sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
O senhor é que é filho de Deus!
Uma perspectiva pouco usual sobre o insulto, mas esclarecedora.
Em primeiro lugar, porque poucas pessoas religiosas se apercebem que dizer a um ateu que rezam por ele ou que ele também é filho de Deus ou qualquer coisa desse género é por vezes sentido como insultuoso pelo ateu.
Em segundo lugar, porque muitas vezes essa pretensa reza é uma forma velada, mas ainda assim visível, de insulto. E nestas coisas, como noutras, mais vale ser sincero e insultar a pessoa abertamente. É como aquela tolice de se dizer "oiça, meu caro amigo, ..." quando na verdade se quer dizer "oiça, minha besta..." -- tendo esta última a vantagem de não emporcalhar a semântica e de ser mais honesta.
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22 comentários:
Pois Desidério, agora tocaste num aspecto curioso que eu referi num dos comentários: é que parece que uma boa parte das pessoas tem formatada uma qualquer noção de boa educação e insulto sem nunca ter pensado muito no assunto. Eu não sou mal educado se fizer todo o tipo de ataques à pessoa decorados com linguagem pomposa, o que mostra que sou um gajo de boa cultura, boa formação. Mas se fizer o mesmo, mas com palavras consideradas menos apropriadas consideram-me de imediato um jocoso mal educado. A propósito o Gato Fedorento tem um sketch fabuloso, "o maior da minha aldeia". uma vez estava a comentar esse sketch com professores e quando tal topei que a maior parte das pessoas pensavam que o sketch era dirigido ao povão e não a pessoas com formação académica. O que há de surpreendente nisto? A falta de capacidade auto crítica já que esse skech tanto se dirige ao gajo que é pescador e é um gabarola como ao típico académico que é também um gabarola preguiçoso. o que ali está a ser satirizado é esta gabarolice. A diferença entre o gabarola pescador e o gabarola académico é no recurso a palavras para encher nada mais.Por acaso esta porcaria deve ser desmascarada.
As porcarias devem ser todas desmascaradas, e para isso os Gato têm estado muito bem nessa tarefa, ainda por cima com grande humor.
Os interessantes artigos que Desidério Murcho e Palmira da Silva trouxeram ultimamente a este blogue têm-me suscitado reflexões no sentido de rever algumas das minhas posições, mesmo concordando com eles em relação à generalidade das posições que têm defendido. Claro que se cada um pensa pela sua cabeça e é livre, é quase impossível haver acordo em tudo e a cem por cento.
Apesar de o Desidério raramente indexar tópicos nos “labels” das suas postas, no artigo “liberdade e insulto” indexou política. Por seu lado a Palmira na posta “blasfémias” indexou religião. Ora, eu acho que dentro dos campos da filosofia estes temas teriam ainda mais cabimento na ética. E no debate ético vem à superfície o conceito de valor. Um outro tópico seria psicologia, para percebermos melhor por que é que as pessoas reagem de determinada maneira e não de outra aos insultos. As pessoas muitas vezes não reagem de certa maneira a insultos só porque lhes dá na real gana, mas porque simplesmente a real gana não obedece ao famigerado livre arbítrio.
Ficando-me pela ética, não se percebe muito bem se o Desidério é a favor de uma posição prescritivista, ou não. Em outros artigos que tem escrito, apesar de serem mais utilitaristas do que categoristas, parece-me que defende o prescritivismo em alguns aspectos da ética. Ora, se admite o prescritivismo, para ser coerente teria que aceitar alguns imperativos kantianos. Isto significa que a liberdade não pode ser uma coisa à tripa-forra.
Mas se estou enganado e o Desidério não é um prescritivista, então tudo bem. Mas neste caso defende que os valores são factos do mundo, e então é um realista ético. Exemplos de realistas éticos são os naturalistas como a Palmira da Silva e o Ludwig Krippahl. Dão a entender que os valores são factos naturais, isto é, susceptíveis de serem investigados pelas ciências da natureza.
