segunda-feira, 30 de abril de 2012

À abordagem!

Novo post de António Mouzinho:
 
O que é que me leva ao abuso de abordar o professor Desidério Murcho? As qualidades evidentes daquilo que faz.
Só nos últimos dias, tropecei num post («posta», em Português? conota correio e pescada) desviado do TED, com uma pequena e engraçadíssima palestra de uma senhora que não conhecia e dá pelo nome de Susan Cain e, no mesmo dia 28 de abril, Em defesa do pluralismo educativo.
Sobre a palestra: trata de introversão e extroversão. A autora é uma introvertida — extrovertida pelas circunstâncias da vida e da palestra — confessa estar casada com um extrovertido, etc. Fala de ensino e do trabalho na empresa; aponta tiques do ensino e da sociedade que sobrevalorizam a extroversão, o trabalho coletivo, e por aí fora. Trouxe-me para a frente as memórias de uma vida inteira de aulas, a lidar com miúdos introvertidos que alguns professores assinalam como casos problemáticos. Nunca me deixei levar por essa! Sou filho de um introvertido, e cedo aprendi o valor da coisa. Mas reconheci de imediato o estigma: «que é que o conselho de turma poderá fazer por esta criança?» Deixá-la sossegada, talvez…
Agora, o osso pior de roer: é uma insistência minha, mas quando discuto também quero entender — e ainda não entendi…
Diga-me lá: afirma que «o melhor que podemos fazer por qualquer jovem, pobre ou rico, é ensinar-lhe seriamente física, história, filosofia, matemática, artes, com rigor, esforço, e avaliações que constituam desafios a vencer». Sem dúvida!
Afirma, depois, que «a melhor maneira que temos de ver o que resulta melhor no ensino é ter professores diferentes a fazer escolhas diferentes, com manuais diferentes». Aqui sobejam-me alguns comentários, que ficam para mais logo, porque, em geral, também penso assim.
Remata dizendo que «o que funciona melhor para alguns alunos pode não ser o melhor para outros». Bom…
Aqui estão três razões, defende, que explicam a necessidade de pluralismo educativo.
Ora travo há algum tempo uma guerra que se reflete, à evidência, nos meus textos publicados no seu blogue: a guerra de não aceitar que uma direção iluminada se encarregue de refletir tanta e tão capaz iluminação para as minhas aulas.
É uma tarefa dura, porque me deixa algo isolado — naturalmente — a pelejar com o rabo encostado a uma parede.
Mas é uma tarefa gratificante, porque nada me diz que não tenho razão, porque sou responsável pelo que faço profissionalmente, e porque a dita parede é a da minha sala de aula: lá dentro, tenho os meus alunos, que me são entregues pelo Estado, após um conjunto de creditações científicas e técnicas, para lhes ensinar uma disciplina. Serviço público certificado, portanto.
Uma das armas que me assegura a lei é um currículo nacional. Expresso em programas.
Outra das armas é, com a certificação profissional, a responsabilização profissional.
Com as duas, Winchester e Colt, sou o Gary Cooper, e o comboio pode apitar as vezes que quiser.
Mesmo os idiotas mais acabados têm vergonha de esvaziar por completo, perante a pressão da opinião pública, os programas das disciplinas; ou o currículo nacional. Já não têm vergonha de produzir textos internos, em conselhos pedagógicos pequeninos, para atormentar quem não pensa segundo as regras que acham catitas.
Deixe-me, sem a autonomia científica e técnica, e sobretudo sem os programas, entregue às direções de escolas que por aí abundam, e está a deixar-me — sem armas, no Texas.
Pum! Estou morto!

António Mouzinho

7 comentários:

Anónimo disse...

Ola,

O comboio não sei, mas eu apito de bom grado, em sinal de admiração e concordância. Total.

Gostava de poder dizer que a conclusão é imaginaria, mas infelizmente, quem esta desarmado encontra-se à mercê de todos, mesmo, ou talvez sobretudo, daqueles que precisam de disparar a sua furia apos terem dado um tiro no pé !

Boas

joão viegas

Desidério Murcho disse...

Caro Mouzinho

Já a Sara manifestou essa preocupação; e eu sei que ela é genuína e séria. Mas pense um pouco fora da caixa. Por que razão isso não me acontece na universidade? A melhor maneira é você compreender as coisas ao contrário: por que razão nas escolas há quem possa arrogar-se o poder de mandar no que você faz nas aulas?

A resposta é: porque não há pluralismo educativo. Porque há uma máquina central montada, que se arroga o direito de dizer aos professores o que eles têm de ensinar -- coisa que não existe na universidade. E porque essa máquina tem inúmeras instâncias hierárquicas, desde o Ministro da Educação até aos seus colegas que mexem os cordelinhos na escola e lhe fazem a vida negra. Tire a autoridade ilegítima do Ministério da Educação e toda a autoridade ilegítima cai como um baralho de cartas -- e nenhum colega na sua escola terá a autoridade para interferir no que você faz.

