segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A recepção de Darwin em Portugal: Resposta a Maria Filomena Mónica

O "Público" de 3 de Janeiro publicou a seguinte carta da socióloga Maria Filomena Mónica sobre o meu artigo "Feliz Ano Darwin!" que tinha saído no dia anterior:
Darwin em Portugal

Carlos Fiolhais teve o mérito de ter sido o primeiro a chamar a atenção, logo a 2 de Janeiro, para o duplo centenário de Darwin: do nascimento em 1809 e da publicação de A Origem das Espécies em 1859. Mas falha no que diz respeito ao carácter obsoleto da Universidade de Coimbra no século XIX. Longe de mim vir a público defender o mérito científico da instituição. O que acontece é ter ela sido pintada com cores demasiado escuras pelos mais famosos dos seus alunos. Fiolhais defende que as ideias de Darwin chegaram a Portugal com "demora". Não é verdade. Como o não é a tese de que a obra de Darwin tenha sido abafada.
Em 1865, ou seja, seis anos apenas após a publicação da sua mais polémica obra, um professor de Botânica, Júlio Augusto Henriques, doutorava-se com uma tese sobre Darwin. No In Memoriam sobre Antero, Eça de Queiroz, que chegara a Coimbra em 1861, escrevia: "Cada manhã trazia a sua revelação como um sol que fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico e Proudhon; (...) e Poe, e Heine, e creio que já Darwin, e quantos outros". Mais tarde, quando Arruda Furtado publicou O Homem e o Macaco não achou nada melhor do que enviar o livro a um dos maiores proprietários açorianos, José do Canto - de quem aliás fora guarda-livros -, sem pensar um segundo que o poderia chocar. Em suma, o que aconteceu foi que, num país onde ninguém lia a Bíblia, poucos se interessaram pelo darwinismo.

Maria Filomena Mónica, Lisboa
Agradecendo o comentário por parte de uma autora que leio sempre com muito agrado, gostaria de citar o Prof. Germano Sacarrão, da Universidade de Lisboa, infelizmente já falecido (que falta ele nos faz neste ano Darwin...), que afirmou de um modo bem claro:
"Em Portugal nunca se deu importância à realidade fundamental da evolução biológica, nunca se tomou a sério o facto de que nada em biologia faz sentido a não ser à luz da história evolutiva, de uma problemática de mudança e adaptação" ("O darwinismo em Portugal", Prelo, 7, Abr.-Jun. 1985).
O que eu disse, lembro, foi:
"(...) se hoje os cientistas são todos darwinistas, há 150 anos, quando foi divulgada a revolucionária teoria de Darwin, não havia entre nós quase ninguém interessado nas ideias do inglês. (...) A demora com que as ideias de Darwin chegaram até nós é sintomática do nosso atraso científico no século XIX. "
Julgo que é incontestável que em 1859 e anos próximos quase ninguém em Portugal se interessou pelas ideias de Darwin. Claro que o botânico Júlio Henriques (passo todos os dias na Alameda com o seu nome ao lado do Jardim Botânico de Coimbra) falou dele em 1865, mas foi só passados seis anos e foi uma voz quase isolada (Jaime Batalha Reis também refere Darwin em 1866). Uma andorinha não faz a Primavera e muito menos o faz quando voa no Verão. Preferi falar de Arruda Furtado, até porque, que eu saiba, Darwin não escreveu a Júlio Henriques.

E julgo que o nosso atraso científico no século XIX é incontestável, o próprio Antero, cuja filosofia está permeada pelas ideias de Darwin, falou desse atraso nas suas "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares". Talvez um dos melhores indicadores do nosso atraso tenha sido os 54 anos de demora da tradução em português da "Origem das Espécies". Não era um livro técnico e de difícil leitura e sucederam-se de imediato as traduções em várias línguas. Mas só houve edição portuguesa, pasme-se, em 1913, quando já havia cerca de 150 edições inglesas, 20 alemãs e 12 francesas (a língua portuguesa foi a 15ª, vindo até depois do japonês, sendo o Japão nessa altura um país muito atrasado). Ver a este respeito o interessante livro "Darwin em Portugal" de Ana Leonor Pereira (Almedina, 2001).

5 comentários:

Carlos Medina Ribeiro disse...

Caríssimos,

Embora não venha a propósito deste post, aqui fica uma informação que pode interessar a alguns de vós:

Às 17h25m de hoje, o Sorumbático (onde, por coincidência, M.F. Mónica colabora)faz 4 anos, o que será comemorado com a oferta de mais de uma dúzia de livros, de entre os quais saliento:

«O Cheiro da Madeira» (Galopim de Carvalho), «Bica Escaldada» (Alice Vieira), «Livro de Assentos» (Joaquim Letria), «Cantos Falados» (Pedro Barroso), «Morte na Picada» (Antunes Ferreira), «Assim Acontece... na Rádio» (Carlos Pinto Coelho), «Cão Velho Entre Flores» (Baptista-Bastos), «A Matemática das Coisas» (Nuno Crato) e «O Natal do Sinaleiro» (J. L. Saldanha Sanches) - ver [aqui]
.

