sábado, 10 de janeiro de 2009

Ofensa, insulto e discussão de ideias


Dick Cavett elogia o insulto no New York Times de ontem. Eu nunca elogiei o insulto nos meus artigos recentes sobre o tema, mas parece que alguns leitores me compreenderam desse modo. Eu preferiria um mundo sem insultos, onde as pessoas pudessem discutir ideias tranquilamente, com interesse genuíno pelas ideias e não pela luta simiesca pelo poder ou com preocupações igualmente simiescas com a “dignidade”, entendida como hierarquia social. Por outro lado, é de uma espantosa hipocrisia defender o insulto como limite legítimo da liberdade de expressão, ao mesmo tempo que se insulta veladamente os outros. Os insultos velados têm a desvantagem, relativamente aos explícitos, de acrescentarem a hipocrisia à falta de educação. Se temos de escolher entre dois males, é preferível o insulto claro e directo. Mas, claro, melhor ainda é não insultar as pessoas.

Contudo, nada há praticamente que se possa dizer que outra pessoa não possa sentir como insultuoso, mesmo que a intenção não tenha sido essa. Eu parei de falar de filosofia continental, por exemplo, porque apesar de esta não ser uma expressão insultuosa e apesar de estar academicamente consagrada — havendo inúmeros livros com essa expressão na capa — ela é sentida por alguns colegas meus como insultuosa, talvez porque, subitamente, aquilo que eles pensavam que era a filosofia torna-se apenas uma maneira entre outras de fazer filosofia. Ora, um princípio simples que facilita o entendimento entre as pessoas, é tomar como insultuoso o que os outros consideram insultuoso, quer a nossa intenção seja insultuosa quer não. Contudo, há uma grande diferença entre a minha decisão livre de não usar uma expressão que alguns colegas podem encarar como ofensiva, e ser legalmente obrigado a isso por medo de me levantarem um processo em tribunal. E dado que qualquer coisa pode ser encarada como ofensiva, se este medo legal existir, a discussão livre fica inevitavelmente coarctada.

Claro que as pessoas têm uma imensa dificuldade em compreender o que pode ofender ou não os outros. Algumas pessoas religiosas não se apercebem que as ideias do papa sobre os homossexuais são ofensivas para alguns homossexuais, tal como para alguns ateus é ofensivo que alguém declare rezar por eles, esperando assim que eles acabem por ver a Luz. É fácil ver o que nos ofende, mas menos fácil ver o que ofende os outros. Isto coloca o livre-pensador numa desvantagem histórica injusta, pois há uma tendência para aceitar prontamente que é ofensivo afirmar que o papa acredita que o vinho se transforma em sangue, se isso for dito num certo tom, mas não é visto como ofensivo usar o termo “Homem”, com maiúscula e tudo, para falar da humanidade. Compare-se a ofensa que seria para alguns homens que usam roupas parecidas com vestidos de mulher, como o papa, usar o termo “Mulher” para falar da humanidade, incluindo-os a eles.

Historicamente, a acusação de insulto (sendo a blasfémia um tipo de insulto religioso) sempre foi usada para impedir a discussão livre. E hoje o politicamente correcto desempenha essa mesmíssima função: em vez de expressarem a sua discordância perante uma dada opinião, as pessoas manifestam a sua ira e ofensa pelo facto de tal opinião ter sido expressa. Ora, protestar pela expressão de uma opinião é uma coisa muito — muitíssimo — diferente de discordar clara e firmemente dessa opinião, explicando porquê. 

Não devemos proibir o insulto. Não devemos também insultar os outros. Mas se nos sentirmos insultados com algo, devemos fazer duas coisas. Primeiro, fazer uma introspecção para saber por que razão tal coisa nos ofende. A probabilidade elevada é que nos ofende porque queremos esconder de nós mesmos uma verdade desagradável. Segundo, devemos explicar claramente e sem ofensas por que razão discordamos de tal ideia, sublinhando ao mesmo tempo que defendemos a liberdade do outro para a exprimir e defender publicamente.

31 comentários:

Anónimo disse...

Olá. Alguns comentários desgarrados:

O Desidério diz: "Não devemos proibir o insulto. Não devemos também insultar os outros."

Num post anterior escreve: "Esta banalidade lógica gera muita parvoíce, como a que constantemente nos infecta este blog: o nosso criacionista de serviço,"

Não há aqui uma contradição? Isto é, porque é que usou a palavra "parvoíces" ao invés de "erros". Afinal não é esta uma palavra geralmente reconhecida como... insultuosa?

