O que nos deve ser pedido hoje, como os educadores face a um mal-estar, que incomoda?
Que eduquemos, é uma resposta. Estamos, como sempre estivemos, obrigados ao dever de educar.
Mas no momento, precisamos de transformar esta expressão simples numa ideia forte. Forte, no sentido que lhe dá Kant na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, que é necessário um constrangimento, uma vontade, para que a não intervenção, quase transformada em regra, não sufoque esse dever.
O que terá acontecido para que tal dever tenha enfraquecido, perdido a convicção nos princípios, nas finalidades, nos processos que o concretizam?
Ao nível dos princípios, a contextualização e circunstancialização, estendida até aos limites, relativizaram todos e quaisquer imperativos educativos, debilitaram-nos ou esvaziaram-nos. A valorização do sujeito, finalidade (e essência) da educação, passou a ter um significado pragmático e profissionalizante, afastando-se dum projecto de aperfeiçoamento, perdeu profundidade. Quanto aos processos didácticos, embora apregodamente apoiados em excelentes tecnologias, foram afastando objectivos e conteúdos, sobretudo os que se afiguram (por quem?) mais nobres.
Enfim, a educação, como obrigação dos educadores, enfraqueceu, quer, como socialização, na linha de Durkheim, quer como formação pessoal, no sentido que lhe dá Mounier. Isto, na convicção de que os aprendizes são intelectual e moralmente autónomos.
Ora, a autonomia não é uma condição prévia mas um objectivo a alcançar, pelo que é preciso (re)começar a educar e aí persistir, sistemática e generalizadamente; caso contrário a liberdade, essa condição de livre arbítrio que concretiza o que de mais humando existe, em potência, no ser humano estará condenada.
O problema da liberdade e da educação não encontra solução fora desta esfera, que se arrisca a rodar no vazio. Descontrolada por ausência de pontos de fixação: onde deveria haver segurança e estabilidade reina a indeterminação, a apreensão, até, a negligência e, vezes demais, a interferência de intentos alheios…
É preciso apelar ao conhecimento mas, sobretudo, e antes de mais, à convicção.
Mas, onde ir buscar a convicção uma vez imposta a debilidade de princípios e a negação de finalidades educativas? Nesta dupla interrogação, como se justificam as escolhas e se determinem as acções de quem tem ou deveria ter o dever de educar?
Estamos numa situação de impasse: oscilamos entre uma tese e uma antítese sem vislumbre de síntese salvadora. Mas talvez ela exista, e talvez possa ser recuperada pela liberdade que os educadores têm de conduzir aos desígnios da liberdade aqueles que lhe estão confiados.
Existindo, admitamos, uma multiplicidade de “bens”, ela não dispensa uma hierarquia, o que obriga à consideração de um bem maior para o qual todos os outros concorrem.
Estão, pois, os educadores destinados a escolher, elegendo ou rejeitando. Para tanto, é necessário que conheçam, para julgarem e fazerem juízos para, em cada instante, decidirem.
Quem se identifica como educador, tem de ser capaz de perseguir intentos que concorram para a liberdade. E, ainda que seja assaltado por dúvidas sobre o seu sentido e amplitude não há grandes dúvidas de que ela depende, em grande parte, do tipo e da qualidade de educação que se proporciana a cada um e a todos, para alcançar a vontade autónoma.
Antes de ser o que poderá ser, a liberdade é o acto que se cumpre segundo uma ideia, uma inteligência orientada para um desígnio, pessoal e colectivo. Isto tem que ser aprendido, exercitado e interiorizado até alcançar o estatuto de princípios de acção, pelo que é preciso (re)encontrar os princípios educativos, que lhe dão conteúdo e consistência.
Aos que têm hoje responsabilidades educativas compete, portanto, a difícil tarefa de transformar (de novo) a educação num dever. É a única via, se querermos homens livres, isto é, moralmente responsáveis.
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João Boavida
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2 comentários:
Obrigado por esta lição, Professor.
Valera a salva de palmas!
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