segunda-feira, 27 de abril de 2009
Novas regras de acesso ao ensino superior
Novo post de Rui Baptista:
“No meu tempo não era possível. Afinal no passado nem tudo era mau” (Expresso, Aníbal Cavaco Silva, 25/04/2009)
Reporta-se esta frase, com o “saber de experiência feito”, do Presidente da República, proferida no recente Roteiro da Ciência, dedicado à Matemática, ao facto de haver candidatos que entram em cursos de engenharia sem terem feito a disciplina de Matemática como condição “sine qua non” de ingresso. Aliás, este mesmo diagnóstico foi feito pelo bastonário da Ordem dos Engenheiros, que detém a competência de sancionar a qualidade dos cursos conducentes ao título profissional de engenheiro. Lamentavelmente, esta prerrogativa foi retirada às ordens a serem criadas no futuro. Mas isto são contos largos com génese no não reconhecimento de um dos cursos e diploma de engenharia que se tornou notícia nos média.
Em medida digna de aplauso, embora pecando por tardia, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, José Mariano Gago (na figura), resolveu tomar medidas que deixam na boca o travo da fome pela sua escassez. Refiro-me às “Regras mais duras para o superior” (título de notícia no Expresso). Refere-se a notícia à estratégia de “algumas instituições, a maioria privada e do ensino politécnico, que eliminam provas de ingresso que se têm revelado particularmente difíceis para os alunos, na tentativa de atrair mais candidatos”). Sintomaticamente, Mariano Gago, quiçá devido à sua formação científica, estabelece essas regras para os curso ditos científicos deixando de fora as humanidades, as quais despreocupam um país em que a cultura literária continua parente pobre, um país onde os textos literários dos maiores vultos da nossa literatura deixado de ser dados ou, quando muito, passaram a ser ministrados em sinopses de poucas folhas. E o que dizer da filosofia, tão necessária ao pensamento racional em ciências, letras ou qualquer outro ramo do conhecimento, que deixaram de ter os exames nacionais que punham saudavelmente a cabeça à roda à juventude? Nesta perspectiva de despreocupação por um ensino exigente, Platão torna-se, ainda hoje, incómodo quando, ao ser confrontado com a dificuldade das crianças do seu tempo contarem ou distinguirem os números pares dos ímpares, manifestou o seu repúdio: “Quanto a mim, parecemo-nos mais com porcos do que com homens e sinto-me envergonhado não só de mim, mas de todos os gregos.”
As recentes medidas teriam toda a razão de ser não fosse a utopia em compaginar a dureza destas regras com a blandícia do “acesso ao ensino superior para maiores de 23 anos”. Sem querer beliscar sequer o respeito que nos deve merecer todo aquele que, em ingente esforço próprio, se valoriza culturalmente (e ao qual o extinto exame “ad-hoc” dava o devido aval), não posso deixar de sorrir com a definição espirituosa dada a “autodidacta” pelo poeta e jornalista brasileiro Mário Quintana: “Ignorante por conta própria”.
Dando-me conta desta situação escrevi, tempos atrás, no jornal “Público” um artigo de opinião, intitulado “Exame de Aptidão à Universidade, porque não?” Pela actualidade de que ainda se reveste, aqui deixo breve extracto desse meu texto:
“Num sistema educativo abrindo brechas por todos os lados, por ausência dos alicerces de uma boa ‘instrução primária’ e sólidas paredes dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, e em que o ensino secundário é, ainda, um pilar sólido, o acesso ao ensino superior não pode deixar de ser posto em causa ao dar guarida a ignorantes vítimas das muitas reformas no sector da Educação que se vão sucedendo em operações de simples cosmética, a exemplo do carmim para disfarçar a alvura que empalidece a tez de anémica donzela.
O sociólogo António Barreto, com a autoridade de prestigiado académico dos fenómenos sociais, não se exime em declarar publicamente o seu desacordo ‘em se transmitir à população a ideia de que o acesso à universidade é um direito de todos, tal como a protecção na doença e na velhice’ ” ( Público, 5/09/2005).
