quinta-feira, 3 de junho de 2010

A RISOTA PEDAGÓGICA

“O riso é a mais antiga e ainda a mais terrível forma de crítica” – Eça de Queiroz.

No dia 30 de Maio p.p., Helena Damião publicou neste blogue uma sátira intitulada "Ginástica de fole: riso por e para professores”. Nela, muito oportunamente, dá-nos conta da realização de um curso, ministrado por um formador/professor/licenciado/mestre, destinado a professores do ensino básico e ensino secundário e auxiliares de acção educativa, e não só! O conhecimento deste curso deixar-me-ia atónito não se desse o caso de ter tido conhecimento de um outro curso de (de)formação de professores promovido por um sindicato de professores.

Para que o leitor se possa rir a bandeiras despregadas com a vantagem de não pagar propinas, fica, desde já, aqui a promessa da descrição detalhada e preciosa deste último curso que em nada fica a dever aquele sob o ponto de vista “científico e pedagógico”, excedendo-o, até, largamente no número de formadores e respectivas especializações. Reporto-me a um artigo publicado no Público, em 8 de de Maio de 2005, da autoria do respectivo director adjunto Nuno Pacheco, com o sugestivo título “Brincar às escolas”. Neste texto assume real importância o aforisma latino:Ridendo castigat mores” ("a rir se castigam os costumes"). E que costumes!

Este artigo (que se encontra transcrito no meu livro "O Leito de Procusta": crónicas sobre o sistema educativo", edição do SNPL, Outubro de 2005, p. 81) seria verdadeiramente hilariante se não espelhasse a tragédia de certos cursos nacionais de formação para professores, como se verá pela respectiva transcrição integral que faço a seguir:

“Portugal espanta-nos sempre. Mesmo quando imaginamos que nada pior pode já acontecer, alguém se encarrega de vir desenganar-nos. Veja-se o seminário 'Dicas para ser melhor professor(a)' convocado para 11 e 12 de Maio em Lisboa e organizado por uma autodeterminada 'pró-Ordem dos Professores'. Vale a pena descrever, na íntegra, os objectivos de tal encontro, tal como vêm escritos no folheto no folheto, sem omitir um único: 'Como arranjar a sala de aula para facilitar a aprendizagem? Qual a melhor postura a adoptar? Como colocar a voz? Como gesticular? Que gestos devo evitar? De que cor me devo vestir? De que cor deve ser a sala de aula? Como gerir conflitos? Que legislação devo saber de cor? Como relaxar os alunos antes da aula? Como auto-relaxar? É importante saber os signos dos alunos para transmitir melhor a matéria? Se um aluno sofrer um acidente que primeiros socorros devo saber? Como aplicar estas dicas na escola, em casa, aos alunos e a mim?'. Lê-se e, por melhor boa vontade, não se acredita. Não há pasmo que consiga descrever a sensação de estar perante tamanho disparate. Ainda vamos descobrir que os males do nosso ensino se devem aos cortinados das escolas, ao mau design dos equipamentos ou ao perfume usado pelos professores. Talvez ajude um pouco de meditação transcendental, talvez exercícios tântricos, talvez 'feng shui'... Mas o pasmo aumenta à medida que se vai lendo a lista dos especialistas convidados para as palestras: um colaborador do programa da SIC “querido mudei a casa” (imagina-se a variante 'pedagógica': 'queridinhos alunos, mudámos a escolinha!'), um actor de telenovela Morangos com Açucar, uma 'formadora em marketing e relações públicas, uma terapeuta de energias, uma astróloga 'licenciada em comunicação' um psicólogo, uma enfermeira, uma professora/advogada para explicar leis e alguém da Associação de Mediadores de Conflitos para, naturalmente, descodificar os artifícios da concórdia. No intervalo, sem desprimor para os ditos, haverá pastéis de Belém junto com o café.

