segunda-feira, 6 de abril de 2009

Apontamentos para a história da astronomia portuguesa: sobre o astrónomo Costa Lobo


Continuando a polémica sobre a figura do astrónomo Francisco da Costa Lobo, recebemos este post de António Mota de Aguiar (na imagem um eclipse solar):

Para completar o último post sobre A Astronomia em Portugal durante o Estado Novo (anos 30 e 40), para além da resposta aos comentários que já dei, aponto três facetas da vida do astrónomo Francisco da Costa Lobo, que me parecem relevantes para compreender a sua personalidade e a acção política que o norteou.

Pode-se perguntar por que escrever tanto sobre Costa Lobo? Porque foi o principal astrónomo que representou a ciência oficial do Estado Novo. Costa Lobo tinha um meio privilegiado de comunicação à sua disposição para expor as suas ideias, as suas conferências e a sua propaganda, a revista O Instituto, órgão da associação dos lentes da Universidade de Coimbra (da qual foi presidente longos anos), que ele utilizou a fundo, tanto com artigos seus como pela selecção de artigos que publicou. Nesta revista, certamente a mais importante do seu tempo, nunca nenhum cientista relativista publicou um artigo [1].

Além disso, Costa Lobo dispôs de um observatório astronómico com um instrumento de primeira qualidade, o espectroheliógrafo, por ele adquirido em 1925, para analisar o espectro do Sol. Num dos seus escritos [2], refere que o Observatório não tinha meios financeiros para meter mais pessoal ao seu serviço. Pergunta-se, então: por que fez ele tantas viagens dispendiosas ao estrangeiro, se não existia um “staff” para aprofundar e continuar o seu trabalho? Analisemos, por exemplo, uma viagem que, embora realizada em 1914, mostra bem a personalidade de Costa Lobo ao malbaratar os dinheiros públicos:
“A 21 de Agosto de 1914 dava-se um eclipse total do Sol, visível na Rússia, sendo a Peninsula da Crimeia a região mais indicada para a sua observação. O Dr. Costa Lobo tinha o maior empenho em presenciar o fenómeno (...). A 25 de Julho seguiu para Paris a comissão, levando consigo as peças ópticas dos instrumentos. Nesta cidade obteriam o material fotográfico necessário, expressamente preparado para esse fim. (...) Chegam às 4 da manhã à gare de Friedrischstrasse e por toda a parte viram preparativos de guerra.” [3]
Nesse mesmo dia “a guerra estava decidida”. A Alemanha declarava guerra à Rússia a 1 de Agosto e, dois dias depois, declarava guerra à França.
“(...) Apesar de tudo, o Dr. Costa Lobo não desanima. Vai à Legação Portuguesa, onde estava como ministro o seu colega e amigo Dr. Sidónio Pais, saber com que poderia contar nas linhas alemãs. (...) Às 6 chega Sidónio Pais que fora obter informações seguras do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Impossível seguir para a Rússia, diz-lhe, e mesmo difícil sair de Berlim (...) Em vista das notícias que lhe deu Sidónio Pais, o Dr. Costa Lobo resolveu partir para a Suíça e aguardar lá os próximos acontecimentos.” [4]
Não podemos chamar científica a esta viagem. Querer ir à Crimeia ver um eclipse do Sol, atravessando os países beligerantes no dia em que é declarada a Primeira Guerra Mundial, era simplesmente uma teimosia dispendiosa. Costa Lobo era um homem político (é ele próprio que o diz: “porém eu, que tenho sido sempre político” [5]) e conhecia perfeitamente o drama que se estava a passar. Não fazia sentido fazer uma viagem destas, acompanhado de dois assistentes, pai e filho, o primeiro “ilustre capitão do nosso exército (…) e o seu filho, aspirante a oficial” [6] com pouca ou nenhuma relação com a astronomia, a uma tão distante parte do mundo. Diz-nos Costa Lobo:
“Infelizmente a lamentável guerra que tão repentinamente se desencadeou produzindo dolorosíssima surpreza, embora há tanto tempo fosse constantemente esperada (…)” [7]
Ainda antes de chegar a Berlim, em Paris, a 30 de Julho, depois do cepticismo do célebre astrónomo francês, director do Observatório Astronómico de Paris, Henri-Alexandre Deslandres (1853-1948), de Costa Lobo poder continuar a viagem, Costa Lobo lamenta-se: “Confiei em que a razão evitaria uma conflagração….” [8] O mundo inteiro sabia e falava do perigo eminente da guerra eclodir e o astrónomo português pretende, numa viagem de mais de duas semanas, chegar aos confins da Europa para observar um eclipse do Sol, no preciso dia em que eclode a Primeira Guerra Mundial!

