"Os Sentidos das Vidas" é o título do artigo de Susan Wolf que acabo de publicar, com tradução minha. Recorde-se que dela tínhamos já publicado "O Sentido da Vida", um pequeno artigo de enciclopédia que apresenta as várias perspectivas sobre o tema.
Este tema tem tido aliás uma presença assinalável na Crítica. Em "Confissão", de Leão Tolstoi, assistimos à formulação intuitiva do problema, e à sua resposta religiosa. Simon Blackburn apresenta por contraste, em "Desejo e Sentido da Vida", uma perspectiva que não é religiosa. A resposta de Peter Singer encontra-se no seu livro Como Havemos de Viver?
As minhas próprias ideias foram desenvolvidas nos textos "O Sentido da Vida", publicado na Intelectu, "O Problema Pessoal do Sentido da Vida" e "Sísifo e o Sentido da Vida", este último um capítulo do meu livro Pensar Outra Vez. Finalmente, está para breve a edição portuguesa da antologia Viver Para Quê?, organizada e traduzida por mim.
Os leitores de língua portuguesa dispõem já de bons pontos de partida para reflectir informadamente sobre este tema. E o que pensa afinal o leitor sobre este problema?
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10 comentários:
ANTHONY FLEW E A PROCURA DO SENTIDO DA VIDA
Para os ateus deve ter interesse a trajectória pessoal e intelectual de Anthony Flew.
Embora nascido e criado numa família cristã (o seu pai era um dos mais conhecidos pastores metodistas do Reino Unido) Anthony Flew desde cedo se mostrou desconfortável com o ensino cristão, tendo abraçado uma visão do mundo naturalista e ateísta.
Durante a sua vida de estudante e professor de filosofia privou com alguns dos mais célebres filósofos, cientistas e intelectuais (v.g. Ludwig Wittgenstein, Bertrand Russell, C. S. Lewis) ateus e cristãos, em diálogo com os quais desenvolveu os seus argumentos ateístas.
Ao longo de cerca de seis décadas defendeu ferozmente o ateísmo em livros, artigos, palestras e debates.
Ele conhecia os argumentos de ateístas tão diversos como David Hume ou Bertrand Russell, argumentos esses que desenvolveu, aprofundou e sofisticou.
Recentemente, porém, algo aconteceu.
Anthony Flew, que teve sempre o mérito de manter uma mente aberta e seguir a evidência onde ela conduzisse, tornou-se teísta.
O que é interessante, considerando que se estava perante um defensor empedernido do ateísmo.
Como ele próprio diz, a sua mudança não se ficou a dever a uma experiência religiosa de qualquer tipo, antes foi um evento exclusivamente racional.
Anthony Flew explica, no seu recente livro “There is a God” (existe um Deus), as razões que o fizeram reconsiderar a sua posição.
Sem quaisquer desenvolvimentos, podemos sintetizá-las em alguns pontos:
1) a existência de leis naturais no Universo corrobora uma criação racional;
2) a sintonia do Universo para a vida corrobora uma criação racional;
3) a estrutura racional e matemática do Universo corrobora uma criação racional;
4) a existência de informação semântica codificada nos genomas corrobora uma criação racional.
Com base nestes argumentos, e principalmente no último, Anthony Flew considera agora não apenas que a posição teísta é verdadeira, mas que ela é cientifica e racionalmente irrefutável.
Embora Anthony Flew não se tenha convertido a Jesus Cristo, ele confessa que se há alguma religião digna de consideração séria, é o Cristianismo, com as figuras centrais de Jesus Cristo e do Apóstolo Paulo.
Se Anthony Flew ousasse considerar seriamente a mensagem cristã, iria ver que ela tem muito a dizer sobre astronomia, astrofísica, biologia, genética, geologia, paleontologia, etc., e que em todas essas disciplinas abundam evidências que a corroboram.
Para Anthony Flew a busca ainda não acabou.
É interessante o percurso de Anthony Flew.
Ele chegou a uma conclusão a que muitos outros já haviam chegado antes: a presença de informação codificada no genoma é evidência clara da existência de uma realidade imaterial, espiritual e mental para além da matéria, da energia, do tempo e do espaço.
Esta conclusão deveria levá-lo a uma outra: se o universo, a vida e o homem são o produto de uma criação racional, também são o resultado de uma criação intencional.
Ou seja, com Deus, o Criador, e dentro dos seus planos, a nossa vida tem um sentido.
Jesus disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida".
O sentido encontra-se indo pelo caminho certo.
Sobre o sentido da vida, a Bíblia diz: "Há caminhos que ao homem parecem direitos, mas o fim deles é a morte".
E Jesus ainda disse: "Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que esteja morto viverá."
1- Desgraçadamente, a mim que comprei "O mito de Sísifo", de Camus, quando tinha dezassete anos e nunca o li, que não sou dado às angústias existencialistas francesas, o tema do "sentido da vida" só me remete para os Monty Python.