É espantoso como em pleno século XXI, se promove um encontro para os professores julgando colmatar com 'dicas' impensáveis a miséria do nosso ensino. É inacreditável como se fala de exercícios de relaxamento, de colocação de voz, de marketing, de cores, de energias e signos , e não se fale da única coisa que as escola devia fazer com a máxima competência e empenho: ensinar, com sabedoria e não com truques de feira; transmitir conhecimentos em condições como é apanágio das melhores escolas e colégios por esse mundo. É patético imaginar que em Harvard ou Oxford haja professores a discutir os benefícios de fazer 'exercícios de relaxamento' com os alunos. Porquê? Precisamente porque são professores e não diletantes do estilo e da forma, porque a sua missão na escola é a mesma de há séculos: formar cidadãos competentes e preparados para a vida e não patetas incapazes de articular um único pensamento aproveitável. Infelizmente o seminário da pró-Ordem é um sinal dos tempos: a mediocridade não se limita a corroer as mentes, já se arvora em ciência, uma 'ciência'que dá 'dicas’. Pobres de nós”.

Porque, segundo Bergson, “não existe cómico fora do que é verdadeiramente humano", o país de lés-a-lés ficou a saber que houve cursos (e haverá, pelo andar da carruagem) para o professor “brincar às escolas” e rir a bom riso, até ficar com dores de barriga, sem qualquer motivo para tal, apenas contagiado pelos colegas do lado. Mas não será mais do que altura de parar com a reinação, reflectir sobre o papel de certo sindicalismo docente, chamar a atenção de quem promove ou consente este tipo de cursos destinados à (de)formação de professores e, com a consciência aliviada, verter lágrimas copiosas por um ensino, por vezes, degradado até às fronteiras da indignidade?

Ou seja, não basta lamentar este statu quo. Há que pôr cobro ao calvário de crianças e adolescentes das nossas escolas, vítimas indirectas e inocentes de um circo verdadeiramente funambulesco. Mas o pior de tudo isto é que tudo o que acontece neste país, seja no campo da educação, da saúde, da economia, da política e dos próprios costumes, é natural e tem explicação. Até o que não é nada natural!

22 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro Dr. Rui Baptista: dada a insistência com que usa e abusa da expressão latina "statu quo", permita que lhe chame a atenção para a falta de concordância dos respectivos termos, deixando à sua ponderação a correcção que se impõe, pois a tanto não me atrevo. Cordialmente. JCN

José Batista da Ascenção disse...

Eis uma ilustração do tipo de acções de formação que as estruturas do Ministério da Educação aprovaram para que se aplicassem aos professores. Coisas como estas não quiseram eles avaliar. Ou avaliaram com o mesmo rigor com que quiseram avaliar os professores, fim para o qual montaram um sistema monstruoso, cujos resultados não se atrevem a despejar no caixote do lixo.
Lá pelos países onde se ensina não haverá um sitema simples, passível de aplicar entre nós, capaz de evitar que os incompetentes acedam à docência e que distinga os que o merecem?

Rui Baptista disse...

Prezado JCN:

Talvez que a insistência com que uso e abuso a expressão latina “statu quo” - a insistência do uso por si só não será um abuso (uso excessivo)? -, como critica, se fique a dever a um simples tique ou ao facto de ter tido Latim durante os meus sete anos de liceu ou, ainda, por ser mais simples esta expressão latina, por menos extensa, do que escrever “esta situação inalterada” ou “o estado (antes) existente”.

Mas eu fiquei na dúvida ( o que é louvável) e resolvi consultar a "Wikipédia" (fonte que eu pouco uso – por jarretice? – por me dizerem não ser havida como fonte segura. E que li eu? Li o seguinte:

“É discutida entre os entendidos e, sobretudo, varia de país para país a adopção preferencial das fórmulas reduzidas 'statu quo' e 'status quo'. A dúvida é sobre se se deve continuar a usar o ablativo, que ocorria na frase original, ou se se deve optar pelo nominativo, que é regra nos empréstimos do latim. A fórmula reduzida não inclui a preposição "in", que em latim exigia o ablativo; além disso, é usada em qualquer função sintáctica (p.ex., como sujeito), e não só como complemento circunstancial. A forma statu quo é a mais frequente em Portugal, França, Espanha e Itália, com apoio da grande maioria dos dicionaristas. Status quo é a versão usada em Inglaterra e nos outros nos países anglófonos, na Alemanha, Holanda, Rússia, Polônia, Hungria, Suécia, Turquia, etc”.

