Informação recebida do Grupo de Teatro Clássico Thíasos, do Departamento de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Convite para a estreita da peça: O fulaninho de Cartago
Autor: Plauto
Tradução e encenação: José Luís Brandão
Estreia: 28 de Abril de 2009, às 21.30horas
Local: Faculdade de Letras, Teatro Paulo Quintela
A entrada é livre
O texto
Antecedentes da acção. Um menino de sete anos foi raptado de Cartago. O pai deste definhou de desgosto e deixou os seus bens a um primo. Um velho misógino de Cálidon, na Etólia, comprou o rapaz, sem saber que ele era filho de um hóspede, adoptou-o e, antes de morrer, nomeou-o seu herdeiro. Foram depois também raptadas duas primas do jovem juntamente com a ama. Lico, um alcoviteiro, comprou-as a uns piratas e trouxe-as para a vizinhança do rapaz.
A acção. Agorástoles – assim se chama o jovem – anda perdido de amores por uma das moças, Adelfásio, sem fazer ideia de que é sua prima; e o alcoviteiro tortura o enamorado com delongas. Este com a ajuda de Milfião, o escravo matreiro, monta-lhe uma armadilha: deste modo, o proxeneta é, na presença de testemunhas adestradas para o efeito, implicado num suposto roubo e arrisca-se a ser arrastado diante do pretor. Mas o desenlace é precipitado por um reconhecimento. Chega à cidade um velho cartaginês, esperto e manhoso, que descobre que o jovem é o filho do falecido primo e reencontra as filhas que havia perdido.
O contexto. Tendo em conta as referências históricas que figuram na peça, nem sempre claras, foram propostas datas para a composição que vão de 197 a 188 a.C. Uma fala das Testemunhas (vv. 524-525) sobre a paz civil e os inimigos aniquilados pode conter uma alusão à derrota de Aníbal, no final da segunda guerra púnica (202 a.C). Mas podem estar implícitas outras guerras, concluídas ou em curso (com Filipe V da Macedónia, derrotado na batalha de Cinoscéfalas, em 197 a.C.; com Nábis, tirano de Esparta, tomada em 195 a.C.; com Antíoco da Síria, derrotado em Magnésia, em 189 a.C.). Seja como for, a escolha do tema não será inócua: na altura da primeira representação, ainda estaria bem fresca a memória das pesadas derrotas que Aníbal infligiu a Roma (218 - 216 a.C.), sobretudo a de Canas, a que se seguiu o supremo desespero de ver Hannibal ad portas – penas agravadas pelos danos irremediáveis, causados pela longa permanência (até 204 a.C.) em terras itálicas de um exército tão numeroso e heterogéneo. Era ainda recente a derrota do terrível inimigo, seguida da paz com Cartago, em 201.
A reacção dos romanos aos cartagineses está patente em algumas tiradas proverbiais sobre a perfídia púnica e comentários jocosos à indumentária exótica (elementos úteis para estudiosos e encenadores), mas não vai além disso. Contrariamente ao que seria de esperar, e que o título parece sugerir, Plauto não se centra no ataque ao inimigo mortal dos romanos. O cartaginês Hanão, talvez por determinação da peça grega que Plauto, no prólogo, diz traduzir, é retratado não como um monstro abatido, mas como modelo de virtudes ancestrais (de onde se evidencia a pietas) e de dignidade. De tal modo que nos parece haver algo de terenciano nesta personagem marcada pelo sofrimento. No final, Hanão é o grande triunfador que traz o prémio para os bons e a ruína para os perversos. Além disso, as raparigas cartaginesas, apesar da situação em que se encontram – estão prestes a ser iniciadas na prostituição –, lutam para manter a dignidade da sua condição (sobretudo Adelfásio). E são salvas no último momento, como salienta a ama: quando se preparavam já para se submeterem ao destino. Daí a esfuziante alegria, por reencontrarem o pai, há tanto tempo esperado.
A acção decorre no dia das Afrodísias, a festa de Vénus.
As personagens
Agorástocles não se afasta do que é de esperar do jovem enamorado, egoísta e cruel. Acrescenta-se a avareza, pois, apesar de ser emancipado, ainda não resgatou a amada.
Milfião é o típico escravo matreiro, de resposta pronta, apreciador mais do vinho que de mulheres, como ele próprio diz. Não poupa as palavras de troça ao seu amo apaixonado.
Adelfásio é uma jovem raptada, destinada a ser meretriz. Nota-se, nesta personagem, uma certa contradição de carácter psicológico: ora se apresenta consciente da dignidade da sua origem nobre, ora parece agir como uma vulgar cortesã.
Anterástilis é irmã da anterior, raptada juntamente com ela. Revela-se mais mundana do que a irmã.
Lico (em grego, «lobo»), o alcoviteiro, é ávido de dinheiro até à impiedade. Mas ele apenas cumpre o seu mester. No final, é um homem destruído, e a sua resignação em reconhecer que perdeu e em aceitar a sorte que lhe está destinada quase provoca a comiseração.
Antaménides é o típico soldado fanfarrão plautino. A proclamação da sua gesta, a vitória sobre os homens voadores, não fica atrás, na fantasia, das façanhas de Pirgopolinices em O Soldado Fanfarrão.
As Testemunhas funcionam como um raro exemplo de coro na comédia romana. Não são testemunhas isentas, pois vão prestar juramento numa acusação que sabem ser uma farsa.
Colibisco é o caseiro de Agorástocles que, para enganar o alcoviteiro, faz o papel de mercenário de Esparta foragido.
Sincerasto, escravo do alcoviteiro, não partilha os valores do seu amo; lamenta-se da decadência do lupanar e prontifica-se a contribuir para a ruína do patrão.
Hanão, o cartaginês, procura continuamente as suas filhas raptadas. Entra em cena a falar púnico, o que mostra que os espectadores romanos entenderiam alguma coisa da língua do inimigo. Apesar de o termo Hanão estar consagrado em português, como nome de várias pessoas gradas de Cartago, adoptámos para a representação a forma (também legítima) de Hánon, para evitar equívocos da linguagem oral e pela sonoridade exótica.
Gídenis é a ama de Adelfásio e Anterástilis e chave para o reconhecimento imediato de Hanão.
Finalmente, um Escravo do séquito de Hanão é filho da ama Gidénis.
José Luís Lopes Brandão
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