Como bem alerta o autor Stephen Covey, sobre a necessidade de um arrepiar de caminho que se aplica a papel químico ao percurso que o sistema educativo português tem seguido, ”se continuarmos a fazer o que estamos a fazer, continuaremos a conseguir o que estamos a conseguir”.
Rui Baptista
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14 comentários:
sr. rui batista, concretize, por favor! numbers, numbers, numbers! entram em engenharia sem ter aprovação em matemática? onde? quando? Então o tal bastonário sanciona cursos sem qualidade?
claro que a doutrina do sr. batista é muito comezinha: bom era no tempo em que ele mais o cavaco eram jovens. ó tempo volta pra trás! ou terá ele alguma solução debaixo do capote?
nesse caso, melhor apressar-se, pq enquanto o sr. batista brada, a caravana passa...
Anónimo: Do seu comentário "numérico", apenas julgo merecer resposta substancial a acção da Ordem dos Engenheiros. Acredita, porventura, que se não fosse o papel importantíssimo da Ordem dos Engenheiros na preservação da qualidade dos cursos a quem dá chancela de qualidade e daqueles que entendeu não terem essa qualidade, de que é exemplo a licenciatura da extinta Universidade Independente, não continuaria tudo na mesma num país de nacional porreirismo de “laissez faire, laissez passer”?
Quando se quer desculpar a mediocridade de uma política de terra queimada, é (ab)uso pôr em causa o passado. Se bem se deve lembrar, logo após o 25 de Abril, em nome da “liberdade” foi “proibida” a passagem na rádio e na televisão da canção que refere no seu comentário: “Ó tempo volta para trás”!
Uma simples canção causava o medo que se viu e se testemunhou e que serviu de mote ao teatro de revista quando era perguntado aos espectadores que era feito dos milhares de pessoas que poucos anos antes aplaudiam freneticamente Salazar na Praça do Comércio.
Ora, com respaldo em palavras de Sophia de Mello Breyner – uma democrata que nada tem a ver com os “democratas” gerados, do dia para a noite, em ventres licenciosos do oportunismo ou na tentativa de fazerem abortar os seus fantasmas - ,“em nome do anti-fascismo não se pode criar um novo fascismo”.
Já que falou do Professor Cavaco Silva, que tento cursado e concluido os seus estudos numa escola comercial, se licenciou, posteriormente, sem passagens administrativas ou golpismos do género, se doutorou e se alcandorou à cátedra universitária por mérito próprio,apresento-lhe eu agora o exemplo de outras personalidades, como , v.g., José Saramago, Prémio Nobel da Literatura e Jerónimo de Sousa, notabilizado na vida política, ambos apenas com o diploma das antigas escolas industriais. São os três a prova de que nem tudo era mau num tempo em que era exigida qualidade e seriedade ao ensino desde a antiga escola do ensino primário à universidade. Aquela qualidade que não vemos, hoje, nas “Novas Oportunidades” em que, enquanto o diabo esfrega um olho, é distribuido, de mão beijada,pão mal cozido, que a cozedura do conhecimento, do verdadeiro conhecimento, exige tempo e sacrifício.
Como escreve Raymond Polin (“O Homem e o Estado”, Europa-América, Lisboa, 1976, p.144), “reivindicar direitos sem proclamar obrigações é querer o impossível, é jogar às utopias ou às catástrofes”. Ou, buscando inspiração aligeirada em Oscar Wilde, “sou uma pessoa de gostos simples, contento-me com o melhor” e, simultaneamente, sou tolerante para com o pior, embora isso não me impeça do dever de cidadania de lhe tecer as críticas que entendo por mais desconforto que possam causar em termos políticos ou de qualquer outro jaez.
E porque no seu comentário deparei-me com a nuance simpática e gentil de alterar o ditado bem português de “os cães ladram e a caravana passa” pela substituição de uma das suas palavras por “brada”, pus as dúvidas de lado, se devia responder ou ignorar o seu comentário. E aqui estou eu a “bradar”, tendo o cuidado de açaimar a minha argumentação.
No 1.º§, 4.ª linha, onde se lê "cursos a quem dá", rectifico para "cursos a que dá".