Só quando o sistema educativo nas escolas fizer educação das emoções, ensinar a reagir emocionalmente de uma forma positiva e saudável aos insultos (que surgem mais tarde ou mais cedo), é que podemos esperar que as pessoas reajam com inteligência e com o coração educado. Só com o coração educado podemos lidar eficazmente com as emoções negativas. E lidar eficazmente é ter o comportamento mais adequado no momento em que as emoções ocorrem.
Até lá, Boas Festas.
Não posso estar mais em desacordo.
Essa perspectiva apenas mostra que o Ateu é uma besta quadrada.
Ao dizer que rezam por ele, os religiosos apenas querem dizer que,apesar de o ateu não se considerar, eles continuam a considerá-lo com um deles, como um irmão, como alguém a quem também prestarão ajuda, em caso de necessidade.
Achar que isto é um insulto é prova provada de ser estúpido!
Claro que o ateu é sempre uma besta quadrada, especialmente se for eu.
Mas o insulto pode existir se o crente não estiver a dizer que vai ajudá-lo, estando antes a insinuar que o ateu é uma besta tão grande que não vê que existe o deus em causa, apesar de estar à frente dos seus olhos. É um pouco como declarar que quem não vê que um dado quadro é realmente superlativo é porque é uma besta ignorante, fazendo então nós votos para que um dia consiga sair da sua caverna para ver a Verdade. Isto é insultuoso porque é pressupor que nós temos um acesso privilegiado à verdade que o outro, por ser uma besta, não tem.
Uma das emoções negativas mais frequente no insulto é a ira. Esta impulsiona para a acção, que resulta geralmente na agressão. Os padrões neuronais destas situações já foram tipificados neurocienticamente, que depois foi possível modificar em estudos controlados. Uma forma natural de ajudar os jovens a controlar a ira é proporcionar-lhes alegria de viver. É isso que de forma enviesada fazem os “gato fedorento”.
Claro que seguindo a linha do que venho escrevendo, se dissermos a uma criaça: “não digas aos outros aquilo que não gostas que te digam a ti” estamos a educá-la no sentido que venho defendendo. No entanto muita gente diria que essa frase é um plágio do que vem escrito em textos que mais coisa menos coisa datam do primeiro século D.C., que dão pelo nome de evangelhos sinópticos, e que alguns jurariam a pés juntos que foi Jesus que ensinou isso. Ora, é aqui que começa a bater o ponto. E é este ponto que não tenho nenhum interesse em disputar, porque para mim é uma mera perda de tempo. É a apropriação das religiões por estas coisas que acho abominável.
Acho essa coisa de chamar bestas às pessoas evitável. Também não é preciso ser cínico e chamar amigo a quem achamos umas bestas.
Parece que estás viciado na verdade, demasiado viciado, imagino que até ficas chateado quando o Cristiano Ronaldo finge que vai para a esquerda e depois vai para a direita para marcar golo. Há boas mentiras, como o Pai Natal.
Ora pensa lá um bocadinho enquanto comes a sopa.
Claro que chamar bestas às pessoas é evitável. Mas ser cínico também é evitável. O que eu estou a dizer é que entre o cinismo e a sinceridade, a última tem a vantagem de clarificar as coisas.
Quanto a saber se o Pai Natal é uma boa mentira, isso já é mais problemático. Mesmo que haja boas mentiras, este não é um exemplo incontroverso de uma mentira boa. Há outros exemplos muitíssimo melhores.
Esta alternativa entre ofensa e verdade (tal como colocada pelo Desidério) tem muito que se lhe diga.
O Desidério defende que não devemos sancionar quem diz "você é uma besta", porque isto exprime uma opinião e que os méritos dessa opinião so devem ser aferidos à luz do teste : sera que é verdade ou não (subentendendo que nunca podemos excluir completamente que seja verdade) ? Isto é um pouco como se fôssemos admitir que deve existir uma exceptio veritatis no caso da injuria (ou do insulto) como no caso da difamação.