Mas não me contentei com esta única fonte. Consultei um alfarrábio, (cujo último volume, volume XL, foi impresso no ano 6O) que jaz há muitos anos nas minhas estantes: “Statu quo, s,m,Loc.lat. (por in statu quo ante, correntemente empregada com a sua significação literal de ‘no mesmo estado que antes; situação inalterada, estado permanente, sem mudança de momento’:’ o armistício, afinal, consagrou apenas o statu quo na colónia” (“Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira”, Editorial Enciclopédia, Limitada, volume XXX, p. 87).

Buscando em fonte mais actualizada avancei 19
anos e fui, outra vez às minhas prateleiras ver o que dizia “O Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse”, Léxico Comum, Selecções "Reader’s Digest" (1979) p. 932: “Statu quo (por: "in statu quo ante") no estado em que estavam as coisas anteriormente”.

Mas querendo estar ainda mais actualizado, regressei às minhas estantes para consultar o “Dicionário Houaiss”, Temas & Debates (2003), tomo XVII, p. 7488: “Statu quo ante" ou "statu quo" -o estado existente antes”.

De posse destes elementos, há que ver se a bota bate com a perdigota substituindo esta expressão latina pela sua tradução para português. Assim, reproduzo “verbo pro verbo” a frase do meu “post”: “Ou seja, não basta lamentar este statu quo”. Faço agora a substituição de "statu quo" pela sua tradução para português: “Não basta lamentar esta situação inalterada”.

Como não sou latinista, faço uma retirada estratégica para deixar o campo aberto à artilharia pesada dos latinistas aceitando o seu veredicto.

Tenho como lema na vida a constatação de Emerson: “Todo o homem que encontro me é superior em alguma coisa. E, nesse particular, aprendo com ele”. E mais aprendo com humildade se se tratar de especialistas em Latim.

Cumprimentos cordiais.

Anónimo disse...

Pior que o galhofeiro riso queirosiano... não será, por vezes, o seu anémico sorriso?!... JCN

Anónimo disse...

Que trapalhada, meu caro Dr. Rui Baptista, que trapalhada! Olhe que o "statu quo" e o "status quo" coexistem, mas em construções sintácticas distintas. E no seu caso, ou seja, na frase em que a inseriu, como em outras anteriormente o fez, a aforma adequada seria o "status quo". Inquestionavelmente!
E, já agora, permita que lhe chame a atenção para o facto de, na expressão "statu quo ante", estarmos em presença, quanto ao "ante", não de um advérbio, mas de uma preposição! Reconstituo: "in statu quo res erant ante bellum". Tudo tão simples!
Relativamente à tradução que faz, "não vou por aí", razão por que, não sendo consensual ou expedita, se tem optado pela versão latina, com a vantagem... de ser breve. Usar mas não abusar - recomendaria Cícero. Muito cordialmente. JCN

Fartinho da Silva disse...

Caro Rui Baptista,

As "formações" que o Ministério obriga os professores a frequentar são habitualmente sobre temáticas desse tipo.
E quando o não são, tipicamente, aparecem "formadores" da área x a "ensinar" a área y a docentes com mestrados e doutoramentos na área y. Pode imaginar o embaraço dos formandos e o completo desperdício de tempo para estas pessoas...

Desde há longos anos que apelido o Ministério da "Educação" de Ministério soviético. E julgo não estar enganado.

Rui Baptista disse...

Meu Caro JCN:

Sem me ater unicamente às expressões “statu quo” e “status quo, ” cá estou eu de novo para aprender com a humildade inicial de que dei conta no meu 1.º comentário.

Ou seja, de certo modo, quiçá em preciosismo exagerado, gostaria de ser esclarecido quanto à questão com que abre o seu primeiro comentário: “(…) dada a insistência com que usa e abusa da expressão latina ‘statu quo’(…). Como perguntei na altura, não estaremos perante uma redundância desnecessária porque, volto a repetir, “a insistência do uso por si só não será um abuso (uso excessivo)?