É pena que assim pense. O problema não é o Sr. José Saramago ou Jerónimo de Sousa terem atingido a notoriedade que justamente lhes é reconhecida. O problema é se eles tiveram a opção e as condições para decidir se queriam estudar ou não. Acha que diriam que não? Ainda hoje, apesar da democratização do ensino superior que lhe desagrada, sabe bem quais as classes sociais que não têm acesso ao ensino. Seja porque razões forem.
Quanto às ordens... viaje, ande pelo mundo e veja onde existem ordens e em que condições. As ordens não defendem a profissão. Defendem quem já tem a profissão. Tal como os sindicatos não defendem os trabalhadores. Defendem os que estão empregados contra os desempregados.
Mas porque razão, a não ser pelo provinciano título de dr., lhe incomoda que as pessoas tenham oportunidades para aprender? Prefere que andem pelos cafés? Deixe as pessoas aprender, ainda que seja pouco. Talvez depois possam melhorar um bocadinho que seja na educação dos filhos. E talvez, então, estes já tenham melhores condições para aprender ainda mais e poder-se ser mais exigente nas escolas. Isto não significa nivelar por baixo. Quem quiser aprender sempre mais, pode faze-lo frequentando estudos mais avançados.
Tudo aquilo que defendo não é reinvindicar direitos sem proclamar obrigações. É apenas reinvindicar oportunidades o mais iguais possiveis. Tem razão: o verdadeiro conhecimento exige tempo e sacrifício. Eu acrescentaria que o verdadeiro conhecimento exige desejo. Esse desejo depende em grande medida do ambiente em que crescemos.
Talvez daqui a algumas gerações o ensino já possa ser como V. Exa deseja, mas com mais igualdade de oportunidades como eu desejo.
Tentativa de resposta aos últimos comentários de dois anónimos ao meu post.À laia de preâmbulo para ambos, repito o que já tenho dito outras vezes: o “feef-back” recebido dos post’s que escrevo são para mim preciosos para eu ter a certeza de não estar a falar para o boneco e, por outro lado, colocam-me perante a realidade de que ninguém é senhor absoluto da verdade.
Portanto, o meu agradecimento a ambos os autores dos dois últimos comentários, acrescido do reconhecimento pela forma civilizada com que se me dirigiram, numa época,como escreveu Manuel Sérgio, em que não é compreendido que “contestar a ideia de um certo homem ou defendida por um certo homem não é insultar esse mesmo homem: sabe-se isto no mundo inteiro e só se desconhece no nosso país”.
Mas antes de prosseguir, reconheço que todos os problemas, tal como os sólidos geométricos, têm várias faces pelos quais podem ser encarados.
Passo, agora. a responder aos dois comentários “per se”.
1.º comentário: A sua resposta divide-se em 2 partes.
Na primeira parte é-me feita a pergunta se, no caso de ter sido dada a José Saramago e a Jerónimo de Sousa a oportunidade de seguirem cursos superiores se o teriam feito ou não. Não posso responder por eles, mas, entrando no domínio especulativo, atrever-me-ia a dizer, que dada as suas capacidades intelectuais, gostariam de o ter feito. Mas continuando nesta linha de raciocínio, resta saber, especificamente, no caso de José Saramago, se ele seria o escritor laureado que hoje é ( o também escritor Ferreira de Castro, por exemplo, possuía apenas a antiga 4.ª classe do ensino primário). Por outro lado, a cultura, a verdadeira cultura de um verdadeiro autodidacta, espelhada nas obras que escreveu, leva-os a não serem atingidos pela crítica de Gustav Le Bon: “Grande número de políticos ou de universitários, carregados de diplomas, possuem uma mentalidade de bárbaros e não podem, portanto, ter por guia na vida senão uma alma de bárbaros”.
Se José Saramago ou Jerónimo de Sousa fossem comprar um diploma de licenciatura (a.B., antes de Bolonha) numa universidade privada ou desencantar um doutoramento numa universidade estrangeira fantasma mereceriam o respeito que me merecem como homens que se fizeram â sua própria custa com “sangue, suor e lágrimas”? O mesmo, me atrevo, a ter no que tange à sua opinião.
