domingo, 19 de abril de 2009

A recepção da relatividade em Portugal


Novo post do historiador António Mota de Aguiar (na imagem, o filósofo Leonardo Coimbra):

Quando se inicia a década de 20 do século passado há, em Portugal, um crescente interesse pelos estudos da teoria da relatividade. Os interessados por esta jovem ciência sucedem-se, representando um número significativo de cientistas, de áreas tão variáveis, como a Física, a Matemática, a Biologia, a Química, as Letras, etc. Todos trazendo para a ribalta contribuições variáveis, consoante o peso das suas formações científicas. Destacamos alguns dos principais estudiosos da relatividade:

- Leonardo Coimbra, filósofo antipositivista, que iniciou a sua carreira universitária em 1912, e que foi o introdutor da relatividade entre nós.
- Pedro José da Cunha, professor de Cálculo e Análise Infinitesimais na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
- Augusto Ramos da Costa, catedrático de Astronomia, entusiasta da relatividade, e autor de um trabalho que, tudo indica, foi na altura censurado: “L’enseignement des mathematiques doit être orienté pour l’étude de la Relativité”.
- Melo e Simas, funcionário do Observatório da Ajuda, que observou várias ocultações de estrelas conducentes à confirmação de alguns resultados da relatividade geral.
- António Santos Lucas, professor de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que leccionou um curso em 1922-23, por ele criado, sobre a relatividade restrita e a relatividade geral.

Mais para a frente, surgem-no:
- Aureliano Mira Fernandes, matemático que investigou a relatividade geral.
- Manuel dos Reis, director em 1934 do Observatório Astronómico de Coimbra e autor do trabalho assaz didáctico ”O Problema da Gravitação Universal”.

Outros nomes há, talvez menos conhecidos, mas que contribuíram igualmente para a divulgação das teorias relativistas: Victor Hugo de Lemos, Mário Mora, António da Silveira, Egas Pinto Basto, Cyrillo Soares, e António Gião, este último o meteorologista e engenheiro geofísico que foi o único português a corresponder-se com Einstein.

Em 1929, com a chegada dos primeiros bolseiros portugueses com conhecimentos científicos adquiridos no estrangeiro, havia em Portugal uma certa animação cultural: no jornal O Diabo (1934-1940), de cariz artístico-literário, mas também aberto à ciência, escreviam, por essa altura: Abel Salazar, Rui Luís Gomes, Manuel Valadares, Aurélio Quintanilha, Bento de Jesus Caraça, e outros nomes conhecidos da ciência portuguesa.

Acontece que, se retirarmos os relativistas que acabamos de referir, pouco fica para a ciência astronómica. No fundo ficam os dois observatórios astronómicos existentes, o de Lisboa e o de Coimbra: Lisboa, com Frederico Oom à frente até 1930, e Coimbra, com Francisco Costa Lobo à frente até 1934. No cômputo geral, o trabalho destes dois observatórios foi muito diminuto. O de Lisboa, não tinha pessoal nem instrumentos suficientes, o de Coimbra idem: tinha, em 1933, “além do director, um observador-chefe, um segundo ajudante de observador e um maquinista conservador dos instrumentos. Este quadro irrisório…”. [1]

Neste período da história da nossa Astronomia, também viveram acérrimos anti-relativistas, como o professor catedrático de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, José de Almeida Lima, defensor do éter e abalado com o seu desaparecimento.,Francisco Miranda da Costa Lobo, professor catedrático da Universidade de Coimbra, autor de uma pseudo-ciência, denominada teoria radiante, e Gago Coutinho, o famoso navegador aéreo que simplesmente não aceitava a teoria da relatividade.

Porém, paralelamente à actividade científica e cultural, corriam também os acontecimentos políticos: “Em meados da década de trinta a bandeira relativista é uma das bandeiras culturais içadas no baluarte daqueles que, em nome do progresso, se opõem ao status quo implantado em Portugal pela Constituição de 1933”. [2]

A década de 30, começou, de facto, com uma certa animação cultural devido a vários factores, entre os quais o mais relevante o envio para o estrangeiro, pela Junta de Educação Nacional, de bolseiros, a fim de trazerem para Portugal mais-valias científicas. A partir de 1930 havia em Portugal vários cientistas capazes de levar para a frente o projecto de desenvolver entre nós a Física, disciplina essencial, sobretudo nessa altura, para muitas outras ciências. Por exemplo, a criação de um Instituto do Rádio em Coimbra esteve nos planos de Mário Silva, que tinha sido discípulo de Madame Curie.

A Astronomia poderia ter avançado nesse tempo se tivesse florescido entre nós o estudo da Física Moderna, incluindo a relatividade. Mas o Estado Novo, ao perseguir politicamente muitos professores, bloqueou o conhecimento e o ensino da relatividade. Em meados da década de 30 começaram as perseguições políticas: purgas, exílios, prisões de professores universitários de várias áreas do saber, e o país, em vez de ter dado o salto científico-cultural de que tanto necessitava, entrou no túnel da mediocridade cultural por algumas dezenas de anos. Assim, quando chegamos a 1950, o contraste entre a astronomia internacional e a astronomia portuguesa era colossal. Os estudos de astronomia estavam imensamente atrasados e nada apontava nesse momento para uma melhoria nesse sector da ciência.

António Mota de Aguiar

NOTAS:
[1] José António Madeira, Separata da Revista de Ciências da Universidade de Coimbra, vol. VII-nº1, p. 7
[2] A. José dos Santos Fitas, in “Einstein Entre Nós”, Coordenação de Carlos Fiolhais, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2005, p. 16.

2 comentários:

FJM disse...

Devo agradecer-lhe por nos trazer um post tão agradável e erudito. Há muito tempo que não lia na blogosfera um post que me fizesse reflectir tanto na perspectiva da História e Filosofia das Ciências, uma componente tão vilipendiada pelos autores dos programas de Ciências.
Mas porque raio se esqueçem da perspectiva histórica se é importantíssima? Por exemplo Jay Gould usa esses enquadramentos regularmente,(pergunto-me) porque não encetar uma "política científica" mais de acordo com a história das ideias e evolução destas? Mas depois há o perigo de certos professores (ou educadores?) não encararem a história como uma série curiosa de contigências e forjarem o mito da inevitabilidade (e o pior é que nem têm inspiração marxista...nem sabem o que isso é sequer) . Isto é um raciocínio falacioso da estirpe "generalização precipitada" ou mesmo a nossa famosa falácia "do espantalho" que é sobejamente utilizada nos programas de ciências em Portugal.

Costa Pinto disse...

Gago Coutinho, o famoso navegador aéreo que simplesmente não aceitava a teoria da relatividade

Não é bem assim
Cumprimentos

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