Mas não é assim.
E se fôr verdade que "você é uma besta" ? Não pode ser verdade se estamos a falar de uma pessoa, e devemos considerar que qualquer ser humano é uma pessoa. Isto por razões éticas evidentes.
E se fôr verdade que eu penso que você é uma besta ?
A falacia esta aqui : neste caso, posso pensar que você é uma besta (liberdade de pensamento), posso escrevê-lo no meu diario intimo, posso dizê-lo em confidência aos meus amigos, posso mesmo escrever um texto cientifico dizendo "eu vou procurar defender cientificamente que a expressão "você é uma besta" é verdadeira, por favor você não veja nisso nenhuma ofensa, isto é unicamente teorico" (duvido que esse discurso possa manter-se muito tempo, em termos cientificos, e que alguém me va aceitar a tese, mas enfim, isto é outra historia).
Agora o que não se pode tolerar é que eu me comporte socialmente como se fosse uma verdade aceite, e deva ser admitido pelos outros como verdadeiro, a começar pela pessoa que esta debaixo da palavra "você", que "você é uma besta"...
Ora é exactamente o que eu faço quando injurio alguém dizendo "você é uma besta"...
Isto roda tudo em volta da ambiguidade da palavra "verdade". Por muito respeitavel que seja a busca da verdade, ela tem sempre um limite, que consiste em impedir que uma verdade seja imposta a não ser pela persuasão. Penso que os adeptos de uma concepção radical da liberdade de expressão concordarão com isso.
Mas quando levam a sua teoria ao ponto extremo de excluirem a sanção da injuria, estão a dizer que a verdade pode ser afirmada em detrimento do respeito que devemos ter para com a pessoa. Não sei o que pode justificar esta afirmação, mas de certeza que não é a preocupação de respeitar a liberdade de pensamento, que não exige tanto...
Por isso a sanção da injuria tem sentido, muito embora a injuria deva ser entendida em termos objectivos e restritos.
Nunca me passou pela cabeça considerar-me ofendido por algum crente dizer que reza por mim, mesmo seja confessadamente com a intenção de me converter, isto é, de me fazer ver a Verdade (claro que só será a "Verdade" na opinião do dito crente, não na minha, e como tenho firmemente a opinião de que só há uma verdade, apesar de haver muitas opiniões, essa "Verdade" será, a meu ver, uma mentira.
O que se passa é que não me considero uma besta quadrada. Posso estar enganado, mas acho que não sou. Também nunca pensei que qualquer crente que diga que reza por mim tenha essa opinião. Se a tiver e eu souber posso sentir-me ofendido por ele achar isso de mim, mas não por dizer que reza por mim.
Quanto às mentiras boas, tenho muitas dúvidas, incluindo o Pai Natal. Já disse aos meus netos que o Pai Natal não existe, mas eles acreditaram tanto que logo a seguir me perguntaram como é que ele podia entrar pela chaminé se não cabia lá!
O argumento não é esse João. O argumento é que o abuso do recurso ao "Cala-te que isso é um insulto e eu não o admito" é claramente uma violação da liberdade de expressão. Tudo pode ser um insulto. Se eu disser a um político do PS actual que a sua governação não é socialista, nem de esquerda, mas outra coisa qualquer, ele pode ficar ofendido e meter-me em tribunal. E isso seria intolerável.
"Agora o que não se pode tolerar é que eu me comporte socialmente como se fosse uma verdade aceite..."
Porquê? Qual é o problema?
A questão não é a intenção de uma pessoa religiosa que diz a um ateu "vou rezar por ti" (para que chegues à luz que não tens - pressupondo que não tens a luz que nós temos, o estilo de vida que temos e que te faz falta). A questão é que se o ateu disser algo semelhante mas em sinal contrário, os religiosos sentem (em geral) isso como ofensivo e quem está de fora tende a achar que a insensibilidade está sempre do lado de quem não é religioso.