Quanto à 2.ª parte, bem gostaria de corresponder ao seu alvitre: “viaje, ande pelo mundo” se (o eterno se...) tivesse dinheiro para isso. Nanja que isso fosse condição “sine qua non” para fundamentar as minhas opiniões. Desloquei-me a um Congresso Mundial, anos atrás, em Estrasburgo, tendo passado por Paris. Se nunca tivesse ido a Paris, poder-me-ia ser recusado dizer que Paris é a capital de França?
Estou de pleno acordo consigo quando escreve, passo a citar: “As ordens não defendem a profissão. Defendem quem já tem a profissão. Tal como os sindicatos não defendem os trabalhadores. Defendem os que estão empregados contra os desempregados”. Quer isto dizer que “não há bela sem senão”. São ambos, as ordens e os sindicatos, instituições corporativas que defendem, “à outrance”, embora jurem a pés juntos os seus nobres fins, os interesses dos seus associado que pagam quotas que os sustentam. E, pior do que isso, servem, por vezes, os interesses dos seus dirigentes que se agarram ao tacho com as mão ambas porque não têm mais mãos. Mas o que me parece reprovável, tanto ou mais ainda, é os sindicatos, sob o manto nada diáfano de estarem a defender a “classe trabalhadora”, com medo das ordens profissionais encherem a boca, com o anátema de corporativismo, as ordens profissionais. Aliás, um corporativismo que se agarra ao corpo sindical como uma segunda pele!
É costume dizer-se no rescaldo das guerras: ai dos vencidos! Hoje, com igual ou maior propriedade, se poderá dizer: ai dos desempregados! Mas como diriam os franceses e dizem os governos ao sacudir a água do capote que os encharca até aos ossos: “C’est la vie”, da canção de Edith Piaff. Mas que, nesta doloroso situação, nada tem de cor-de-rosa.
2.º comentário: Atrevo-me a encontrar semelhanças entre a posição por si defendida e a minha. Julgo, no entanto, não ter sido compreendido o meu post (admito, até por deficiência expositiva minha) quando escreve: “Mas porque razão, a não ser pelo provinciano título de dr, (a que eu acrescento o de eng.º), lhe incomoda que as pessoas tenham oportunidades para aprender?” Nada me incomoda que as pessoas queiram aprender. Já me incomoda, e muito, ou mesmo me chateia, passe o plebeísmo, que as pessoas queiram “aprender” apenas para terem graus académicos de pechisbeque, não se dando conta de que “quem o alheio veste na praça o despe”. Oliveira Martins não tinha estudos académicos superiores e foi o historiador que "da lei da morte se libertou”. Quantos doutorados em História terão idêntico destino.
Esta mentalidade, de que dá conta no seu comentário, é uma espécie de idiossincrasia de um povo, ou mesmo defeito nacional, que Almada-Negreiros teve por incompleto, quando escreveu: “Um povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e defeitos. Coragem, Portugueses, só vos faltam as qualidades”.
Incentiva-me, no seu comentário, "a deixar as pessoas a aprender", coisa que não está nas minhas mãos, ao contrário do dever de cidadania de me revoltar publicamente contra uma aprendizagem coxa para fins meramente estatísticos que podem levar, se extremados, a apresentar, mais ano menos ano, uma percentagem de drs. e engenheiros que nos coloque na vanguarda dos países da Europa com maior número de licenciados.
Pelo caminho que as coisas estão a tomar, com as “Novas Oportunidades” e “Prova de Acesso ao Ensino Superior para Maiores de 23 anos”, qualquer dia a escola da exigência, do esforço premiado, deixará de existir, sendo substituída por secretarias que passarão diplomas a troco de dinheiro: tantos euros por licenciatura, mais uns tantos por mestrado e mais uns tantos ainda por doutoramento.
Finalmente, irmana-nos os mesmo desígnios, quais são o de “reivindicar oportunidades, o mais iguais possíveis”, tomando de empréstimo palavras suas. Ou seja, nunca desiguais. Outro ponto de entendimento: a obtenção de graus académicos depende, em grande parte, do meio ambiente. Deduzo que se esteja a referir ao poder económico dos pais e ao seu nível cultural (não entendido apenas como estudos académicos).No entanto, tenho para mim, até prova em contrário, que esse mal não foi erradicado da nossa sociedade. Indivíduos que frequentam a Universidade de Coimbra (noutras universidades se viverá clima idêntico) correm o risco de ter que abandonar os estudos por carências económicas do respectivo agregado familiar. Que direito constitucional à educação existe num país em que no ensino básico se gastam fortunas em livros escolares que mudam de ano para ano, em que os alunos são obrigados a mergulhar de cabeça num oceano de dispendiosas fotocópias, em que os pais gastam fortunas em explicações, mormente, se quiserem que os “rebentos” entrem em Medicina em que são exigidas classificações de ingresso acima dos 18 valores?
