segunda-feira, 13 de abril de 2009
Alguns mitos e erros sobre o nuclear
António Jardim, engenheiro nuclear formado em Saclay em 1969, fez-nos amavelmente chegar uma lista de "mitos e erros sobre o nuclear", que ele costuma apresentar em sessões de divulgação da energia nuclear. Dado o seu valor didáctico, publicamo-la aqui com os devidos agradecimentos (na foto a central Angra 1, em Angra dos Reis, no Brasil):
– Que aspecto tem uma central nuclear?
Sistematicamente e desde o saudoso Afonso Cautela, primeiro ecologista activo português, as fotos que aparecem na imprensa de supostas centrais nucleares, são na realidade de gigantescas torres de refrigeração de água, como existem hoje em Portugal nas centrais do Carregado e do Pego no Tejo, e que são utilizadas em qualquer tipo de indústria que necessite arrefecer água antes de a rejeitar. Há centrais nucleares sem as torres. A central nuclear está geralmente dentro de um contentor cilíndrico em betão e é muito mais pequena que as torres, como qualquer pessoa que vá a Madrid de carro pode verificar a cerca de 100 km da fronteira, junto a Almaraz. A imagem pode ser meramente metafórica, mas o facto é que muita gente acredita.
- Uma central nuclear pode ser uma bomba atómica?
Não. A massa crítica de U235 para produzir uma explosão é de cerca de 50 kg e a de Pu239 cerca de 16 kg e a forma tem de ser compacta (esférica), (embora tal seja num conceito primitivo sem reflectores de neutrões e 25% eficiente). Tal não pode acontecer numa central nuclear, nem no caso de um derretimento do núcleo (o pior acidente possível), como em Chernobyl e antes em Three Mile Island.
– O desastre de Chernobyl pode repetir-se?
Sim, mas apenas num dos 11 reactores tipo RBMK ainda em funcionamento, embora actualmente tenham sido feito vários progressos na sua segurança. Os reactores do conceito inicial americano, canadiano ou europeu são dotados, ao contrário do de Chernobyl, de um contentor exterior de betão armado, com mais de 2 m de espessura, projectado para resistir ao impacto directo de um Jumbo 747 e para impedir fugas de radiação em caso de acidentes graves. Por isso o acidente de Three Mile Island, semelhante ao de Chernobyl, não libertou quantidades significativas de radiação para as populações (havia 25.000 habitantes num raio de 10 km, que não precisaram de ser evacuados).
- Há que ter uma central nuclear para produzir a bomba?
Não. Para uma bomba atómica de U235 (tipo Hiroshima) “basta” ter acesso a urânio natural e dominar a tecnologia de enriquecimento. Para uma de Pu 239 (tipo Nagasaki) já é preciso ter tecnologia para separar o plutónio do combustível usado e, portanto, também capacidade de reprocessamento e uma central. Para a bomba de hidrogénio, além da bomba atómica (gatilho), é preciso ter acesso a deutério e lítio, bem assim como tecnologia sofisticada. No entanto, uma arma nuclear “primitiva” de urânio é relativamente fácil de produzir.
– O custo principal duma central nuclear é o combustível?
Não. O custo do combustível normalmente não ultrapassa os 10% dos custos totais. Os custos principais são a amortização e juros do investimento, seguidos dos de encerramento da central em fim de vida. Um custo que por vezes não é tido em conta (quando é pago só pelo Estado), mas que pode atingir valores unitários elevados no caso de poucas centrais, é o incremento obrigatório do órgão público de regulação para o adequar à nova função. Este custo, no entanto, é muitas vezes cobrado ao operador sob a forma de impostos, taxas, etc. Há também que não esquecer os custos de gestão do combustível usado e, muitas vezes, o reforço importante das linhas eléctricas etc.
– A chamada “bomba suja” é uma bomba atómica?
