sexta-feira, 10 de abril de 2009

O TABU DO NUCLEAR


Minha crónica no "Público" de hoje:

Quando foram reconhecidas pela primeira vez manifestações do núcleo atómico no final do século XIX e quando esse núcleo foi descoberto no início do século XX não se poderia imaginar que o nuclear viesse a ter um papel tão fundamental nas nossas vidas. Basta dar dois exemplos: nos hospitais, a medicina nuclear oferece eficazes formas de diagnóstico e tratamento e, nas redes eléctricas, as centrais nucleares fornecem uma parte relevante da electricidade que consumimos.

E, no entanto, se ninguém contesta as aplicações médicas da física nuclear, já a energia nuclear não tem gozado de boa fama, devido não só à sua utilização militar, nomeadamente a que pôs fim à Segunda Guerra Mundial, mas também a alguns acidentes na sua utilização para fins pacíficos, dos quais Chernobyl foi o mais terrível. A tal ponto que até a designação de um exame médico hoje vulgar, ressonância magnética nuclear, foi nalguns sítios convenientemente abreviada, com a retirada da última palavra. O termo “nuclear” deixou de estar inscrito, como se o seu ocultamento pudesse esconder a realidade central de todos os átomos.

Neste quadro, depois de uma forte expansão inicial à escala planetária, a energia nuclear foi, nalguns países, alvo de moratórias ou interdições. Porém, nos tempos mais recentes, regressou à ordem do dia devido ao acelerado crescimento económico mundial, ao progressivo esgotamento das reservas de combustíveis fósseis e à crescente preocupação com o aquecimento global devido a gases de efeito estufa. Facto é que as centrais nucleares não emitem dióxido de carbono e, por isso, não contribuem para o aquecimento global. De certo modo a energia nuclear passou a ser vista como uma solução ecológica. Além disso, a tecnologia evoluiu de tal modo que essas centrais são hoje incluídas entre as alternativas mais seguras.

Portugal conta-se entre os poucos países europeus que não construíram nenhuma central nuclear, apesar de importar uma grossa fatia da energia que consome (importa energia elécrica que, em parte, é produzida pelas oito centrais nucleares espanholas e pelas 49 francesas) e apesar de, a espaços, ter discutido a opção nuclear. Vai construir? O governo criou um tabu, ao cortar a discussão pública do tema. Fala em energias alternativas como a solar e a eólica, coisas decerto boas, tal como a poupança de energia, mas claramente insuficientes face às nossas necessidades actuais e futuras. E não quer que se fale de uma das alternativas energéticas...

O assunto revela-se extremamente actual e merece ser discutido do modo mais racional possível, nas suas várias componentes: científica, técnica, social, económica e política. É discutido em todo o mundo e deve também sê-lo aqui. Para isso, e procurando contrariar o nosso conhecido défice de cultura científica, foi há pouco constituída a Associação de Divulgação do Nuclear, ADN. Não, o D do meio não significa Defesa, mas sim Divulgação. Pela minha parte, tendo aderido à ADN, gostaria de, tanto quanto possível, elucidar e ser elucidado. Não tenho posição nem a favor nem contra a construção de uma central nuclear, mas tenho posição absolutamente contra o impedimento dessa construção por um tabu irracional. Eliminar à partida uma possibilidade que outros consideram seria condenar-nos ao isolamento e ao défice.

É mister ouvir os especialistas. Uma tomada de posição no ano passado da Sociedade Europeia de Física diz, preto no branco, que o nuclear pode e deve dar um contributo relevante para o portfolio de fontes energéticas. E o novo Secretário de Estado da Energia norte-americano, o Prémio Nobel da Física Steven Chu, interrogado sobre o assunto pela National Geographic, respondeu: Penso que o nuclear tem os seus problemas. Não resolvemos ainda a questão do armazenamento [dos resíduos] a longo prazo e temos de estar conscientes da questão da proliferação. Mas a segurança está melhor e vai melhorar mais e as centrais nucleares são muito melhores para o clima do que as centrais a carvão. Os cientistas não gostam de tabus!

11 comentários:

Helena Ribeiro disse...

Boa noite, Carlos Fiolhais,

A questão é complexa, e desde já estou-lhe grata por um artigo que me fez pensar no problema de uma forma mais consciente. "Os cientistas não gostam de tabus", por isso os tenho na mais alta estima, ao lado dos artistas, mas a complexidade da questão exige um diálogo cuidadoso. Como Steven Chu diz, "Não resolvemos ainda a questão do armazenamento a longo prazo". E não se trata de um pormenor, pode pôr em causa as gerações futuras, parece-me.

Simões disse...

De facto seria útil discutir estas questões de cabeça fria, na medida em que este tópico fica rapidamente "contaminado" por argumentos demagógicos, sobretudo quando se apela ao medo. Chernobyl tem sido um estandarte desses, e no entanto, uma curta pesquisa permite-nos verificar que não só se tratou de erro humano, como o responsável máximo da central nessa altura tem um longo cadastro de catástrofes da sua responsabilidade...