2- Noto que, como habitualmente, o comentador anterior não chega (como diz que aconteceu com Anthony Flew) a Deus pela razão. Ele crê em Deus e, depois, agarra-se a qualquer argumento que sirva para fundar a sua pré-crença.
Essa pré-crença até pode estar correcta, mas é uma pré-crença. E se os argumentos que Anthony Flew nos apresenta são os que ele refere, não são novos e não acrescentam nada. Convencem os que os já estavam convencidos sem eles.
Citar a Bíblia também não ajuda. Na Bíblia, como em qualquer livro, está tudo e o seu contrário.
2) a sintonia do Universo para a vida corrobora uma criação racional;
Sim, por isso é que há vida por todo o lado fora do planeta.
Tomemos um frasco com grãos de areia branca em cima e grãos de areia preta em baixo. Agitemos o frasco. Agitemo-lo simplesmente. Os grãos de areia misturam-se, naturalmente. A areia branca e a areia preta misturam-se. Qual é a probabilidade de os grãos de areia branca ficarem outra vez todos de um lado e os grãos de areia preta do outro?
Ínfima. Mas não nula. Num tempo finito embora incomensuravelmente grande, essa separação dos grãos de areia acabará por ser uma fatalidade. Direi então que o facto de ela ocorrer revela uma intenção racional de criação, que há um desígnio inteligente no agitar do frasco?
Claro que não. Tratou-se apenas de o agitar sem sentido nenhum, durante o tempo suficiente.
As teorias criacionistas do desígnio inteligente assentam em duas hipóteses não demonstradas: que as combinações de elementos geradoras da vida são impossíveis sem uma vontade criadora e que o universo tem meia dúzia de anos, não tendo sido ainda decorrido o tempo necessário para que uma combinação ocasional de elementos que gere a vida, de improvável, se tenha tornado uma fatalidade.
Primum vivere, deinde philosophare.
Não ha nenhuma corrente de filosofia antiga - portanto de filosofia a sério - que tenha ignorado essa verdade elementar, que implica que a filosofia é necessariamente (como muitas outras coisas) instrumental.
Decorre do exposto que a filosofia começa por ser ética (ou moral). Os outros problemas, vêm por acréscimo, ou por consequência. Ora o problema do "sentido da vida" é o problema ético por excelência. A ética é precisamente a parte da filosofia que procura compreender como, na realidade, damos sentido às nossas vidas : quais os bens que prezamos, quais as relações que fazemos entre esses bens, etc. Incidentalmente, mas de forma necessaria, a ética procura também saber em que medida o "sentido" é um "bem". Isto esta exposto, na minha modesta opinião de uma forma insuperada até hoje, nas éticas de Aristoteles (nomeadamente nos livros I, VI e X da Etica de Nicomaco).
Dai o meu espanto ao verificar que, no primeiro dos teus textos que citaste, passas mais de metade do tempo a demonstrar que o problema "do sentido da vidsa" é interessante para a filosofia. E obvio que é. Se o problema não fizesse sentido, nada justificaria que abrissemos um livro de filosofia, nem sequer acerca de outros problemas...
Quando constato o trabalho que tens para demonstrar esta evidência (não vejas aqui nenhuma critica aos teus textos, que estão escritos de maneira douta, argumentada, etc., não é isso que esta em causa), não posso impedir-me de pensar que perdemos completamente o sentido da filosofia.
Esta maneira de "filosofar", inquinada de essencialismo, leva a um impasse : uma filosofia que abdica completamente de dizer algo de util, ou de valioso...
Não conheço bem as correntes analiticas. Ao ler autores como Austin, chego às vezes a pensar que eles tomaram consciência desse problema. Outros, não sei...
E quanto ao fundo, vou tentar responder à maneira antiga, com um paradoxo : que a vida tem sentido (ou seja, que o sentido da vida não se confunde com a sua mera existência), eis o que muitos filosofos antigos (e não so) provaram da maneira mais forte possivel, de maneira perfeitamente imparavel : suicidando-se quando acharam que a sua vida havia deixado de ter sentido...
Tempos aureos em que o fosso entre a vida e a filosofia não era o que é hoje, na nossa sociedade de clérigos...
Mas por que raio havia a vida de ter algum sentido?
E se tivesse sentido, porque é que o sentido havia de fazer sentido.
E afinal o que é a vida?
Penso que tudo o que foi escrito sobre esses assunto antes de Darwin e da compreensão do ADN é lixo.
(a vida é apenas uma doença mortal - e uma doença transmitida por via sexual).
José Simões
É bastante difícil discutir este assunto sem ser iniciado na coisa. E mais ainda qd os profissionais da coisa já perceberam que é melhor mudar de conversa.