Mas regressemos ao “famigerado” (para mim) “statu quo” sem “s” final. No meu constante vaivém às prateleiras fui buscar e folheei o livro de Edite Estrela, Maria Almira Soares e Maria José Leitão (“Saber Escrever, Saber Falar” , Publicações D. Quixote) detendo-me na página 219 em que li: “’Statu quo’ (sem “s” final na 1.ª palavra): situação existente”.

Ou seja, de tudo isto não poderei ter como correcta a explicação para este imbróglio dada pela consulta à Wikipédia (já referenciada no meu 1.º comentário): “ A forma ‘statu quo’ é a mais frequente em Portugal, França, Espanha e Itália, com apoio da grande maioria dos dicionaristas. Status quo é a versão usada em Inglaterra e nos outros nos países anglófonos, na Alemanha, Holanda, Rússia, Polônia, Hungria, Suécia, Turquia, etc”.” Se“em Roma sê romano”, porque carga de água em Portugal deverei ser inglês, alemão ou até turco?

Com uma pitada de arrogância socorro-me de Eça de Queiroz no que tange à polémica: “Estabeleçam-se forças lisas e desatravanque-se a arena. Não se admitem cá tiaras que resguardem as frontes, nem degraus a que não seja lícito subir, nem púrpuras roçagantes em que seja fácil tropeçar”.

Embora sem ousar pôr em dúvida o seu vasto conhecimento do Latim, meu caro JCN, não me leve a mal que exponha o meu desejo da participação de quem sabe da poda bem mais do que eu para que eu possa colher mais ensinamentos sobre a utilização correcta da expressão “statu quo”. E esta troca de impressões se torne mais alargada e mais viva para meu maior proveito e dos possíveis leitores numa altura em que o ensino do Latim se vai tornando cada vez mais raro.

Com toda a cordialidade. Rui Baptista

Rui Baptista disse...

Errata: Na antepenúltima linha do 4.º parágrafo do meu comentário a JCN, rectifico "porque" para "por que".

Anónimo disse...

Meu caro Dr. Rui Baptista: Creio ter sido claro acerca da coexistência das expressões "statu quo" e "status quo" em distintas inserções sintácticas, tanto em português como no latim, cabendo ao seu utilizador saber diferençá-las. Nada mais simples!
Não se deixe levar por "cantigas de arroz pardo", como diria Aquilino na sua gíria beiroa! Por muito peso que tenham as suas fontes, "não vou por aí", pois tenho os meus padrões por excelentes conselheiros, alguns dos quais de nascente própria. A eles me atenho... sem arrogante humildade, que aliás não cultivo, muito a pesar meu. Feitios!
E olhe que não é questão de seguir modas anglófonas ou hispanófonas; é questão de ter em atenção as realidades linguísticas da luso-latinidade, em cujo estudo tenho queimado as pestanas. Nestas circunstâncias, ou seja, "statibus quibus", fico-me pelo seu favorito "statu quo", deixando o "status quo" para outras funções de índole gramatical mais relevantes na proposição, como sejam o sujeito e o complemento directo, caso em que o "status"até poderia tomar a forma do acusativo: "statum quo". Que pena o latim estar na mó de baixo nos programas escolares! É tão sedutor!
Muito cordialmente e com sincera admiração pela sua exuberência e fluência literárias, até uma proxima troca de galhardentes em matérias do nosso comum agrado.

Rui Baptista disse...

Meu Caro Josá Batista da Ascenção:

Quando veio para a opinião pública a prova de acesso à docência, vivia-se o tempo, que se perpetua em nossos dias, de alunos diplomados pelas escolas superiores de educação passarem à frente dos alunos saídos das faculdades nos concursos para professores do 2.º ciclo do ensino básico, através, apenas, da classificação do respectivo diploma escolar. Desta forma, um escasso valor superiorizava-se (e superioriza-se) à maior complexidade de currículos, duração de anos de estudos e maior classificação de acesso trazida do ensino do 12.º ano do ensino secundário por parte dos docentes oriundos do ensino universitário.