O problema dos insultos é que afasta as pessoas do sumo da coisa, é uma manobra de diversão. A mim também me falta a paciência para discutir com paredes (ena, devo estar a insultar alguém) por isso até acho que percebo o motivo.

Diz também: "A probabilidade elevada é que nos ofende porque queremos esconder de nós mesmos uma verdade desagradável."

Pode ser apenas que pressentimos que estamos a ser atacados e nos queiramos defender... Mas afinal, o Desidério é filósofo ou psicólogo?

Mas agora, o que me incomoda neste post é que o acho razoável e lúcido embora ache que possa degenerar para o "politicamente correcto" do vamos ser todos bonzinhos mas em outros escritos do Desidério não o vejo aplicar esse princípio do "Não devemos também insultar os outros". Essa incoerência é que me chateia.

E agora, hop!, vou gozar o sol que este sábado nos trouxe.

Desidério Murcho disse...

Ou seja, chateia-te que eu seja incoerente como todos os seres humanos. Se eu fosse mais dócil não chamava besta ao nosso criacionista de serviço. Se o Ega, nos Maias, fosse mais dócil, não chamava besta ao Cohen. Mas é assim a vida.

(Na verdade, o Ega até se atreve a chamar besta ao Darwin, veja-se só!, numa das passagens mais hilariantes de Os Maias.)

Anónimo disse...

Faz parte do meu feitio ser muito sensível ao que considero insultuoso. Talvez seja hipersensível e considere como insulto aquilo que não o seja verdadeiramente, ou não foi proferido com essa intenção. Mas esta a minha reacção normal. Por isso, evito responder nessas alturas e acabo imediatamente com a conversa, que poderia prolongar indefinidamente se não ocorresse um incidente desses.

Anónimo disse...

Mas esta é a minha reacção normal

Anónimo disse...

Recomendo vivamente a leitura de um artigo do "Economist" desta semana onde toda esta questão do insulto versus liberdade de expressão toma uma forma muito prática e real.

http://www.economist.com/world/international/displaystory.cfm?story_id=12903058

r disse...

«Historicamente, a acusação de insulto (sendo a blasfémia um tipo de insulto religioso) sempre foi usada para impedir a discussão livre. E hoje o politicamente correcto desempenha essa mesmíssima função: em vez de expressarem a sua discordância perante uma dada opinião, as pessoas manifestam a sua ira e ofensa pelo facto de tal opinião ter sido expressa.»

Questiono-me (com seriedade) sobre o politicamente correcto ao nível da linguagem, desde que ouvi defendê-lo pela necessidade de expurgar a linguagem de tudo o que seja discriminatório. Li, nesta necessidade, uma espécie de correcção ética. Ora, penso o politicamente correcto da linguagem, exactamente, como obstáculo à discussão de qualquer fundamento, porque se mantém a análise, simplesmente, ao nível da expressividade (o modo como foi dito/a palavra que foi escolhida para dizer).
Isto, descamba, muitas vezes, num grande disparate... por exemplo, querer chamar africano e não preto, porque preto é ofensivo e africano já não o é. Há europeus pretos e, também, africanos brancos. Ou, dizer-se: a criança de dez anos baleada no alegado assalto [lembrei-me...], sem referência ao facto de ser cigana, facto que lhe define, também, a identidade.
Se bem compreendi o que escreveu, concordo inteiramente consigo, no sentido em que: o politicamente correcto e/ou o insulto, é uma barreira à criação dum espaço público de discussão.

«Não devemos proibir o insulto. Não devemos também insultar os outros. Mas se nos sentirmos insultados com algo, devemos fazer duas coisas. Primeiro, fazer uma introspecção para saber por que razão tal coisa nos ofende. A probabilidade elevada é que nos ofende porque queremos esconder de nós mesmos uma verdade desagradável.»

Aqui, está a partir do pressuposto que aquilo que foi expresso e tomado por insultuoso é uma verdade e, apenas, foi tomado como insultuoso, exactamente, porque o próprio a pensa/sente como desagradável. Feita a introspecção, consciencializada a desagradibilidade, constatará, o próprio, afinal, a destituição de insulto. Restitui-se a comunicação, portanto e o insulto, possibilitou uma tomada de consciência benéfica. O insulto ao serviço da autoconstrução da identidade...
O insulto, pode sê-lo (tomado subjectivamente como tal) por ser uma mentira, ou não? Sendo uma mentira, onde faz radicar a legitimidade de não proibição do insulto? [Desidério, «não perca tempo», aqui, com a legalidade - por aí, já percebi]


Obrigada pela atenção.
Gostamos de o ler.

joão viegas disse...