Não. Chama-se normalmente “bomba suja” a uma bomba cheia de material radioactivo diverso mas não físsil, que é disperso por um explosivo convencional colocado no interior da bomba. Claro que pode ser altamente perigosa a curto e médio prazo, mas não é do tipo da bomba atómica. No entanto, todas as armas nucleares são “sujas” pois, por exemplo, o explosivo não é totalmente consumido.
– A questão do tratamento e deposição do combustível nuclear e outros materiais irradiados está correctamente resolvida?
Não. Embora tenha havido alguns (poucos) progressos a questão subsiste. Ainda não há processo aceitável para neutralizar os resíduos radioactivos, alguns dos quais com períodos de decaimento (meia-vida) superiores a 10.000 anos. Claro que há materiais recuperados, mas a maior parte é depositada em contentores próprios em cavernas ou minas de sal gema desactivadas, aguardando uma solução futura.
António Jardim
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12 comentários:
Não vou gostar de ver este blog, que tenho considerado excelente, tornar-se num blog meramente propagandista do nuclear.
Ao menos um pouco de contraditório, por favor.
"dotados, ao contrário do de Chernobyl, de um contentor exterior de betão armado, com mais de 2 m de espessura, projectado para resistir ao impacto directo de um Jumbo 747 e para impedir fugas de radiação em caso de acidentes graves."
Não percebo.
Se o núcleo não é arrefecido seja porque razão for, está a dizer que uma parede de betão de 2 metros não será derretida como manteiga? Ate um simples fogo químico dá cabo do betão!
Na minha opinião (de quem estudou uns anitos física) a parede de betão de 2 metros vai-se comportar realmente como manteiga ao lume caso o core de urânio comece a derreter.
Estou errado?
Quer ajudar no esclarecimento?
Que temperatura pode atingir o core se a reacção nuclear não for arrefecida?
Que temperatura aguenta o betão mais forte partindo do principio que os metais usados não são o simples ferro e cimento usado na construção civil mas sim compostos criados para esta aplicação?
Vamos ser sérios e colocar aqui valores preto no branco?
É que se é para desmistificar há que ser rigoroso, claro e transparente.
Muito bem.
Muito interessante.
Gostaria de ver algumas questões técnicas discutidas em relação a uma central portuguesa. Foi-me dito por um Eng.º que uma central em Portugal dificilmente faria sentido devido ao perfil de gasto energético pouco compatível com uma central nuclear (iria-se produzir energia a mais para a rede levando inevitavelmente a ter que tirar essa energia para a "terra") de média potência e que uma de "pequena" potência não seria economicamente rentável a nível dos investimentos necessários para a construir, manter e desmantelar). Nunca ví este aspectos discutidos... somente o "nuclear, não obrigado" que polui a maioria das mentes.
Sobre o «nuclear, não obrigado» - mas é evidente que estas questões (embora possam ser discutidas) são periféricas à questão central da nocividade do nuclear e são uma maneira sofística de poluir as mentes... dos fiéis submissos aos «status quo's» científicos que, do alto da cátedra debitam as teorias do momento como panaceias, para as massas (que como sabemos, sorvem as ideias de «iluminados», políticos, fazedores de opiniões e outros ideólogos «residentes» e a elas aderem, desde que tenham o carimbo de/do «cientificamente/clinicamente testado).
Anónimo :
Para mim estas e muitas outras questões não podem nem devem ser de Fé. A situação "diga-me o que quer que eu arranjo a argumentação" não me agrada.
No entanto posso dizer-lhe que sou anti Central Nuclear em Portugal, mas certamente por razões diferentes das suas. Este blog, tanto quanto sei, pretende ser cientifico e não liturgico.