Logo a Fenprof, em defesa da sua clientela, saltou para o redondel das reivindicações com um comunicado (31/10/2009) a exigir “a extinção da espúria prova de ingresso na profissão docente e respeito pelas qualificações dos docentes e pela autonomia das escolas na verificação das condições para o exercício da profissão”.

Ora o que me parece verdadeiramente criminoso é o facto de haver alunos que entram no ensino secundário sem saberem interpretar um texto, escreverem sem erros e fugirem da matemática como o diabo da cruz por falta de bases.

E isto para não falar nos saltos de canguru pela passagem de alunos do 8.º ano do básico para o 10.º ano do secundário. Mas isto são contos largos a merecerem um texto por si só e...bem detalhado.

Tudo isto acontece em nome de um nacional porreirismo tão porreiro, passe o plebeísmo, que pretende dar o diploma do 12.º ano a todos os portugueses como quem oferece balões furados. Aliás, a palavra “porreiro” fez história na política portuguesa: “Porreiro, pá!”

Cumprimentos amigos,
Rui Baptista.

Rui Baptista disse...

Meu Caro JCN:

Com a maior sinceridade, agradeço-lhe a longa e erudita exposição que fez sobre o Latim – especificamente sobre a forma correcta da utilização da expressão latina “statu quo” – uma língua morta que ressuscita no auxílio que dá ao estudo das raízes da árvore do português e, assim, a ter uma linguagem escrita menos mecanizada, a exemplo do músico habilidosos que toca piano de ouvido.

Mas mesmo nas coisas mais valiosas há sempre um senão que o meu Latim liceal, neste caso particular, não consegue abarcar. Somando a enciclopédia por mim consultada, os dicionários por mim vasculhados e o prontuário de Edite Estrela por mim lido, fiquei um tanto baralhado, como o terão ficado , julgo eu, uns tantos leitores que no íntimo dirão que tudo isto não passa de latinório meu. Assim, em varridela da minha testada, gostaria de ser elucidado se a aplicação que fiz no meu “post” da malfadada expressão “statu quo ” (pela falta do “s” final em “statu”, julgo ser este o cerne da questão) , está errada, está assim-assim ou se será, mesmo, um erro de bradar aos céus fazendo Cícero dar voltas na tumba.

Consequentemente, encurtando razões, a pergunta que lhe faço é a seguinte: não será possível fazer uma síntese de tudo isto para eu ficar de posse daquilo que pode haver de verdade ou não nas linhas dos catrapázios que consultei? E caso seja um acervo de disparates apagá-los da minha memória sem rasgar as folhas de consulta já que os livros são demasiado caros e valiosos para serem lançados no descrédito da fogueira por algumas linhas de ignorância.

Com toda a cordialidade

Rui Baptista disse...

Meu Caro Fartinho da Silva:

Por estarmos ambos geralmente do mesmo lado da barricada, contra os dislates que dia-a-dia se vão acumulando e saindo para fora dos gabinetes da 5 de Outubro, saúdo sempre com gosto os seus acutilantes comentários.

Comentários a que tento responder servindo-me, no caso presente, de relatos que não deixam lugar a dúvidas que certas acções ditas de formação de professores (que deveriam servir para actualizar conhecimentos) são uma verdadeira reinação de um monarca da ignorância num regime republicano.

Prova evidente disso, o artigo de Nuno Pacheco, “Brincar às escolas”, com formadores de uma ciência infusa mancamunada com organismos sindicais que disso retiram dividendos de vária ordem, pondo formadores a “ensinar” ignorantes pessoas que o não são e que essas acções pretendem que passem como tal. Mas o mal, parece-me não estar tanto em quem lança o barro à parede mas mais de quem lhes fornece o barro e a parede com o aval estatal.

Escreve o meu Caro Fartinho da Silva que, de há longos anos, apelida o Ministério da “Educação” de Ministério soviético. De há muito, em textos escritos, não sei se há mais ou menos tempo, lhe chamo eu Ministério da (des)Educação. Mas este ministério pouco se deve incomodar com isso: já lhe devem ter chamado nomes bem mais antipáticos!

Com toda a cordialidade.

Rui Baptista disse...