Por definição sou eu que tenho de ser tolerante se apanho com a ladaínha da missa na televisão. Mudo de canal e segue em frente... somos livres, etc e tal. Mas qualquer divulgação pública de ideias ateias é imediatamente sentida como escandalosa pelas religiões e pelo cidadão que observa nas linhas laterais como "politicamente incorrecta", "insensível", "irresponsável", "grosseira", "de mau gosto", etc...
Basicamente é isto: se eu cortar um naco de pele à picha do meu filho só porque sim, sou um criminoso. Mas se eu for judeu, é "liberdade religiosa" de perpetuar a "tradição" da circuncisão, etc. Estenda-se o princípio a tudo e mais alguma coisa e temos o inferno instalado.
O que me faz sorrir no meio disto é que as pessoas religiosas ridicularizam prontamente, sem sentir nisso qualquer mal, práticas ou crenças que parecem inequivocamente tolas, mas que não tenham atrás de si o peso institucional de milhares de pessoas a repetir o mesmo ou uma organização como a igreja. Se houver isto, torna-se automaticamente "de mau gosto" e "insensível" dizer o que nos apetece acerca dessa organização. E no entanto, qualquer religioso é capaz de gozar inocuamente com a cor das meias do vizinho. Se o vizinho for católico como nós e acreditar na transubstanciação, "tá-se bem... pronto, coiso e tal... são as crenças das pessoas". Mas se for um animista ou coisa que lhe valha, já é "exótico" e até podemos gozar inocentemente com ele. A não ser que sejamos mesmo pessoas "sensíveis" e então qualquer palermice que ele diga ou faça está bem desde que seja por motivos religiosos, e muito mal se não for.
Invocar "limites à liberdade de expressão" com base na sensibilidade desta e daquela besta é literalmente exigir submissão a umas pessoas enquanto se isenta de submissão outras. E isto é que é inaceitável... não comportar-me "socialmente" como se a teoria geocêntrica fosse ainda dominante.
Caro Desidério.
Se você ler o meu comentário verá que apenas chamei "besta", como podia ter chamado "mal educado" ou "mal formado" a um ateu que se sinta insultado por um crente dizer que "reza por ele".
Se você é dessa espécie de ateu, então melhor que chamar "besta" é dizer apenas que "rezarei por si".
Caro Desidério,
A injúria pode ser definida de maneira objectiva. No resto, você tem toda a razão quando aponta que o recurso abusivo ao argumento da injúria também é problemático. Mas os tribunais podem condenar quem move uma acção judicial abusiva e, muitas vezes o próprio desmentido judicial inerente ao indeferimento da queixa constitui sanção bastante.
Aliás podemos ver aí mais um argumento em favor da incriminação da injúria, mesmo do ponto de vista de uma protecção efectiva da liberdade de expressão. Por existir essa incriminação é que nós podemos sempre dizer a quem nos procura calar porque afirma sem fundamento que o que estamos a dizer constitui uma injúria : « meu amigo, não há aqui nenhuma injúria, eu não o ofendo quando digo que xxxxx e estou tão certo que não há injúria que volto a dizê-lo alto e bom som. Se o meu amigo entende as coisas de maneira diferente, pode apresentar queixa em tribunal e veremos quem tem razão… ».
Isto é exactamente o que fez o jornal Charlie Hebdo quando publicou as caricaturas a Maomé. Houve queixa e o tribunal considerou que as caricaturas, embora fossem um pouco provocatórias, visavam expressar uma opinião sobre o fanatismo, sem se dirigirem de forma ofensiva a todos os muçulmanos, e que os limites da liberdade de expressão não haviam sido transgredidos…
Um abraço,
Olá, Luís
Eu estava a falar de maneira hipotética. Mas é totalmente irrelevante se o Luís me chama besta a mim ou a qualquer outro ateu. O importante é que chama besta a alguém. E eu defendo o seu direito a ofender desse modo os ateus que muito bem entender.