Não será isto um direito constitucional que é dado com uma mão e retirado com a outra, quando, conforme veio noticiado publicamente, um desportista que participou nos Jogos Olímpicos da China, numa modalidade pouco conhecida e sem qualquer medalha alcançada, em poucos meses, através das “Novas Oportunidades” e das “Provas de Acesso ao Ensino Superior para Maiores de 23 anos”, em verdadeiros saltos de canguru, transpôs os portões de ingresso em Medicina, deixando à porta centenas de alunos que, apenas por algumas décimas de valor, não entraram tendo sacrificado o melhor da sua juventude em noites insones a queimar as pestanas? Poder-se-á atribuir o objectivo nobre da democratização a um ensino que castiga os mais estudiosos e valoriza os cábulas que seguem o caminho da facilidade de uma aprendizagem a duas velocidades: longa e penosa para uns, e fácil e curta para outros? Para finalizar aqui deixo a hipótese (ou mesmo o exemplo) de um cábula, em usufruto pleno dos prazeres da vida, filho de pais ricos e de elevada cultura, “empregado” na fábrica do pai ou na loja da mãe, que a determinada altura da vida sente que lhe falta um grau académico ou um título profissional a antepor ao seu nome do BI. O desfecho desta história deixo à imaginação, por pouco fértil que seja, de um qualquer leitor: será que ele, em exame de consciência, voltará ao ano do básico ou do secundário que abandonou para prosseguir, pela via normal (ou dos parvos), o caminho de ingresso na universidade?
Já chega de vivermos num país em que ser elitista (ou seja, defender o que há de mais valorizado e de melhor qualidade) é tomado, pelos medíocres e/ou oportunistas, no sentido pejorativo do termo ou, mesmo, como um crime de lesa-pátria. Mas esta discussão está longe de estar encerrada pelos interesse político de angariar votos para ganhar eleições ao arrepio do interesse dos portugueses e da cultura de um povo.
Defender um ensino de qualidade não pode sofrer do vício de ser identificado com a Direita, assim como defender um ensino de descarado facilitismo ser identificado com a Esquerda. Haja em vista a exigente educação dos países de Leste. Querer um ensino de qualidade é perseverar o futuro das gerações vindouras e do seu bem-estar económico e social num país em que a mediocridade ceda lugar ao mérito.
P.S.: O adiantado da hora e o cansaço não me permitiram uma desejável revisão deste meu texto.Peço a benevolência de quem, porventura, o possa ler.
Errata:No 9.º§,penúltima linha, onde se lê "as ordens profissionais", deverá ler-se "das ordens profissionais".
A evasiva de Cavaco (“No meu tempo não era possível. Afinal no passado nem tudo era mau”) com que o sr. Rui Baptista encabeça o seu post, passa liminarmente a mensagem de um presidente que (julgo eu) se sentiria mais à vontade no 24 de abril.
Não sei ao certo se o sr. Baptista se arrola entre os que acham que o 25 de abril nunca devia ter ocorrido, embora haja indícios nesse sentido. Evidentemente que hoje em dia ele tem o direito de pensar o que quiser, sem arriscar-se a ir dentro por motivo das suas opiniões, como era corrente no tempo da outra senhora (nunca é de mais relembrar essa circunstância). Nem aqui se exige ao sr. Baptista uma declaração de fidelidade ao regime democrático, antes de se lhe dar alguma atenção.
O que se pede, ou mesmo se exige, é que o sr. Baptista, com o saber de experiência feito própria ou alheia (das suas numerosas citações já sabemos que alguma veio das leituras que fez), proponha soluções ou a solução que ele dá a entender possuir mas que não revela, vá lá saber-se por quê. Porque o diagnóstico do ensino há muito que está feito, não adianta malhar em ferro frio.
