Da autoria de José António Paixão, professor de Física da Universidade de Coimbra, transcrevemos o artigo sobre jazz e astronomia publicado no último número da revista "Anti-matéria" dos estudantes de Física da Universidade de Coimbra.
Os astros sempre foram fonte de inspiração para os artistas – e os músicos de jazz não são excepção. Já na obra dos “veteranos” Duke Ellington e Charlie Parker encontramos temas que remetem directamente para o “cosmos” (“Blues in Orbit”, “Cosmic Rays”, etc). Com o advento do free jazz e do jazz de fusão, nas década de 60 e 70 muitos são os artistas que gravaram composições inspiradas no cosmos e na aventura espacial. Herbie Hancock, por exemplo, aparece vestido de astronauta nas capas de alguns dos seus discos de fusão que se seguiram à fase em que trabalhou com Miles Davis e títulos como “Thrust” (propulsão de um foguetão) ajustavam-se na perfeição ao ritmo funky da época.
Sendo grande a lista que poderia ilustrar como os astros têm inspirado os músicos de jazz, seleccionamos três obras emblemáticas que podemos catalogar na corrente free jazz, ou seja, da música com maior liberdade de improvisação: Interstellar Space, de John Coltrane, The Heliocentric Worlds of Sun Ra, de Sun Ra, e Double Sunrise over Neptune, de William Parker.
Interstellar space foi um dos últimos álbuns gravados por John Coltrane poucos meses antes da sua morte, em 1967, e mostra de forma inequívoca a evolução de Coltrane para a “New Thing”, ou free jazz, no final da sua carreira. O disco que apenas veio a lume postumamente em 1972, contempla quatro temas na forma de dueto entre o saxofonista e o baterista Rashied Ali. Cada tema é dedicado a um planeta do sistema solar: Marte, Vénus, Júpiter e Saturno. A estrutura dos temas é semelhante. Coltrane começa de forma ritual por tocar um hipnótico som de campainhas, a que Rashied Ali responde com um improviso rítmico na bateria. O saxofone tenor trabalha então os ritmos de Ali, de forma extremamente livre, oscilando entre pequenas estruturas modais e longas frases de cortar a respiração. O resultado dos duetos é extremamente hipnótico e etéreo e soa, ainda hoje, muito arrojado.
O título e a capa do disco do pianista e compositor Sun Ra, em que a sua foto se encontra numa galeria de astrónomos ao lado do retrato de Galileu Galilei, não poderiam ser mais sugestivos. Quase toda a obra deste inusitado artista, que cultivava a excentricidade vestindo-se de faraó e afirmando ser originário de Saturno, remete directamente para temas “cósmicos”. Excentricidade à parte, a sua obra foi seminal – Sun Ra foi pioneiro, por exemplo, no uso de sintetizadores e outros instrumentos electrónicos no jazz.
Double sunrise over neptune, de William Parker, foi considerado uma das melhores obras de música improvisada de 2008. Parker, um músico prolífico e versátil que tem trabalhado em diferentes formações, ‘dirige’ aqui um grupo de dezasseis músicos e um vocalista de scat indiano, Sangeeta Bandyopadhyay. O resultado da mistura de influências africanas e indianas é surpreendente. O tema “Nepune’s Mirror”, uma das quatro faixas do disco, é particularmente encantador, remetendo para um estilo “trance”.
Sem dúvida, três discos de alto astral!
José António Paixão
terça-feira, 14 de abril de 2009
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4 comentários:
espectacular esta crónica.Para mim que adoro Jazz, linda forma de olhar ver e escrever
;))
Também adorei! Aliás, o blog é ótimo!
just for fun
http://www.youtube.com/watch?v=VS71fFMQOB0&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=Q8A_IP5YB2g&feature=related
E como Frank Zappa via o mito dos Led Zeppelin
http://www.youtube.com/watch?v=0p3Ue3ncH3g
Vou atrás das sugestões. Agora!
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