Pleno :
Agradeço que não use mais "piropos" do genero "vamos ser sérios" ! A mim perturba-me bastante e não vale a pena. Quanto à substância : O contentor de betão é a terceira barreira do sistema. Em caso de acidente de derretimento do nucleo há os sistemas de emergência, o contentor metálico e só depois o contentor em betão. Tambem não é fácil haver incêndios pois tirando nos casos do moderador ser grafite (Chernobyl) poucos combustiveis mais há dentro da zona do nucleo. Mesmo no caso de Chernobyl o incêndio foi facilitado pela explosão anterior, que forneceu o ar necesssário. Em TMIsland o nuleo derretido ficou dentro do contentor metálico, não atingindo sequer o de betão. Tambem não se esqueça que ao derreter o nucleo e destruir o moderador a criticalidade desaparece, a reacção em cadeia pára e fica "apenas" o calor "latente" de decaimento. O cenário que julgo que pressupõe : massa matálica liquida mais incêndio creio ser impossivel. Quanto a temperaturas o derretimento do nucleo deve atingir os 1200 º C, o betão normal começa a danificar-se aos 100 ºC (evaporação da humidade) e há massas de revestimento que aguentam entre 400 e 1300 º C.
Como curiosidade informo que foram desenvolvidas para os tuneis, em que se considera como pior acidente o despiste e incêndio de um camião cisterna. Há 440 centrais nucleares civis no Mundo a operar e, até hoje, houve 8 acidentes pequenos (quase todos iniciais) e dois (TMIsland e Chernobyl) considerados verdadeiramente graves.
Hotboot :
Agradecendo informo que pessoalmente nunca ouvi essa explicação no entanto é um facto que as Centrais Nucleares têm de fazer base para serem rentáveis. Muito mais importante parece-me ser o necessário reforço gigantesco da rede e ligações a Espanha e já não termos qualquer organismo de tutela activo como a antiga Junta de Energia Nuclear.
Augusto Cardeal :
Já não tenho idade para considerar que a "emoção tem tanta força como a razão". Mas tenho a suficiente para me lembrar da incineradora de S. João da Talha que segundo muitos produziria um verdadeiro genocidio nas zonas anexas, chegando a prever-se dezenas de milhares de mortes adicionais por cancro no Concelho de Loures ou da extinção da fauna de aves aquáticas prevista por Joanaz de Melo, devido à construção da Ponte Vasco da Gama. Quando passar por lá não se esqueça de ver os flamingos.
"Ainda não há processo aceitável para neutralizar os resíduos radioactivos, alguns dos quais com períodos de decaimento (meia-vida) superiores a 10.000 anos."
Só esta razão é suficiente para se ser contra o nuclear.
Perante a qualidade dos posts e a reacção de muitos dos comentadores, cada vez mais me convenço de que os autores do blog estão a atirar pérolas a porcos.
Armando Quintas :
Há uns anos esta argumentação era decisiva e estou mesmo convencido que foi a grande responsavel pelo "congelamento" da energia nuclear nas décadas de 70 a 90.
No entanto, depois da confirmação do "efeito de estufa" e da importância do CO2 antropogenio na sua existência, a sociedade civil foi posta perante o terrivel dilema : o que é pior para as gerações futuras, produzir CO2 ou residuos radioactivos ? Claro que se se soubesse préviamente que o sequestro de carbono teria uma solução tecnica e económica mais cedo
ou vice-versa, a nossa posição como habitantes do Planeta (o caso português tem outros "ses") era facilitada, mas o facto é que as "soluções"
para o sequestro ainda são até agora bastante "exdruxulas" e, que eu saiba, poucos ou nenhuns progressos tem havido nos residuos. De notar que a produção de electricidade, mesmo sem o provavel advento dos carros electricos, vai
aumentar e se a poupança e as renovaveis ajudam muito, não aparentam ter o potencial para substituir totalmente as térmicas convencionais ou nucleares.
Caro António Jardim, um bem haja enorme por se predispor a discutir o assunto. Infelizmente surgem demasiadas vezes posts aqui no DRN que colocam uma posição mas que depois não a discutem. Suponho que os seus autores nem sempre tenham tempo (é normal, eu também não o tenho sempre e serei algo menos atarefado que alguns deles), mas é sempre bom ver que há quem o faça. Agradeço-lhe sinceramente.
