Devo dizer que assistir a este congresso constituiu uma das experiências mais gratificantes dos últimos tempos na minha vida profissional, pela qualidade da maior parte das comunicações a que assisti e pela frescura intelectual e profundidade das mesmas. Depressa percebi que o nível de reflexão a que os organizadores se tinham proposto era elevado. Confirmei-o, agora, quando recebi o livro - Educación, conocimiento y justicia - que reúne as principais intervenções.
José Antonio Ibáñez-Martín, professor da referida universidade, faz a apresentação da obra que coordenou, num texto intitulado, justamente, Educación y derechos humanos. Desse belo texto, transcrevo as passagens que me parecem mais significativas, sob o ponto de vista pedagógico e que, independentemente do país em que nos situemos, nos ajuda a pensar nos caminhos que traçámos para a educação a partir da segunda metade do século XX e daqueles que pretendemos traçar no e para o futuro. Ajuda-nos, ainda, a perceber a diferença entre o pensamento que se tem por certo na pedagogia e aquilo que, nos discursos corriqueiros, se faz passar por certo.
“Este conjunto de valores (…) só tem sentido na medida em que a pessoa recebeu uma educação, na medida em que, por conhecer as causas das coisas, como dizia Virgílio, pode levantar a sua voz em tribunal, exercer uma liberdade de pensamento com independência da mentalidade dominante, expressar opiniões dignas de serem ouvidas, ter voz activa e passiva nos assuntos públicos ou participar na vida cultural. Assim, a educação é a condição mais relevante para o exercício de numerosos direitos humanos.
Naturalmente, falar sobre educação neste contexto obriga a duas reflexões diferentes, pois se é preciso lembrar que tipo de educação se deve ministrar para promover no ser humano as capacidades cujo desenvolvimento protegerão os direitos humanos, do mesmo modo é necessário perguntar como vamos dar a conhecer os direitos humanos e como vamos colaborar para conseguir o seu respeito e efectividade. Estas questões são próprias da filosofia da educação (…) dedicarei três observações à segunda.
A primeira observação refere-se ao conhecimento (…) unido ao de justiça. Infelizmente, atravessamos uma maré em que se ataca a pedagogia como se ela fosse inimiga do conhecimento, uma maré parece mover-se entre o desprezo e a hostilidade por tudo o que significa transmissão de saberes. Há quem considere que nas Faculdades de Educação, onde se cultivará a ideia de que a escola é basicamente o lugar de encontro das novas gerações, é um ambiente dissoluto, avesso ao esforço, à avaliação da qualidade e do mérito, e o que é importante é cultivar a auto-estima dos estudantes (….). É certo que alguns colegas nossos, do amplo mundo da educação, não são alheios a esses erros que alguns denunciam com tanta virulência. Mas há que advertir que são poucos e que, verdadeiramente, a quem se deveria deitar esse olhar era aqueles psicólogos que organizaram planos de estudo ao serviço de políticas que viam como injusta e discriminatória qualquer diferenciação curricular ou estrutural que atendia às características, às capacidades e motivações dos estudantes, e alguns pensadores que, atraiçoando os princípios básicos da filosofia clássica, defenderam que não se devia tirar os estudantes da cultura do seu meio ambiente.
A segunda observação refere-se ao modo de promover o respeito pelos direitos humanos. De facto, é óbvio que é preciso mostrar o avanço que a Declaração Universal de Direitos Humanos representou para a humanidade. Mas se queremos ajudar a respeitá-los, é preciso que os estudantes passem de um conhecimento rígido a um conhecimento vivo, de modo que o saber seja realmente um berço, como dizia Whitehead, e não um túmulo. Para ele não se trata de depreciar o conhecimento, mas sim de vê-lo como a base a partir da qual o professor procura desenvolver a competência dos estudantes, o que significa desenvolver a capacidade para aplicar esses conhecimentos (…) os problemas reais quando é preciso encontrar uma solução. É bom lembrar que o respeito tem uma componente cognitiva, mas tem igualmente outro activo: respeitar exige comporta-se com a dignidade que se reconhece. Assim, temos de dizer que promover o respeito pelos direitos humanos implica superar o que Havel – no discurso proferido por ocasião do 50 aniversário de Declaração dos Direitos Humanos – qualificava como “o maior problema do mundo multipolar de hoje em dia (…), que não recai o mal em si, mas na tolerância do mal” (…).
A terceira observação refere-se ao como conseguir a efectividade destes direitos (…) esta é a questão decisiva sobre os direitos humanos (…) Com efeito, os direitos humanos, podem ser atacados, digamos fisicamente, quando quem tem poder o poder de uma pistola (…) ou pretende obrigar outros a realizar acções contrárias à sua consciência. Pouco pode fazer o educador contra os primeiros, mas pode ensinar os educandos que os países comprometeram-se a respeitá-los (…). Mas eu diria que o ataque pior aos direitos humanos é intelectual. É de quem propaga um relativismo cultural que deixa de considerar os direitos como universais, inalienáveis e inerentes à pessoa, para fazê-los depender da interpretação que deles proponha a cambiante mentalidade dominante ou os interesses mais ou o interesse mais trivial das nações poderosas. No momento, a Declaração Universal do Direitos Humanos passa a carecer de interesse: já não é um horizonte que nada possa trespassar, mas um texto morto, consequência de um consenso que pessoas já desaparecidas alcançaram há tanto tempo que realmente todos estamos autorizados a interpretá-lo dependendo das nossas perspectivas pessoais (…).
É justo, hoje (…) aspirar a que os educadores sejam capazes (…) de analisar argumentativamente as bases mais sólidas dos direitos humanos, por quem tantos deram o seu sangue, e de os apresentar às jovens gerações dos modos mais persuasivos, para deles obter apoio e seguimento.”
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