Portanto, sr. Baptista, o senhor, que tem gasto os cinzentos na reflexão deste magno problema, como equacionaria o ensino em Portugal?
Alberto Sousa
Senhor Alberto Sousa:
Nada nos autoriza, nem a mim nem ao senhor, a fazermos juízos de valor sobre os motivos que levaram o Professor Cavaco Silva, Presidente da República de todos os portugueses (em democracia há que aceitar e respeitar o voto popular), a fazer publicamente a afirmação que transcrevi e que, sem recorrer a advinhações, julgo, pela sua leitura e interpretação, que se referia ao facto do que se passa, actualmente, no ensino em Portugal.
Situação a que bem se aplica o diagnóstico de Ramalho Ortigão (1836-1915), que dedicou parte da sua colaboração em “As Farpas”, de parceria com Eça (obra com vários tomos de leitura obrigatória que li e reli, várias vezes, pela descrição de um clima sociopolítico que bem se assemelha ao do Portugal de hoje), a farpear o desastroso ensino do seu tempo.
Em carta dirigida ao Ministro do Rei, escreveu ele: “O estado em que se encontra em Portugal a instrução secundária leva-me a dirigir a V. Excª. o seguinte aviso: se a instrução secundária não for imediatamente reformulada, este ramo de ensino público acabará dentro de poucos anos”. E o que vemos nós hoje? Abrirem colégios subsidiados pelo Estado , enquanto nas escolas de ensino secundários se assiste a uma diminuição drástica da sua população escolar a ponto de quase esmolarem alunos com aliciamentos de puro marketing. Se me permite a constatação de tempos da minha vivência liceal mesmo os filhos de pais ricos e de boa condição social frequentavam liceus de grande prestígio como o Pedro Nunes e o Camões, sem nomear nomes dos seus alunos mais mediáticos que são do conhecimento público.
Os colégios de grande nome, que os havia também, por vezes, serviam para que os progenitores de maiores posses inscrevessem os filhos para evitar o contágio social com estratos menos afortunados que podiam conspurcar os “bons” hábitos trazdos de casa.
Já agora, aproveito a ocasião para desfazer dúvidas, que acredito não ter, pelo andar da carruagem, sobre o meu posicionamento político.Posso explicá-lo com uma coisa tão simples como isto (embora correndo o risco de repetir uma frase de Sophia de Mello Breyner) : “Em nome do antifascismo não se pode criar um novo fascismo”. Ou seja, numa perspectiva maniqueísta não se deve criticar a PIDE e branquear o COPCON . Estas organizações de policiamento político foram um atentado à liberdade e à dignidade de um povo vítima de sevícias antes e depois de 25 de Abril.
Também bem sei que o diagnóstico do medíocre ensino nacional (em que as excepções confirmam a regra) está feito, embora, por vezes, com dados viciados à partida pelos seus responsáveis desde décadas atrás, quando escamoteiam com percentagens estatísticas o valor de um exame sério de ingresso no ensino superior, como o extinto exame “ad-hoc, que avaliava a cultura geral e específica do aluno sem o 12.º ano, substituindo-o por facilitadas “provas de acesso ao ensino superior de maiores de 23 anos” de êxito garantido para todo e qualquer cabulão.
Desta forma, trazer a conhecimento público este diagnóstico, parece-me uma forma de o retirar de gavetas bafientas oficiais que o ecamoteiam na tentativa de tapar o sol com a peneira.
Por fim, desafia-me agora o senhor a apresentar soluções que “dou a entender possuir mas não revelo”. Bondade da sua parte, julgo que apenas isso em me ter capaz de tarefa tão difícil em que até os próprios "sábios" da matéria estão longe de se entenderem.