Errata: Na penúltima e última linhas do meu comentário (5 de Jumho; 17:49), substituo a frase "a exemplo do músico habilidosos que toca piano de ouvido" por estoutra: em contraponto com o músico habilidoso que toca piano de ouvido.

Anónimo disse...

Meu caro Dr. Rui Baptista:
Reduzo a três casos exemplificativos a aplicação das normas que enunciei, tendo em conta as regras que presidem à construção sintáctica tanto em latim como em português, que em certo modo não deixa de ser latim:

1) não basta lamentar este "statum quo"

2) este presente "status quo" é simplesmente intolerável

3) Com o vigente "statu quo" não nos governamos.

Querendo uniformizar e optar por un só caso, impõe-se o uso do nominativo, evidentemente, nada justificando a utilização genérica do ablativo, que me parece aberrante, como aberrante é pronunciar "qúo", como frequentemente ocorre na televisão, dado que se trata de um monossílabo. Portanto e na dúvida: "status", oxoniense escrevendo.

Quanto a "Cícero dar voltas na tumba", disso estamos livres, pois o vaidoso "imperator", como gostava que lhe chamassem, foi cremado segundo o ritual em voga no mundo romano, à excepção dos aristocráticos Cornélios, que mantiveram a tradicional inumação em sumptuosas sepulturas ao longo da via Ápia. O único Cornélio que se fez incinerar foi Sila ou Sula, com receio que lhe profanassem o cadáver, como ele fez a Mário, desenterrando-o e atirando-o às águas do Arno.
E chega de latinidades, meu caro Dr. Rui Baptista, que me deu a grata oportunidade de desenferrujar a língua. Obrigadíssimo! Em tratando-se de romanos e quejandos, sou como D. Quixote com as cavalarias. JCN

Rui Baptista disse...

Prezado JCN:
Fugindo à tentação de serrar serradura, apenas dois assuntos me trazem novamente à sua presença: 1. clarificar algumas frases por mim utilizadas; 2. Pedir um esclarecimento.

Isto, também, pelo facto destas latinidades (como escreveu) me terem dado a oportunidade de exercitar as falangetas dos dedos das mãos para uma mais rápida e eficiente escrita nos computadores. Utilidade inegável, sem dúvida!

Apesar de Cícero ter sido incinerado (facto que humildemente confesso que desconhecia, embora soubesse a forma desumana como foi assassinado ), a expressão “dar voltas na tumba” foi por mim utilizada no sentido figurado de, por vezes, atribuírem a personagens ilustres depois de mortas coisas que nem sequer lhes passaram pela cabeça em vida ou que mesmo abominavam quando o coração lhes batia no peito. Neste caso, tanto fazia ter sido Cícero incinerado, enterrado em cova funda ou depositado em jazigo com pompas fúnebres. Nada mais do que isto.
Já agora, como escreveu, ainda, “o vaidoso ‘imperator’, como gostava que o chamassem “(…).Era uma vaidade justificada por uma expedição contra os partos lhe ter valido o título de “imperator”. Não se tratava de um abuso.
“Hoc opus, hic labor est”, como diz o povo aprender até morrer, finalmente, pedia vénia para lhe perguntar se quando escreveu “Cornélios” (sic,) se tratou de uma gralha ou será assim que deverei escrever Cornelius no futuro para não ser tido como assassino de uma língua morta, passe o paradoxo. Bem me basta a confusão gerada pelo “statu quo”!

Foi um prazer para mim esta proveitosa troca de opiniões entre um especialista do Latim e a minha simples curiosidade por uma cultura linguística e histórica que remonta aos tempos da Roma Antiga. Sinceramente.

(CONTINUA)

Rui Baptista disse...

Caro JCN:

(CONTINUAÇÃO)

Não seria sincero se não disssesse que a dúvida sobre o “statu quo” se agudizou com uma consulta, acabada de fazer, ao “Ciberdúvidas da Língua Portuguesa”, que transcrevo, com a devida vénia, em aditamento a outras consultas anteriormente por mim feitas em outras fontes, sem qualquer comentário:

“O "statu quo" ou o "status quo"?