Deixo-lhe uma questão: como encara a questão da poluição térmica dos cursos de água usados para o arrefecimento das centrais? Segundo creio, durante a operação propriamente dita (fora a questão específica dos resídus, portanto), será este o maior problema ambiental que as centrais nucleares apresentarão.
Quanto à questão dos resídus radioactivos, muitas pessoas colocam a questão apenas em torno da radiação. Infelizmente, os resíduos são também muitíssimo tóxicos, sendo que o seu armazenamento em minas ou outros depósitos subterrâneos, ainda que possam resolver por alguns milhares de anos a questão da radiação, poderá tornar-se uma bomba ao retardador em termos de contaminação de terrenos e lençóis freáticos. Pelo menos é esta a minha impressão, estou errado?
Há alguma previsão de quanto tempo demoraria ate que se gastassem as reservas conhecidas de combustível nuclear caso se substituíssem as actuais centrais a carvão por centrais nucleares? Mesmo que apenas 50% delas, digamos?
Última questão: poderá dizer qual é a potência do reactor nuclear experimental de Sacavém (salvo erro), que tipo de reactor é e qual o combustível usado?
João Sousa André :
Muito obrigado pelos agradecimentos. Se calhar tenho mais tempo que os outros que refere!
Passando às perguntas :
- A poluiçao térmica existe não só no nuclear como em todas as outras industrias que aqueçam água no seu processo produtivo. Veja o caso da Central do Pego (Abrantes), a carvão, e que necessita de 2 enormes torres de refrigeração. Normalmente as legislações impõem que a água não saia a mais de 10º C do que entrou pois depois de se misturar o aumento de temperaturas será mais baixo (apx. 4 º C) o que é considerado aceitável ecológicamente. Mas claro que o assunto tem de ser estudado caso a caso pois depende do ecosistema, correntes etc. Em Setubal deu-se um caso curioso pois o aumento de temperatura deu azo ao aumento de linguados para gáudio dos pescadores de fim-de-semana. Para resolver este problema de aumento do calor a industria tem 3 soluções principais : torres de refrigeração, água do mar nos condensadores ou, como julgo que em Almaraz, ir buscar a água à barragem e repô-la no principio pois durante o percurso ela arrefece naturalmente. De qualquer maneira todas exigem simulações dificeis. A central nuclear, como tem um rendimento térmico baixo (apx.32%) é a pior em aquecimento da água enquanto a de gás em ciclo combinado (as novas Tapada do Outeiro e Carregado)são as melhores (rendimento apx. 52%) ou seja para uma potência de 1000 Mweléctricos uma nuclear polui térmicamente com 2100 Mwtérmicos e uma a gás com menos de 1000.
- Há efectivamente vários produtos tóxicos dos quais um dos principais é o Pu239. Claro que todos dizem que os contentores (betão, aço etc.)são garantidos por milhares de anos mas há duvidas legitimas. De qualquer forma estarem acessiveis a monitorização e inspecções é mais tranquilizador que no fundo do mar como há uns anos, razão porque tal foi proibido.
- Não sei dizer-lhe sobre a substituição das centrais a carvão mas as reservas conhecidas de uranio dão para 300 anos sem "breeding" e cerca de 3000 com "breeding". O "breeding" é a possibilidade de fabricar combustivel no nucleo por irradiação, o que é real. O exemplo mais conhecido é o Tório 232>To 233>U233 que é fissel. Como vê pode ser do maior interesse.
- O reactor de Sacavem é um experimental, tipo piscina, com 1 Mwtérmico de potência e usava uranio enriquecido a 93%. Agora parece que é a 20%. Serve para produzir isótopos para a medicina, detectar metais pesados, datacção arqueológica etc. Não produz claro electricidade
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