Xico disse...

A não tradução do livro não pode significar coisa alguma. A tradução só interessava a quem lesse. Ora num país onde ninguém lia (ninguém lê), não fazia sentido a tradução, porque qualquer universitário sabia, na altura!!!, suficiente francês para o ler nessa língua. Ainda hoje os universitários têm de ler os seus livros em inglês ou outras línguas. Ou pensam que há traduções portuguesas dos livros científicos? Será por culpa do cardeal patriarca??? A igreja católica é sempre culpada. Estivesse ou não presente ao assunto.
Já cá faltavam também os judeus e os protestantes.
O certo é que os jesuítas foram expulsos e, como neste blog já se disse, muitos desses portugueses jesuítas foram depois grandes cientistas no estrangeiro.
A expulsão dos jesuítas e a reforma pombalina foram também razão para o atraso português. Mas não é politicamente correcto dizer-se!
Se o Antero fosse vivo, como explicaria ele a decadência dos povos peninsulares? É que a caricatura do pároco (muito por força da expulsão das ordens religiosas que expulsaram os clérigos intelectuais e pensantes para ficarem com o pároco burgesso) da aldeia já não colhe! Porque ninguém lhe liga há muito e a decadência continua apesar do Magalhães!
Alguém falou em protestantes. Quais? Aqueles que são anti- Darwin e criticam os jesuítas pela vacinação contra a varíola?

Pedro disse...

Não foi acerca da Universidade de Coimbra que Raúl Brandão escreveu nas suas Memórias, que a única forma de iluminar alguém seria deitar-lhe fogo? Se assim foi, pelo menos em finais de século XIX a Universidade de Coimbra teria algum carácter obsoleto.

(O facto de me referir a MFM no meu post de hoje é pura coincidência!)

António Viriato disse...

Dou algum reforço aos comentários deste nosso confrade acima, Xico de seu nome.

A ladainha anti-católica do tempo do Antero ainda poderia aceitar-se, por ser fruta do tempo.

Também Oliveira Martins e o Eça glosaram o tema do atraso luso causado pela dinastia dos Braganças, a Inquisição e a Igreja em geral : écrasez l'infame, já dizia também o anti-clerical Voltaire, filósofo e escritor de muitos reais méritos, reconheça-se.

Mas foi também o mesmo Oliveira Martins que, na sua obra Antropologia das Raças Humanas, assemelhou os Pretos aos demais Primatas das selvas africanas, não lhes reconhecendo capacidades intelectuais típicas de Humanos.

No entanto, nunca vi nenhum esquerdista referir-se a este argumento do progressista O. Martins, noutros pontos de contribuição cultural assaz meritória.

Porque tanto se persiste na responsabilidade da Igreja no atraso português ?

Depois da fúria pombalina, já os iluminados republicanos fortemente bateram nessa mesma tecla, tendo levado o País a um estado de quase anarquia e insolvência, em pouco mais de um decénio.

E hoje, então, com tantas Universidades, Públicas e Privadas, tantos Doutorados, Investigadores e Cientistas, porque não progride igualmente o País ?

Será ainda responsabilidade da Igreja ?

Quando deixaremos estes velhos, estafados e grandemente infundados argumentos sobre a responsabilidade do nosso atraso ?

Quando assumiremos uma atitude mais de acordo com os tempos científicos que vivemos ?

Confio no critério tolerante dos membros deste conspícuo fórum de debate de ideias.

António Viriato disse...

Corrijo o título da obra de Oliveira Martins atrás referida: «As Raças Humanas e a Civilização Primitiva».

Uma outra obra de OM de tema afim, que originou a confusão, é a intitulada «Elementos de Antropologia».

Ainda relacionado com este assunto, existe um excelente livrinho do eminente entnólogo português Manuel Viegas Guerreiro, com o título de «Temas de Antropologia em Oliveira Martins».

Este livrinho muito útil, da extinta colecção Biblioteca Breve, trata de forma didáctica as ideias de Oliveira Martins em matéria de Antropologia, por vezes surpreendentes pelos preconceitos que revelam, embora, na altura, essas mesmas ideias fossem desposadas pela fina flor dos estudiosos europeus destes temas.

Estranhamente, a respeito de Oliveira Martins, nunca encontro nada destas matérias nos múltiplos debates públicos havidos pelo País fora.

Será proibido tocar em tais assuntos ?

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