Creio que a questão dos resíduos continua a ser a mais pertinente, sobretudo em locais como Portugal, onde o aproveitamento da energia solar, eólica e das ondas é ainda escasso. Noutros sítios, como por exemplo a Polónia (que visitei recentemente) não abundam esses recursos naturais e as centrais eléctricas continuam a funcionar a carvão...

E mesmo dando de barato que na Polónia vale a pena investir no nuclear, enquanto em Portugal se deve esgotar as alternativas antes, nunca podemos esquecer a questão da eficiência energética, essa sim, a mais importante faceta da questão. Afinal, para quê diversificar se se continua a disperdiçar?

João Sousa André disse...

Já que Carlos Fiolhais diz que gostaria de ser esclarecido, seria bom que tentasse responder (ele ou qualquer um dos membros da ADN) a algumas das perguntas/dúvidas colocadas no post abaixo, com o comunicado da ADN.

Quanto a mim, o maior problema em Portugal, mais que os resíduos, é a questão da poluição térmica dos cursos de água usados para arrfecimento.

Há uma frase na crónica que me deixa estupefacto: «Fala em energias alternativas como a solar e a eólica, coisas decerto boas, tal como a poupança de energia, mas claramente insuficientes face às nossas necessidades actuais e futuras». Como sabe que são insuficientes? Actualmente são-no certamente, mas ainda mal se aproveitou o potencial que existe em Portugal. Mais, nem sequer se promove a investigação nas energias renováveis em Portugal, quando é dos melhores países para as aproveitar.

E seria bom ver um post sobre os planos existentes de integração das redes energéticas europeias. Nesta rede, os locais onde a energia estivesse a ser produzida em excesso (por exemplo, eólica na Dinamarca durante a noite ou solar em Portugal durante o dia), poderiam enviar o seu excesso para outras partes do continente onde houvesse carência. Infelizmente o nuclear tem sido apresentado pelos seus proponentes como panaceia universal, sem que se queiram dar ao trabalho de discutir realmente as alternativas.

Os cientistas podem não gostar de tabus, mas seria bom que não gostassem de nenhum.

carolus augustus lusitanus disse...

O problema é complexo e, quando se parte de premissas erradas o raciocínio é, forçosamente, inválido (embora isso possa ter muitos seguidores, assim como aplicação prática). Querem exemplos? Estudem e reflitam sobre a história do pensamento humano... que vive, atualmente, a sua idade infantil - ou, em muitos casos, senil.
Contra ventos e marés diria que a ciência é uma superstição (métodos?, provas? E factos?) e, portanto, não me venham com o «dixit» dos mestres ou com exemplos dos outros, que para esse peditório já demos. Não têm cabecinha para refletir e pensar (profundamente), em vez de andarem sempre apoiados nas muletas daquilo que outros dizem e defendem?

Pois bem. Em primeiro lugar a generalização «ninguém contesta as aplicações médicas da física nuclear», não é verdade e só se submete a elas ou os ignorantes (de outras alternativas mais suaves) ou quem não tem mesmo outra hipótese...

«De certo modo a energia nuclear passou a ser vista como uma solução ecológica»... de certo modo, ao modo dos defensores, com certeza... Rios com peixes à tona, ecologicamente saudáveis, pois claro!

«Além disso, a tecnologia evoluiu de tal modo que essas centrais são hoje incluídas entre as alternativas mais seguras.», assim era a central de Chernobyl e outras, para não falar de DDT's e outras grandes «panaceias» que se têm mostrado ineficazes e, pior, nocivas para a saúde das pessoas e do planeta.

«Eliminar à partida uma possibilidade que outros consideram seria condenar-nos ao isolamento e ao défice», é uma asserção um pouco exagerada (isolamento, défice? - o que é que isso significa?), e porque teremos nós de seguir as modas? Parece ser «bem» estar sempre a receber lições dos outros, mesmo quando essas lições não passam de meras opiniões... Não venham com nomes sonantes daqui ou dali... pensai por vós próprios a própria realidade que vivemos e, mais do que tudo, fazei uma longa reflexão - sem «aprioris» e pré-conceitos (o melhor seria mesmo meditar - mas isso está fora do alcance da vastíssima maioria dos cientistas e dos seus fiéis, vulgo, «vulgo»...) e vereis que, afinal, o mundo não é bem aquilo que pensais que seja... há mais vida para além das vossas teorias, teoremas, conceitos, leis, etc., que vos escapa, já que o enquadramento técnico e mental onde vos moveis é, apenas, uma visão (distorcida) da realidade. (Para quem não concordar fica a pergunta (não formulada por mim, embora isso faça parte da minha estrutura mental e do meu questionamento sobre a existência): a realidade é real?

