspirava já nas ideias novas de atividade pessoal e de rendimento livre.”


Cordialmente,

José Batista da Ascenção disse...

... E com tantas festas de arromba demos por nós...

arrombados!

Claro que não há responsáveis.

E os que o poderiam e deveriam ser enchem o peito e dizem-

nos que devemos estar orgulhosos.

E ninguém diz a esses protagonistas e colaboradores que os

procedimentos deles foram... vergonhosos!

Não só pelas "festas", com que se devem ter "divertido"

muito.

Mas também por ações manifestamente ilegais como foi

permitir que, em 2006, os alunos que foram ao exame da

primeira fase da disciplina de "física" o pudessem repetir

na segunda fase! A lei proibia-o! Mas fez-se! E os que

programaram a sua vida para só fazerem exame na segunda

fase tiveram só uma oportunidade!

E o exame da 1ª fase não tinha erro nenhum! O que foi dito

na altura foi que a prova era difícil...

E pronto.

Para quem é que procedimentos destes podem ter sido uma

festa?

Não (me) respondam, por favor.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professor Carlos Fiolhais;


Num texto em que o Professor Sebastião e Silva, critica abertamente o excesso de exames, considerando-os a parte ingrata e de certo modo negativa do ensino, que conviria por isso reduzi-los ao mínimo necessário, encontra-se a seguinte nota:


“Sem esquecer que, muitas vezes, o exame faz uma seleção errada, colocando em primeiro lugar o aluno mais espetaculoso, mais expansivo, que não é geralmente o mais concentrado, o mais profundo.”


A pergunta que lhe coloco é, atendendo ao que os exames são condição principal e indispensável da reforma, o que faz o Professor Carlos Fiolhais, sempre que deteta uma situação destas, o mesmo é dizer como deverão os Professores agir?


Cordialmente,

NOVA ATLÂNTIDA

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