Portanto, sem qualquer intenção de fazer caixinha, não revelo o que não sei. Limito-me a elencar a eito apenas pistas para uma possível discussão: regresso aos exames nacionais de Filosofia e aos exame “ad-hoc”, progressão de ciclos de ensino, do 1.º ciclo ao secundário, após a demonstração de que foram cumpridos os respectivos objectivos para que o aluno não coxeie até claudicar num exigente ensino superior, extinção de cursos superiores classificados como ensino superior liceal, acabar com a promiscuidade entre o ensino universitário e o ensino politécnico dando a ambos a dignidade que merecem para que o ensino politécnico não seja tido como um ensino universitário de segunda categoria, finalmente, não acusar os professores da responsabilidade poreste "statu quo",etc. E faço-o por dois motivos:
- 1.º A análise dos males do ensino deve assumir o papel dos meios auxiliares de diagnóstico na doença que são feitos através de radiografias (ou meios mais sofisticados como, por exemplo TAC e TEP) e análises (análise ao sangue, análise às urinas, etc.) sem exigir dos seus técnicos, mesmo que médicos de formação, que indiquem a terapia a seguir para debelar a malignidade da doença.
- 2.º Assim, a terapia deve ficar ao cuidado de especialistas ou assi tidos, ou seja dos ministérios que dirigem o ensino não superior e o ensino superior em conjugação de esforços para que não sejam receitados medicamentos que se anulem nos seus efeitos, ou sejam mesmo prejudiciais uns aos outros, para que as mazelas que o sistema educativo apresenta não morram da doença mas da cura em mãos inábeis, ainda que (dando o benefício da dúvida) bem intencionadas dos titulares dos cadeirões do prédio da 5 de Outubro e do Palácio das Laranjeiras. Não é bem verdade que de boas intenções está o inferno cheio?
Nas 1.ª e 2.ª linhas do último § do meu comentário anterior, verificou-se uma gralha. Deverá ser feita a seguinte correcção: "especialistas dos ministérios".
Depois de ler alguns tristes comentários, ainda nao percebi afinal qual é o problema.!! se é a oportunidade que é dáda ás pessoas, ou o medo de élas concluirem um curso. Se têm a consciençia que são bons, nao precisam de se sentir ameaçados.
"Anónimo": Só por acaso, me deparei com o seu comentário a que subjaz,segundo julgo, a intenção de ser clarificada uma situação educativa e social que merece ser discutida.
Assim, o problema não reside na alternativa que coloca: ser a oportunidade que é dada às pessoas ou o medo de elas concluirem um curso". Para mim, o problema reside no oportunismo em facultada às pessoas a continuação de estudos para elas concluirem um curso para efeitos estatísticos com a facilidade de quem bebe um copo de água.
Disso mesmo nos deu conta o falecido Francisco de Sousa Tavares (um homem assumidamente de esquerda, antes e pós-25 de Abril) quando disse (cito de memória) que dantes Portugal era um país de analfabetos e hoje é um país de burros diplomados!
Ou seja, o ideal seria o analfabeto ter condições de deixar de ser analfabeto, sempre uma possibilidade. Agora a burrice é irreversível por mais diplomas que atestem uma "sapiência" do género do vinho feito a martelo!
É por isso que eu tenho em real apreço o verdadeiro autodidacta como, por exemplo, o escritor José Saramago, habilitado com um diploma das antigas escolas industriais, Prémio Nobel da Literatura e senhor de um cultura geral que sobreleva muitos diplomas académicos universitários, mesmo aqueles obtidos com "sangue, suor e lágrimas" em longos e aturados anos de estudo.
Das duas uma: ou a pessoa quer aprender para saber ou mesmo sem saber quer que lhe seja dado um diploma obtido às três pancadas.O problema é este, tão-só este!
Errata: Na 3.ª linha do 2.º§ substituir "oportunismo em facultada" por "oportunismo em ser facultada".
Só hoje dei (como diz o povo, mais vale tarde do que nunca) pelo erro grosseiro por mim cometido nas 2.ª e 3º linhas do 2º § do comentário por mim subscrito em 29/04/2009 às 03:51.
Reproduzo parte desse meu comentário: "como escreveu Manuel Sérgio (...)“contestar a ideia de um certo homem ou defendida por um certo homem não é insultar esse mesmo homem: sabe-se isto no mundo inteiro e só se desconhece no nosso país”.
Não me referia, obviamente a Manuel Sérgio mas, isso sim, a António Sérgio. Correcção feita com o remorso de tamanha e tão grave confusão.
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