[Pergunta] «Status quo» é preferível a «statu quo», de acordo com o dicionário Aurélio e ao contrário do que indicam no vosso glossário. Não lhes parece estranho?
Bruno Trindade :: :: Lisboa, Portugal

[Resposta] Só não é estranho porque «errare humanum est», mesmo em humanos com a craveira de Aurélio Buarque de Hollanda. Ou, dito de outro modo: por estas e por outras é que a língua portuguesa (e a "mater") é tão traiçoeira.

Basta confrontar qualquer outro dicionário (Porto Editora, Lello Universal) ou especialistas como Vasco Botelho de Amaral (Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas da Língua Portuguesa) ou José Pedro Machado (Estrangeirismos na Língua Portuguesa, Editorial Notícias). Todos eles confirmam o que vem no nosso Glossário de 300 erros mais comuns: «statu quo» (o estado em que as coisas se encontram). Subentende-se de outra locução latina ainda mais precisa: «statu quo ante», o estado em que as coisas se encontravam; sem alterações, como se lhe refere o Dicionário Enciclopédico Alfa. Como a expressão original (do ablativo) se substantivou na linguagem corrente, passou de «estado anterior» para a «situação presente»: «Os vencedores mantiveram o statu quo na parte monetária».

Esta cristalização na sua forma ablativa substantivou assim qualquer função sintáctica da expressão original latina: «Não se alterou o statu quo»; «a directiva manteve o statu quo»; «o statu quo deve ser mantido.»

O dr. José Neves Henriques, a quem recorri para fundamentar melhor esta resposta, tem uma explicação para a confusão entre o «statu quo» e o «status quo». Diz ele que tudo vem da intromissão, no nosso idioma, da forma inglesa "status quo":
«No Inglês, existe status como forma comum (plural: status), de várias acepções, e pode aparecer em conjunção com outras palavras: "The strategic status quo in North Sea - continuation of the status quo."».

A verdade é que tanto os italianos como os espanhóis registam também nos seus dicionários statu quo já substantivado”.

Os melhorescumprimentos.
Rui Baptista

Anónimo disse...

Caro Dr. Ruy Baptista:

Deixando para segundas núpcias o controverso caso do "status" ou "statu", passo de imediato a esclarecê-lo acerca da justeza da minha referênncia à vaidade ciceroniana e ao uso do termo "Cornélios", que parece o ter deixado embaraçado quanto à forma a usar futuramente.

1) Vejo que está informado de que, no tempo da República, já era usual atribuir-se o título de "imperatores" aos magistrados superiores que, em batalha, obtivessem sucessos significativos, competindo ao Senado averiguar da sua legitimadade. Foi o caso de Cícero que, a muito custo, conseguiu que lho atribuissem por banal escaramuça. Só que essa designação apenas era válida enquanto durasse a respectiva magistratura, que em caso algum podia ir além de um ano. Terminada esta, ia-se o título à viola. O caso é que os amigos, conhecendo-lhe o pendor, continuavam a dar-lhe esse tratamento com a sua tácita aquiescência, conforme se constata de alguma correspondência que até nós chegou, designadamente o abastado Ático, já depois de o orador há muito ter deposto o cargo. Quem não gosta de incenso?

2) Que mossa que lhe faz o termo "Cornélios" dito à portuguesa para abranger todos os familiares da "gens Cornelia", como é o caso de Cornelius Sula, da mesma forma que todos os aparentados com Augusto, um Julius, são apelidados genericamente de Júlios? Quer mais exemplos?... Aí tem os Flávios, os Úlpios, os Emílios, os Semprónios, quais deles mais ou menos ilustres e politicamente conceituados. Portanto, quanto à forma de futuramente se lhes referir, tudo depende do idioma que o meu caro Amigo querer utilizar, o português, como eu fiz, ou o vivíssimo latim, em uso entre humanistas; desculpe, "imperatores". JCN

Rui Baptista disse...

Meu Caro JCN:

Sinceramente, muito grato pela lição que aqui acolhi sobre a história da Antiga Roma e que muito útil será para os leitores numa época em que o Latim tem o desprezo oficial , embora com o lenitivo da companhia honrosa de muitas outras disciplinas das Humanidades.

