sábado, 28 de abril de 2012

Em defesa do pluralismo educativo

Precisamos de pluralismo educativo por três razões principais.

Primeiro, porque andamos há anos numa guerra entre os que pensam que aos filhos dos pobres só se pode ensinar superficialidades, e os que pensam (como eu) que o melhor que podemos fazer por qualquer jovem, pobre ou rico, é ensinar-lhe seriamente física, história, filosofia, matemática, artes, com rigor, esforço, e avaliações que constituam desafios a vencer. Esta guerra nunca terá fim. Num ciclo político dá-se um passo numa direcção, vem outro ciclo político e dá-se outro passo noutra direcção, à mercê das preferências de ministros, secretários de estado e outros responsáveis educativos. O resultado é uma amálgama educativa sem sentido: faz-se agora exames, mas os programas não foram pensados para fazer exames, mas sim para contar histórias da carochinha; além disso, quem faz os exames é contra os exames, e prefere um ensino diferente, pelo que faz exames na melhor das hipóteses sofríveis, mas que nada acrescentam à formação do aluno; aos programas vagos e sem conteúdos científicos ou históricos acrescenta-se directrizes para que se possa fazer exames, mas essas directrizes têm de ser negociadas selvaticamente com quem odeia exames e programas que não sejam vagos. Não estou a ver que isto alguma vez acabe. Mesmo que o professor Nuno Crato conseguisse impor programas de matemática, física e filosofia que não fossem um disparate completo, logo outro responsável se encarregaria de os mudar, noutro ciclo político. Os exames foram reintroduzidos, mas não servem para coisa alguma porque estão mal feitos e são apenas a fingir. Esta guerra que dura há anos faz-nos perder tempo com o que não interessa. Se houvesse diversidade educativa, cada professor faria como quisesse; não perderíamos tempo com guerras. E quem tenta fazer bons manuais para o ensino secundário, como eu, não teria de lutar contra programas e manuais e preconceitos para os tentar fazer: daria o seu melhor, em coordenação com os professores do secundário interessados num bom trabalho, sem perder tempo com guerras inacabáveis.

Segundo, porque a melhor maneira que temos de ver o que resulta melhor no ensino é ter professores diferentes a fazer escolhas diferentes, com manuais diferentes. O pluralismo educativo permitir-nos-ia fazer o que genuinamente pensamos que é melhor, sem termos de obedecer a directrizes e programas nacionais; os conteúdos e métodos seriam plurais e poderíamos aprender a fazer melhor uns com os outros -- pelo menos, aqueles de nós que realmente querem ensinar melhor. Seria natural que ideias surgidas num lugar fossem adoptadas noutro; que as melhores práticas acabariam por ser melhoradas, tornando-se ainda melhores. Isto daria origem a uma espiral de qualidade educativa -- admitidamente, apenas entre os professores genuinamente interessados em ensinar melhor. Mas a alternativa ao pluralismo, o que temos hoje, não dá origem a qualquer espiral de qualidade educativa.

Terceiro, porque o que funciona melhor para alguns alunos pode não ser o melhor para outros. Alunos diferentes podem ter interesses diferentes e diferentes potencialidades. Alguns poderão reagir melhor a um dado método de ensino; outros alunos, a um método diferente. Alguns alunos poderão gostar mais de matemática e filosofia, mas não de história; outros poderão gostar mais de outras áreas. Seria bom que os alunos mais interessados em matemática, por exemplo, ou em filosofia, pudessem ter mais horas de aulas por semana dessas áreas.

Estas são as três razões principais a favor do pluralismo educativo. Acresce a esta uma quarta, mas já vi que essa não cai bem: a simples impossibilidade de se justificar adequadamente o direito de quem tem o poder de impor aos colegas a sua visão do ensino. Acontece que os professores aceitam com tal naturalidade a heteronomia que nem lhes ocorre ver que a situação é caricata. Eu ia escrever "tentasse o Ministério da Educação impor aos professores da universidade o mesmo género de cartilhas e seria uma revolta generalizada" -- quando me lembrei que na verdade quem começou impor cartilhas nas universidades há uns anos foi a FCT e ninguém piou. Nunca devemos menosprezar a capacidade que as pessoas têm para deitar às urtigas a autonomia, prostituindo-se com imensa facilidade em troca de benesses ilusórias.

2 comentários:

Jorge Couto disse...

A imposição vinda de cima põe a tónica nos processos e menospreza os resultados. Quando se discute a falta destes é sempre porque os inquestionáveis métodos não foram ou não puderam ser bem aplicados...Até que num belo dia a tutela muda tudo sem dizer porque o faz, sem apresentar um balanço sobre os métodos e práticas anteriores.

Francisco Domingues disse...

Sejamos claros: o facto de haver um programa nacional para cada disciplina não impede que cada professor o adapte a cada turma e, na medida do possível, a cada aluno ou grupo de alunos. Os exames, bem ou mal elaborados, também não só obrigam os alunos a fazerem sínteses do que aprenderam como permitem uma certa diferenciação na avaliação. A experiência (nossa e não só) assim o comprova. O que, a meu ver, está errada é a desastrada política de inclusão que misturou alunos bons com inadaptados para, segundo essas teorias abrilistas, se ajudarem mutuamente. Ora eu defendo totalmente o contrário e sempre o defendi como professor: criar em cada escola turmas de elite, como creio acontece nos USA e no UK, aproveitando o melhor da sociedade, nivelando por cima e não por baixo, o que acontece com os professores que têm de baixar o nível de ensino numa turma para o tornar adaptável à média dos alunos que obviamente baixa com a inclusão. Espero que este Ministro seja sensível a tal "revolução" contra um desvirtuado Abril e permita ou incentive a criação de tais turmas. Com regras de acesso claro e sem excluir os que, por mérito, se fossem evidenciando em turmas, digamos, de alunos normais.

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