Resumindo: a falta de sensibilidade e, sobretudo, de visão (e conhecimento profundo da vida e do mundo, apesar de todo o cabedal téncico e científico que cada um possa ter vindo a acumular), faz com que a comunidade científica (melhor, alguns dos seus membros) defendam esta nova «panaceia»; embora «abertos» à discussão, nunca poderão ter o «insight» necessário a uma solução «pacífica» sobre esta questão, uma vez que as suas premissas partem de bases erradas (a não ser que se faça luz!). Porque a política dos científicos é (tem sido sempre): depois da casa roubada, trancas à porta... não sei se me fiz entender.

Parafraseando um pensador francês do século passado diria que «os cientistas, apesar da elevada opinião que possuem de si mesmos e da sua «ciência», sabem bem que o seu domínio sobre o resto do mundo está longe de ser assegurado de modo definitivo, que poderá estar exposto a acontecimentos que lhes é impossível prever e, sobretudo, impedir.»

A questão dos resíduos (a que alguns dão alguma importância), é para varrer para debaixo do tapete e, depois, as gerações vindouras que resolvam o problema (se ainda forem a tempo, claro).

Agora, quanto aos tabus: mais vale um tema permanecer tabu do que ser debatido (por quem não está capacitado para tal) e depois verificar-se (tarde demais) que deu asneira, ou não será?

Nuclear, não - obrigado!

João Sousa André disse...

Caro Augusto Cardeal. Escreve a certa altura:
«Rios com peixes à tona, ecologicamente saudáveis, pois claro!». Embora isto seja verdade, convém explicar porque razão sucede. É que nada tem a ver com contaminação das águas por resíduos tóxicos ou radioactivos. Normalmente tem origem em hipóxia das águas causada por um aumento da temperatura das mesmas devido a serem usadas para o arrefecimento.

Quanto ao resto, nem tanto ao mar nem tanto à terra. A energia nuclear é limpa à excepção da poluição térmica e dos resíduos. Existisse hoje uma solução para os resíduos e bom planeamento quanto à questão da poluição térmica e eu até poderia ser a favor. Só que não me parece que haja.

O nuclear trouxe de facto vantagens. É um facto que só se faz um raio-X em caso de necessidade. O mesmo para os aparelhos de RMN ou TC (antes chamado de TAC) ou até radioterapia e outras técnicas de diagnóstico e tratamento. É só em caso de necessidade? Sem dúvida, mas creio que ninguém vai também andar a tomar comprimidos se não necessitar deles.

Já quanto à frase que refere «o isolamento e o défice», creio que o Prof. Carlos Fiolhais os entende como isolamento e défice de conhecimento. Enquanto outros tomam posições a favor ou contra o assunto a partir de um debate, os portugueses não podem dar-se ao luxo de o fazer sem o mesmo.

guna disse...

Se cada euro que investido na energia nuclear em Portugal, fosse investido em aumentar eficiência energética, qual é que oferecia meelhor/maior retorno?

Rui leprechaun disse...

Facto é que as centrais nucleares não emitem dióxido de carbono e, por isso, não contribuem para o aquecimento global.


Mas isto será justificação para alguma coisa?!

Aliás, a incrível ironia presente neste tortuoso raciocínio é que a relação entre o hipotético aquecimento e a concentração do CO2 é incerta e controversa, não se podendo comprovar nenhuma causa e efeito directos, enquanto o tal aquecimento provocado pelo sistema de refrigeração das centrais nucleares nos cursos de água é um facto bem estabelecido e inegável!

Não é que isso invalide necessariamente o seu uso, o qual pode ser discutido na óptica dos benefícios associados ao risco, mas partir apenas deste falso pressuposto que tal tipo de energia não tem influência sobre o clima, ao contrário dos combustíveis fósseis, constitui um medíocre argumento que não passa no crivo de qualquer pessoa melhor informada.

De resto, há até uma nova via que vem sendo explorada por alguns visionários, embora continue sem merecer o aval do "mainstream" científico. Refiro-me ao electromagnetismo, claro, que comprova como talvez o modelo atómico actualmente aceite esteja pelo menos incompleto, ao não ser capaz de explicar cabalmente este ganho de energia.

Electromagnetic Over Unity Power Plant

Logo, e que tal investigar um pouco mais estas outras alternativas não poluentes e facilmente escaláveis?

Anónimo disse...

Já agora, gostava que ouvir que tenha pensado no assunto de forma completa, incluindo também o combustível para as ditas centrais que li algures que estava a escassear neste momento e a energia dispendida na extração igualava à produzida na central posteriormente. Isso é que gostava que me dissessem se é verdade...

Nuno Calisto disse...

Lamentável que, mesmo ao nível do debate, a fusão seja esquecida.
O ITER parece um projecto adiado...
Incompreensível quando o tema é Energia!

Jose Simoes disse...

O Tabu é saber quanto custa o seguro. Nunca ninguém fala disso.

Sem seguro o lucro vai para uns poucos e o prejuizo vai para os outros.

Mas atenção, seguro sem clausulas manhosas e incluindo tratamento de resíduos.

Qual o seguro (se existe) de uma central nuclear em funcionamento. Deve haver exemplos.

José Simões

Anónimo disse...

«Mas atenção, seguro sem clausulas manhosas»

Isto é o mesmo que querer chuva seca.

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