Vejamos uma segunda faceta deste astrónomo. Em Junho de 1939, desta vez na véspera da Segunda Guerra Mundial, Costa Lobo faz uma palestra em Paris, na Société d’Economie Politique (fundada em 1866). Nesta conferência fala do imperialismo da Prússia e da sua “prépondérance sur les populations germaniques.” Se estas palavras tivessem sido preferidas 75 anos atrás, no tempo de Bismarck, teriam talvez algum sentido pois se enquadravam no momento histórico. Porém, estamos a poucos meses da Segunda Guerra Mundial, já que, no dia 1 de Setembro, a Alemanha nazi ocuparia a Polónia e, em Maio de 1940, ocuparia a França. Para um “homem político” é estranho que não haja nem uma palavra sobre o drama do dia seguinte.

É curioso o facto de Costa Lobo ter ido a França fazer um discurso desta natureza a poucos meses da ocupação da França pelos nazis. Em Junho de 1939, os crimes nazis já eram muitos e conhecidos, mas Costa Lobo, no seu discurso, não pronuncia uma palavra sobre uma tragédia que estava a acontecer.

Vejamos uma terceira faceta na vida deste astrónomo. Na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, encontrámos um fascículo de 1942, cujo preço era de cinco escudos, com um curso do “Prof. Alves Quintela" sobre Radiestesia, em 12 lições, com prefácio de uma página do “Ilustre cientista Dr. Costa Lobo”. (…) Este "curso” trata sobre “os processos de captar as vibrações, as ondas e as radiações, que todos os corpos e todos os seres emitem”, daí que “Lloyd George tenha usado uma forquilha na mão para…” (…) “Na China, há mais de 4.500 anos usava-se a vara mágica….” O Larousse define a radiestesia como: “Faculté ou art de percevoir des radiations émises par différents corps”. O mínimo que podemos dizer é que este “curso” não era para ser tomado a sério e admira ver um professor catedrático da Universidade de Coimbra emprestar o seu nome a uma ligeireza deste tipo. O que esta atitude demonstra é que Costa Lobo não tinha, nem temia ninguém a quem prestar contas.

Quando observamos o estado da Astronomia e da Física em 1950 em Portugal, verificamos que estas ciências tinham um enorme atraso e sem dúvida que Costa Lobo teve uma quota importante de responsabilidade nesta situação. Exerceu, como director do Observatório Astronómico de Coimbra, professor da Universidade de Coimbra, Presidente do Instituto de Coimbra e da revista com o mesmo nome, essencialmente cargos políticos, pois fez e desfez como lhe apeteceu, tendo velado com eficiência pelos interesses do Estado Novo.

A oposição que Costa Lobo ofereceu à entrada em Portugal da Teoria da Relatividade – que passou pela criação de uma teoria absurda alternativa - não é, pensamos nós, puramente académica. A Relatividade para lá do seu significado puramente científico, implicava, juntamente com outras áreas do saber e das artes do início do século XX, um sistema cultural e filosófico que enriqueceu e iluminou as reflexões dos grandes problemas, contribuindo para os movimentos culturais, sociais e políticos que se deram no mundo ao longo do século XX, assim como para os vertiginosos progressos tecnológicos que resultaram das descobertas científicas efectuadas. O Estado Novo não teve uma particular animosidade política contra a Relatividade, uma vez que a maioria dos seus governantes não saberia sequer o que esta teoria significava, mas Costa Lobo apercebeu-se decerto das alterações que estavam a ocorrer no mundo, receou que elas abalassem o seu modelo sociopolítico, e opôs-se a elas.

António Mota de Aguiar

NOTAS

[1] Em 1933 saiu um artigo de J. Perpétuo da Cruz sobre a “relatividade” da linguagem.
[2] Francisco da Costa Lobo, Separata da Universidade de Coimbra, vol. III, nº 2, ou discurso na Assembleia Geral da União Internacional Astronómica, Cambridge (USA), 1932
[3] Diogo Pacheco de Amorim, Elogios Históricos dos Doutores FM Costa Lobo e GS Costa Lobo, O Instituto (117), 1955, pp. 10 e 11
[4] Diogo Pacheco de Amorim, idem, p 11.
[5] Francisco da Costa Lobo, Novas teorias físicas, Sua correlação com os fenómenos biológicos e Sociais, p. 430-449, 1918
[6] Francisco da Costa Lobo, O Eclipse de 21 de Agosto de 1914, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1914, p.5
[7] Idem p. 4
[8] Idem p. 5

1 comentário:

Helder Coelho Dias disse...

Por um mero acaso descobri hoje este vosso blogue, no entanto achei um pouco "desprezível" quando neste artigo se referem à Radiestesia como "...uma ligeireza deste tipo", eu possui este mesmo fascículo, embora não seja como é óbvio o melhor exemplo no que se refere ao assunto em questão, mas esta muito bem escrito, sendo uma boa "nota" introdutória ao assunto, pois entretanto novas descobertas foram realizadas neste campo, nomeadamente as linhas de Curry e Hartmann etc. Por isso da próximo vez que comentarem algo sobre a Radiestesia tenham um pouco mais de consideração por assuntos que não conhecem.
!namaste!

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