João, não é uma ideia boa criminalizar tudo o que é feio ou que não deve ser feito. E sei que nisto estamos de acordo. Por exemplo, é claramente ofensivo usar em portugês a palavra "Homem", ainda por cima com maiúscula majestosa, para referir a humanidade, que evidentemente inclui as mulheres. Isto é puro mau gosto linguístico e é claramente ofensivo. Eu nunca escrevo dessa maneira. Mas não gostaria que as mulheres pudessem pôr uma pessoa qualquer em tribunal por escrever dessa maneira.
Portanto, a questão, João, é saber exactamente o que se deve criminalizar. E a criminalização da ofensa tem uma história muito triste, como sabes.
O "cala-te que me insultas!" é, estritamente falando, um inibidor de pensamento. Um meio psicológico de calar os outros.
Questão: deve-se criminalizar os inibidores de pensamento? Não! Esta seria a posiçõa autoderrotante entrevista por alguns leitores.
Trata-se de:
1) ver a impossibiliadde de criminalizar a livre expressão dos outros com base em inibidores de pensamento, dada a sua vagueza e dubitabilidade moral - posso obviamente sentir-me ofendido e ainda assim não ter qualquer razão, ou sentir-me ofendido com uma verdade que precisa ser afirmada. A partir deste exemplo inequívoco vê-se que a proliferação de casos fronteira manhosos é demasiada para que o inibidor nos sirva para limitar a acção dos outros.
2) os inibidores de pensamento (embora não sendo desejável nem possível criminalizá-los), são imorais porque matam a discussão de ideias, essencial à democracia e a um estado de coisas que maximamente exclua a mentira política e a hipocrisia. O preço a pagar por aturar coisas insensíveis, de mau gosto ou grosseiramente falsas, é ínfimo, comparado com o preço de proibir a livre expressão e o uso de inibidores de pensamento como limite da acção dos outros (aliás, só parece boa quando é aplicada aos outros).
Mais estúpido do que tudo isto:
Se só fosse permitido por lei afirmar aquilo que pode ser sustentado em argumentação válida com premissas verdadeiras, nunca descobriríamos, nem que nascêssemos 1000 vezes, uma só boa inferência, pois o processo da descoberta implica o erro, a merda, a irrelevância, o ruído. O processo de justificação das crenças não pode pressupor aquilo que procura: a boa inferência. Estas descobrem-se, não começam a ser usados só porque uma besta qualquer, que se tem a si mesmo em alta consideração, e além disso faz leis, decretou que sim. Procure-se imaginar o que seria o mundo da composição musical se só fosse permitido legalmente exprimir frases musicais geniais. A música morreria de imediato, pois até os músicos geniais têm direito à tolice, à merda e à irrelevância, sem as quais não há processo de descoberta. O preço da proibição para afagar o ego a algumas bestas infantis que são incapazes de contornar a sua genética simiesca que lhes manda meter a mão em cima dos outros, é insuportável. Custa-nos toda a possibilidade da democracia, em troca de não chatear alguns cabrões que provavelmente merecem ser insultados.
Francamente, não estou a ver que um ateu se sinta ofendido por se dizer que é filho de um extraterrestre sobrenatural, que por acaso não é só um, mas três, ele próprio, o seu filho que morreu na cruz, e ainda uma pomba. Com efeito, uma breve pesquisa empírica que levei a cabo em consequência do seu artigo revelou reacções totalmente distintas da de se ficar ofendido.
À afirmação – «tu és filho de um extraterrestre sobrenatural, que por acaso não é só um, mas três, ele próprio, o seu filho que morreu na cruz, e ainda uma pomba » - obti as seguintes reacções da parte de ateus confessos (ou por aí perto): três riram-se, três disseram-me que estavam ocupados e para não os chatear com parvoíces, e o sétimo insinuou que eu tinha sido outra vez multado por um fiscal da EMEL.