Aliás, disso mesmo nos adverte amargamente Georges Gusdorf: "O fascínio tecnicista e cientista é um sinal dos tempos, cujas repercussões se fazem sentir na organização, ou antes, na desorganização do sistema de ensino, a todos os níveis" ("Da História das Ciências à História do Pensamento" (1968),Pensamento - Editores Livreiros, Ld,ª, p. 9).

Regressando a Cícero e querendo contribuir com uma pequena quota-parte da minha discordância contra este estado de coisas, de quando em vez , dou comigo a transcrever citações latinas para manter na memória os meus saudosos tempos liceais das declinações latinas e quejandos: “O tempora! O mores!”

Mas que tempos são estes em que vivemos e em que não herdámos do passado os bons costumes de um ensino sério e exigente?

Com respeitosa cordialidade.
Rui Baptista

Anónimo disse...

Meu caro Dr. Ruy Baptista:

Confrange-me o malabarismo mental dos defensores do "statu" (ablativo), tudo fazendo para, torcendo o pescoço ao clarividente bom senso, quererem justificar o injustificável, não sei com que prpósito ou vantagem, a não ser por impulso de uma certa embirração... que me transcende. Olhe que até, do ponto de vista auditivo, a locução soa mal: o "statu quo" arrepia-me os nervos! Ponha-se no caso de um romano de gema. Garanto-lhe que no Senado era mandado calar.
Sabe? na base de toda esta embrulhadaposerá estar a deficiente tradução das duas locuções referidas no seu comentário e que me permito reproduzir:

1) "statu quo" (o estado em que as coisas se encontram)

2) "statu quo ante" (o estado em que as coisas se encontravam)

Meu caro Amigo: troque, em ambos os casos, "o estado" por "no estado" e tudo bate certo. De resto, por que havemos de preferir o ablativo (circunstancial) ao nominativo (sujeito)? JCN

P.S. - Foi-me particularmente grato ler a citação de Gusdorf, o conceituado filósofo-humanista da Univ. de Estrasburgo que pessoalmente tive o ensejo de conhecer na Univ. Lusíada de Lisboa, em cujo Depart de História proferiu, a convite meu, uma interantíssima palestra sobre o sentido da viagem, um dos seus temas preferidos. Simplesmente... inesquecível!
JCN

Rui Baptista disse...

Meu Caro Professor:

Não acha estranho tanta embirração em tanta gente conhecedora do Latim?

Estarão todos mancamunados numa espécie de teoria da conspiração para impor a amputação de um "s" final numa palavra tida como gangrenosa embora possa estar de plena saúde? Repito, não acha estranho? Vai-me perdoar, mas eu acho estranhíssimo...

A partir de agora ponho ponto final neste estado de coisas. Mas talvez haja alguém que tenha o "soberaníssimo bom senso" (Antero)de não considerar esta troca de impressões como uma questão de "lana caprina" e resolva trazer nova argumentação para uma "polémica" que a nossa intransigência fez cair num impasse.Intransigência, a sua pessoal justificada por pergaminhos académicos, a minha pela investigação em inúmeras fontes consultadas sancionadas por especialistas de mérito.

Como concordará, seria uma pena que o assunto morresse por aqui, ou caísse no vício perigoso de uma discussão sobre o sexo dos anjos, deixando pairar nos leitores a dúvida sobre o lado para que pende a razão sobre um "s" a menos ou a mais. Valeu, meu caro JCN?

Anónimo disse...

Meu caro Dr. Ruy Baptista:
Não é questão de um "s" a mais ou a menos numa palavra: é uma questáo estrutural da boa compreensão de um idioma tão rigorososamente lógico como é o latim e, por tabela, igualmente o português. Venha quem conteste! Como diria Álvaro Vaz de Almada, três de cada vez, de entre os melhores.
E, para terminar, vem-me à ideia aquele aforismo de Vergílio Ferreira: "Em terra de cegos, quem tem um olho... é deficiente". Correrei esse risco? JCN

Anónimo disse...

Numa terra em que a cegueira
é comum a toda a gente,
se alguém de ver tem maneira
é porque é... deficiente!

JCN

Sociedade Civil

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