Sistemas de ensino como o nosso estão virados para a aquisição de competências (seja lá isso o que for…) apuradas no e para o quotidiano, a vida dos alunos, focadas no “saber-ser” e “saber-fazer”, como forma de preparação para a “vida activa”, para a prática, para a aplicação, para a integração social e profissional…
Sistemas educativos como o nosso afastam dos curricula os conhecimentos que se suspeita não poderem ser “mobilizados”, de imediato, para a “resolução de problemas, concretos, reais”, com o argumento de que os alunos, por não lhe verem qualquer serventia, se desmotivam …
Sistemas educativos como o nosso proclamam que todos os conhecimentos são relativos e se equivalem: aqueles que se consideram eruditos e universais não passam de escolhas, mais ou menos aleatórias, de elites estabelecidas, que as transmitem aos seus descendentes com o intento de manterem um estatuto privilegiado. A estratégia igualitária só pode ser a reacção “crítica” e “emancipatória” que legitima a substituição desses conhecimentos por outros que emergem nos mais variados contextos culturais, étnicos... e que têm sentido nesses mesmos contextos.
Assim sendo, sistemas educativos como o nosso põem em risco o saber que a civilização tem conseguido construir e que, afinal, lhe dá identidade. Praticamente todas as disciplinas que constituem esse saber, sejam elas de carácter científico ou humanístico, se vêem ameaçadas de morte, restando-lhe lutar, em sentido contrário ao das orientações oficiais, pela sobrevivência dos seus fundamentos e essência, como forma de as fazer chegar ao futuro.
De entre essas disciplinas, as Clássicas são talvez as que mais se têm ressentido. Nesta lógica que conforma a escolaridade, marcada pelo utilitarismo e pela “amnésia planificada”, como lhe chama George Steiner, que temos deixado instalar, elas não “servem” rigorosamente para nada. Se não, vejamos: pertencem ao passado, estão, portanto afastadas dos interesses actuais da esmagadora maioria dos alunos e não se vê como os poderão ajudar a arranjarem um emprego que lhe garanta a “autonomia económica”.
Interditar as Clássicas seria, no entanto, excessivo. (Ainda) há vozes capazes de se manifestarem, vozes que, apesar de tudo, causam algum embaraço. Assim, a solução encontrada é, como refere ironicamente Margarida Lopes Miranda, a atribuição de uma espécie de “reserva ecológica”, onde essas vozes se acomodem.
Contudo, vejo os nossos classistas, parafraseando o físico-matemático Alan Sokal, “transgredirem as fronteiras” de tais reservas. Nas escolas e nas universidades vejo professores ensinarem com entusiasmo e vejo alunos envolvidos na aprendizagem, vejo investigadores de todas as idades a traduzirem textos de grandes autores, alguns deles originais, para a nossa língua, em edições académicas e de divulgação.
Vejo-os a criar colecções em papel e on-line, cuidando que a linguagem não seja uma barreira, mesmo entre os menos cultos; vejo-os a adaptarem peças de teatro de modo que as pessoas comuns as entendam e a representarem-nas por aí, onde essas pessoas estão; vejo-os a estudarem aprofundadamente aspectos particulares da vida na Antiguidade, da maneira de pensar, sentir e agir de personagens que, distantes de nós no tempo, poderiam ser nós próprios; vejo-os a participarem em debates, tertúlias para darem a conhecer os seus autores e obras mais amadas…
Apesar de muitos ventos soprarem a desfavor, as Clássicas renascem.
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1 comentário:
Concordo plenamente com a tese defendida, embora não seja tão optimista quanto à fauna relatada e às suas competências. Mas o optimismo militante é sempre necessário, desde que articulado com um pessimismo metódico; caso contrário, podemos ser vítimas de ilusões... :)
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