Reconheço que a amostra experimental foi reduzida, pelo que veria com bons e humildes olhos a replicação da experiência por outras pessoas, a fim de ver se chegamos todos aos mesmos resultados. Intriga-me em particular a última reacção. Será que existe alguma correlação, ainda que ténue, entre a EMEL e uma ameaça extraterrestre? Pessoalmente, e por uma questão de honestidade intelectual, devo confessar que suspeito que sim. Aliás, a EMEL levou-me rever radicalmente a minha anterior negação categórica da existência de OVNIs tripulados por homenzinhos verdes.
Por outro lado – e aqui talvez me aproxime um pouco da sua posição – não me parece próprio de pessoas bem formadas isso de estar-se constantemente a insinuar que Deus anda há milénios a manter relações sexuais com todas as mulheres do planeta. A ser assim, as aventuras amorosas do deus grego Júpiter seriam coisas de totó comparadas com o feito que os cristãos reclamam para o seu deus. Considero um exagero: não me acredito que um tipo armado aos cucos a dizer que é um extraterrestre sobrenatural, que por acaso não é só um, mas três, ele próprio, o seu filho que morreu na cruz, e ainda uma pomba tenha a mínima hipótese de levar para a cama todas as miúdas que quer. E não falo de cór – eu próprio experimentei essa técnica de engate, e só levei tampas.
Além do mais, coloca Deus a atravessar vários pecados capitais e a mandar às ortigas divinas um dos seus menos cumpridos mandamentos. Creio que um pouco mais de modéstia da parte dos cristãos não faria mal nenhum. Por exemplo, em lugar de andarem a dizer que somos todos filhos de Deus, poderiam reformular para... sei lá... por exemplo, para «todas as pessoas nesta sala que têm uma palha do cabelo no cabelo são filhas do senhor prior». E se toda a malta, nesse momento, levasse a mão ao cabelo, poderiam até acrescentar cantarolando alegremente, «ah, ah, a-pa-nha-dos»! Além de mais credível - e sabemos como a crença é importante em religião - seria muito mais divertido. Até porque o senhor prior...
Esta questão de se ser insultuoso quando aparentemente se quer ser (ou se quer parecer) conciliador traz-me a memória uma questão que já vi referida por mais de uma vez por muçulmanos (uma delas num Prós e Contras já bastante antigo): o contraste entre a "tolerância" e o "respeito" dos muçulmanos, que consideram Jesus um profeta de Deus e um dos homens mais santos da História, e a intolerância e a falta de respeito dos cristãos, que pelo contrário não reconhecem Maomé como um profeta de Deus.
Ora, o engraçado é que o suposto respeito dos muçulmanos por Jesus não é nada respeitoso, se não vejamos:
-1.1- para os cristãos (pelo menos para as principais denominações), Jesus é um ser divino: Filho de Deus e Deus com o Pai. É, por isso, infinito em dignidade e poder.
-1.2- já para os muçulmanos, Jesus é apenas um humano, ainda que profeta de Deus e mais "santo" que os demais.
-2.1- para os muçulmanos, Maomé não é divino, "apenas" um homem escolhido por Deus (ainda que o derradeiro e mais santo dos seus profetas).
-2.2- já para os cristãos, Maomé é apenas um homem (eventualmente um louco ou um farsante).
Ora, a diferença de dignidade e poder entre um homem (ainda que santo e escolhido por Deus) e o próprio Deus (infinitamente bom, poderoso, etc. e tal) é infinitamente superior à diferença entre um homem santo e escolhido por Deus e um homem louco e/ou farsante -- pelo que considerar um mero profeta aquele que é considerado Deus por outros é maior insulto do que considerar uma fraude ou um tolo aquele que, ainda que eleito, não deixa de ser um mortal...
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