Se você luta hoje com colegas que tudo fazem para que você ensine pior, isso é apenas o reflexo do centralismo que temos. Desde há anos que o maior obstáculo à excelência do ensino em Portugal é o Ministério da Educação, com todas as suas instâncias de poder, até aos colegas. A grande ilusão de quem tem ideais e práticas de excelência educativa, como você, é pensar que algum dia esses ideais terão expressão em programas, directrizes e exames nacionais. Desengane-se: isso não acontece desde o 25 de Abril, nunca aconteceu e nunca acontecerá.

A melhor maneira de ver isto é pensar em sapatarias. Imagine-se que tínhamos um Ministério dos Sapatos. Este determinaria a maneira de fazer sapatos, os materiais, o modo de os vender, como dar assistência ao comprador, etc. Pergunta de retórica: estaríamos melhor ou pior do que estamos hoje, em que cada qual faz sapatos como lhe apetece e vende como entender?

Há casos em que precisamos de centralismo; mas em todos os que não precisamos, o centralismo gera ineficiência, falta de qualidade, conflito social (porque pessoas com ideias diferentes querem mandar nos colegas por via da força da lei e não da qualidade dos seus livros livremente publicados e comprados), e desorientação. No ensino não precisamos de centralismo.

Deixe-me dar-lhe outro exemplo: onde se aprende a ser romancista? Não é na escola, apesar de nela se fingir que se ensina literatura. Mas, na verdade, como lhe dirá qualquer romancista português, se ele aprendeu o seu mister foi fora da escola e muitas vezes contra a escola. Na escola centralizada, nada se cria, nada se transforma: tudo se perde.

E um terceiro exemplo: onde está o centralismo no ensino do futebol? Em lugar algum. E no entanto as pessoas que querem aprendem futebol e aprendem-no suficientemente bem para fazer boa figura internacional. Agora imagine que amanhã fazíamos o Ministério do Ensino do Futebol. E eu digo-lhe já o que aconteceria: deixaríamos de ter futebolistas no dia seguinte.

Faça a si mesmo um favor: leia com muita atenção o Sobre a Liberdade, de John Stuart Mill; todo. E depois releia o último capítulo.

Anónimo disse...

Ola Desidério e bom regresso ao blog,

Penso que não respondes à objecção do Mouzinho.

Ninguém é contra a liberdade de ensino, que implica diversidade. Apenas se aponta que sem programas gerais pré-definidos (que também existem na universidade e sem os quais seria de todo impossivel reconhecer às ditas universidades o direito de conferir graus académicos publicos), a liberdade de ensino seria completamente desprovida de conteudo.

O grau de pormenor dos programas pode, e deve, ser debatido, mas contestar a sua existência, ou defender que cada professor, ou mesmo cada instituição, devia ter plena liberdade de os definir, é negar a propria essência do serviço publico educativo.

A analogia com os sapatos é disparatada. Ninguém defende a existência de um serviço publico do calçado, porque é ponto assente que não existe diparidade entre os cidadãos nesta matéria e que existe oferta espontânea que chega para satisfazer as necessidades basicas de todos nesta matéria. Isto não sucede com o ensino.

Se, por absurdo, chegassemos à conclusão que cabe ao Estado intervir por forma a que nenhum cidadão seja obrigado a andar descalço, então seria logico que os fabricantes de calçado obedecessem a regras gerais publicas, entre as quais teriamos certamente regras a definir o que é um sapato. So assim poderiamos ter a certeza de que as verbas publicas atribuidas à confecção de sapatos são bem repartidas e utilizadas de acordo com o principio de igualdade, sem termos por ai tratantes a utiliza-las para fabricar sapatos sem sola...

Um abraço !

joão viegas

Anónimo disse...

Uma posta não é simplesmente um artigo? O problema é que há tontos (e ainda bem, o mundo sem tontos seria monótono) que preferem palavróides como posta, adição (não se trata de adicionar), e outras tonterias igualmente engraçadas.

joão boaventura disse...

Como esta segunda-feira é o primeiro Dia Internacional do Jazz, data atribuída pela UNESCO, para realçar a importância do estilo musical para a liberdade de expressão e para o diálogo intercultural ao longo dos séculos, sugiro o Dias Internacional do Professor para realçar a importância do estilo do Professor para a liberdade do magistério e para o diálogo intercultural entre os Professores e os alunos, ao longo dos séculos.

Ao congratular-me pelo regresso de Desidério, e ao precioso conselho que nos dá de nos debruçarmos na leitura "Da Liberdade" de John Stuart Mill, atrever-me-ia a juntar "Le droit d'ignorer l'État", de Herbert Spencer.

Cordialment

joão boaventura disse...

Como esta segunda-feira é o primeiro Dia Internacional do Jazz, data atribuída pela UNESCO, para realçar a importância do estilo musical para a liberdade de expressão e para o diálogo intercultural ao longo dos séculos, sugiro o Dias Internacional do Professor para realçar a importância do estilo do Professor para a liberdade do magistério e para o diálogo intercultural entre os Professores e os alunos, ao longo dos séculos.

Ao congratular-me pelo regresso de Desidério, e ao precioso conselho que nos dá de nos debruçarmos na leitura "Da Liberdade" de John Stuart Mill, atrever-me-ia a juntar "Le droit d'ignorer l'État", de Herbert Spencer.

Cordialment

António Bettencourt disse...

Era mesmo eu que me dava ao trabalho de discutir com alguém oriundo das (pseudo) ciências da educação.

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