quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Salman Rushdie

O conceito de blasfémia sempre foi uma arma com que os ortodoxos procuraram silenciar os não ortodoxos. Os julgamentos de Galileu, Sócrates e de Jesus Cristo basearam-se em acusações de prática do crime de blasfémia, e todos os veredictos confirmaram as suas condenações. E, no entanto, foram essas «blasfémias» que lançaram os fundamentos da ciência, da filosofia e da religião europeias.

4 comentários:

joão viegas disse...

Caro Desidério,

1/ No caso de Socrates, parece-me que foi antes corrupção da juventude e impiedade, mas isso não interessa muito.

2/ Por isso mesmo é que a punição da blasfémia desapareceu ha muito tempo dos ordenamentos juridicos dos paises ocidentais. Alias não me recordo de ver ninguém reclamar a punição de uma blasfémia sem levantar imediatamente uma onda geral de protestos (perfeitamente justificados).

3/ E a provocação também não me parece que seja sancionada penalmente (salvo em casos excepcionais).

Um abraço...

José Oliveira disse...

Caro João Viegas:

A acusação de impiedade significava ser condenado por ateísmo... Significava que alguém se recusava a aceitar a religião tradicional.

Cumprimentos,

José Manuel Oliveira.

Desidério Murcho disse...

Viegas, a blasfémia não só não desapareceu dos ordenamentos jurídicos, como com outro nome está a ressurgir. Veja-se o esclarecimento da Palmira sobre isto.

E Sócrates foi condenado por 1) não acreditar nos deuses da cidade e querer introduzir novos deuses e 2) por desemcaminhar a juventude, ensinando-lhes as suas ideias.

Nenhum cineasta hoje conseguiria fazer o Je vous Salut Marie, de Goddard. Nenhum cineasta hoje poderia fazer The Life of Brian hoje. Nenhum caricaturista faria hoje o famoso cartoon do Papa João Paulo II com um preservativo no nariz. Chegámos hoje a este ponto e só não o vê quem está a sonhar, João. Gostaria de ter o teu optimismo democrático, mas não tenho porque sei que para coisas como a Alemanha nazi acontecerem não é preciso que façamos alguma coisa de especial: basta que não façamos coisa alguma para o contrariar. O ser humano é intrinsecamente uma besta ditadora, e as recentes liberdades conquistadas com tanto esforço estão constantemente ameaçadas e a maior ameaça não é dos nazis, dos criacionistas teocráticos nem dos tolos, mas sim de pessoas bem intencionadas como tu que pensam estar tudo bem e não valer a pena estar vigilante.

joão viegas disse...

Caro Desidério,


1/ Eu percebo a tua preocupação, que é também a minha. Vê o extenso comentario que deixei ao texto da Palmira Silva (infelizmente seguido por uma série de disparates criacionistas escritos por outro comentador) e veras que o nos separa não são os principios ou os fins, mas unicamente os meios para la chegar.

2/ Não é verdade que os nossos ordenamentos juridicos tenham introduzido novas maneiras de punir a blasfémia, ou novas formas de obter o mesmo resultado. Isso não corresponde à realidade e não podes ignorar que estas a exagerar : no caso recente das caricaturas a maomé, os tribunais franceses deram razão ao jornal Charlie Hebdo. Aqui em França (onde resido), o parlamento aboliu recentemente o crime de "ofensas a um chefe de Estado estrangeiro" apos uma campanha (em que participei alias) que se baseou largamente nas condenações da França pelo Tribunal europeu dos direitos do homem por violação do artigo 10 da CEDH (artigo que protege a liberdade de expressão). Por outros lado, quando estreou o "Je vous salue Marie" no fim dos anos 70, quiseram proibir o cartaz. Quando estreou a ultima tentação de cristo (nos anos 80), também quiseram proibir e houve um atentado num cinema no centro de Paris... Como vês, estas reacções não são proprias dos nossos dias, sempre existiram e, infelizmente, hão de continuar a existir...

3/ Agora por muito que eu possa perceber a vontade de proteger a liberdade de expressão, acho perigosa (e errada) a ideia que ela não deve ter nenhum limite. O que temos é que compreender onde estão esses limites e em que principios se fundam. So assim conseguiremos combater eficazmente campanhas como aquelas a que alude o texto da Palmira Silva a proposito da resolução da assembleia geral da onu.

4/ O que eu estou a dizer não implica de maneira nenhuma que não estejamos vigilantes. Mas a vigilância deve ser esclarecida e deve exercer-se com discernimento. Que eu saiba, o que tornou a Alemanha nazi possivel foi também, em grande parte, a ideia que existem bens superiores ao respeito da pessoa humana. Por isso mesmo, alias, é que a declaração universal dos direitos do homem de 1948 não se contentou com afirmar que os seres humanos nascem e livres e iguais "em direitos" (como vinha na declaração de 1789), mas acrescentou que os seres humanos nascem livres e "iguais EM DIGNIDADE e em direitos".

5/ E finalmente, a minha preocupação não é apenas a de um idealista sonhador. Se fores ver as condenações do Tribunal especial para o Rwanda, vais constatar que algumas das mais importantes condenam responsaveis por causa de discursos que se poderiam apresentar como a expressão de meras opiniões. Infelizmente, as palavras continuam a ter, mesmo hoje em dia, esse tipo de consequências extremas...

Foi apenas o que procurei dizer. E mais uma vez percebo o teu ponto de vista e estou de acordo que a liberdade de expressão é um principio essencial em democracia...

Um abraço