O "projecto" existe ou não? Só o velhote é que sabe, mas ele não nos ouve, por mais que se lhe berre à porta.
E já agora como parte da coisa, como é q a linguagem nos "arranja"? Em tempos li umas coisas dum senhor com nome de calças de ganga e de outro, Franês, J. Lacan, contaminado pelas teorias de Freud. Pareceu-me pano para mangas.
Uma possivel resposta:
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
A. Caeiro, o guardador de rebanhos.
Fragmento
Uma vez que não sabemos (com certeza absoluta e sem margem para dúvidas) e não podemos provar de modo seguro que deus (não) existe (ou qualquer força, ser, entidade ou princípio análogo, independentemente do nome que lhe dermos), e que, por consequência, (não) existe um desígnio inteligente universal que, à escala cósmica, biológica e/ou humana tenha simultaneamente criado a estrutura e oriente a evolução do universo, da vida e do homem para uma(?) qualquer finalidade transcendente que confira valor e significado a tudo o que existe (há factos e argumentos pró e contra esta perspectiva, embora não necessariamente equivalentes e, logo, indecidíveis), a tese que vou propor e defender é independente disto se verificar ou não, tornando essa questão parcialmente irrelevante para o caso. A resposta simples e directa à questão de saber se a vida tem ou não um sentido seria simultaneamente sim e não, dependendo da forma como vivemos! Pensando só na vida humana, talvez a vida possa fazer sentido (na tripla acepção de conter um valor, um significado e uma finalidade) quando realizamos aquilo que potencialmente somos como indivíduos e como seres humanos, e não tenha qualquer sentido quando não conseguimos ou sequer tentamos fazê-lo! Assim, a questão do sentido da vida depende directamente daquilo que somos e do conhecimento que temos disso, da nossa natureza e condição! Ora, se aceitarmos, como os clássicos fizeram, que o homem é (pelo menos à face da terra, e o único conhecido) um animal racional e o definirmos como homo sapiens sapiens (e quanta pretensão, arrogância e vaidade se escondem nesta “simples” definição científica, não é verdade?!), então aquilo que devemos ser consiste em realizar esse potencial natural, essa diferença específica da nossa espécie (passe a redundância) e tornarmo-nos aquilo que somos em potência, isto é, sábios e racionais, conscientes e inteligentes, no pensamento e na acção, no conhecimento e na vida, visando o aperfeiçoamento e o desenvolvimento da nossa natureza, tanto individual, como colectiva, como da espécie. “Torna-te naquilo que és”, diziam os antigos (e Nietzsche repetia e fazia sua); ”conhece-te a ti mesmo”, dizia Sócrates, fazendo sua a inscrição do templo a Apolo em Delfos; “todo aquele que realiza a sua natureza, atinge a perfeição “, diz o Baghavad-Gita; a compreensão e o cruzamento destas três máximas indica o caminho para uma resposta à questão do sentido da vida: devemos conhecer-nos a nós mesmos porque, não só somos os únicos seres conhecidos capazes de o fazer, mas porque só sabendo quem somos e o que somos, donde vimos, para onde vamos, onde estamos e o que fazemos aqui (como indivíduos e como humanidade) podemos ser verdadeiramente aquilo que somos e quem somos, tornando-nos efectivamente conscientes, inteligentes e racionais, em suma, sábios! Mas como a sabedoria, a virtude e a perfeição humanas são virtualmente impossíveis de alcançar na plenitude, resta-nos amar, procurar e tentar infinitamente realizar esses ideais reguladores, cada um de nós à sua maneira própria, relativa e diferenciada, atendendo à identidade singular de cada um no seio de humanidade comum a todos, mas orientados pelos únicos princípios e fins absolutos que podem verdadeiramente dar um sentido à vida humana: a verdade, o bem, a justiça, a beleza e a sabedoria! Para além disso, como somos simultaneamente partes e produto do universo, parte e produto da vida (partes na estrutura e produto na evolução), nós somos e representamos a possibilidade e a capacidade que o universo, a natureza, a matéria e a vida têm de se auto-conhecerem, de se tornarem inteligentes e conscientes de si; nós somos (até prova em contrário, os únicos) a consciência e inteligência do universo, no seu processo de auto-descoberta e auto-compreensão! Realizar esta vocação é cumprir o sentido da nossa vida; não o fazer, desperdiçando-o, é um pecado contra nós próprios e a “ordem natural das coisas”, é falhar o alvo, é não cumprir a nossa função e papel – que derivam da nossa natureza e posição no cosmos (como mente(s) consciente(s) do cosmos)-, e aí, sim, a vida não faz qualquer sentido!
João Carlos Silva
Diante dos muros da cidade, uma noite de Inverno,
um homem que tinha sofrido muito
gritou, desesperado: 'Qual é o sentido da vida?'
E o eco respondeu-lhe claramente: 'A vida!'
Frans Wilde
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