Ola a todos,

Bom, pelos vistos ainda não consegui explicar convenientemente o meu ponto de vista, que consiste em sublinhar que (pelo menos hoje em dia) o "insulto" não é proibido. Isto significa que ninguém tem legitimidade para calar ninguém (pelo menos em termos juridicos) arguindo que esta a ser "insultado".

Em contrapartida, é proibido "injuriar", sendo que a injuria é um crime definido em termos estritos no codigo penal (lei), e que esse crime não consiste, nem nunca podera consistir, no simples facto de expressar uma opinião, uma crença, ou um pensamento, mas num comportamento ofensivo, entendido objectivamente como tal, não em razão da ideia expressa (muitas vezes nenhuma), mas em função do caracter ofensivo das palavras proferidas, ou seja da sua possivel qualificação como uma forma de violência, depois de termos devidamente analisado o seu proposito, o seu teor e o contexto em que foram proferidas.

Continuo a pensar que os conceitos referidos acima, e a necessidade fundamental de distinguirmos, no discuro, o que é mera expressão de ideias (ou opiniões, ou credos), e o que é mais do que isso (interpelação, rebaixamento, manifestação de desprezo ou, pior ainda, ordem ou incitamento com vista à acção violenta), permite resolver de forma satisfatoria as questões colocadas sofisticamente pelo texto do Desidério.

O erro essencial no qual incorre o texto do Desidério é o seguinte : ele aponta que é perigoso admitirmos, em principio, que a expressão de ideias possa nalguns casos constituir ao mesmo tempo uma injuria (*) ; mas isto é inevitavel, porque as palavras não existem so (e talvez nem existam principalmente) para expressar ideias. E também porque as palavras são equivocas, como dizia um amigo meu chamado Aristoteles, o que significa que as mesmas que servem para expressar pensamentos e discutir, podem também ser utilizadas com outra finalidade.

A ideia, expressa no texto do Desidério, que existiria o perigo de que as nossas ideias sejam consideradas "enquanto tais" como ofensivas e constitutivas de uma injuria, assenta numa ma compreensão do conceito de injuria. Mais, assenta na recusa de ver que a forma liberal de resolvermos os problemas que nascem do confronto de pontos de vista, consiste precisamente na penalização dos abusos que excedem o exercicio normal da liberdade de expressão.

E finalmente, a ideia fantasista segundo a qual, por principio, quem exprime uma opinião, uma ideia ou um credo, não pode ao mesmo tempo estar a exercer uma violência e atentar a bens juridicamente protegidos, é pura e simplesmente falsa. E juridicamente, politicamente e éticamente falsa, mas também filosoficamente falsa, na medida em que assenta na teoria que existe uma Verdade absoluta, cuja manifestação permitira sempre restabelecer a dignidade e o mérito de quem tem razão. Esta ultima ideia, além de falsa, é perigosa e da argumentos aos adversarios da liberdade de expresão, quando eles pretendem que os partidarios dessa liberdade colocam a "Verdade" acima do respeito da pessoa humana.

Um abraço a todos.

(*) : ele não diz "uma injuria" mas "um insulto", so que isso é apenas uma habilidade, uma vez que ninguém pretende que o insulto que não seja injurioso deveria ser proibido, o que equivaleria a pôr em causa a liberdade de expressão.

Osame Kinouchi disse...

Sugestão de leitura: Arte De Insultar, A - Arthur Schopenhauer...

Desidério Murcho disse...

Miguel, muitíssimo obrigado pela referência ao artigo do Economist, que é muitíssimo importante. O livro do Magueijo, por exemplo, teve de ser expurgado de muita coisa na sua edição britânica precisamente porque os advogados da editora viram que o autor seria possivelmente levado a tribunal.

Aproveito para recomendar também a leitura do que aconteceu sistematicamente a Peter Singer nos países de língua alemã:
http://criticanarede.com/html/ed99.html (exige subscrição). Peter Singer nunca conseguiu apresentar as suas ideias em público nestes países por serem consideradas ofensivas.

Estes factos falam por si. Quem pensa que vivemos no paraíso da liberdade de expressão e que não existem leis da rolha, disfarçadas de leis contra a difamação, por exemplo, está a sonhar alto. Não me parece que seja isso que pensa o João, mas até parece, dada a sua insistência estranha na maravilha do aspecto jurídico das leis (disfarçadas) da rolha.

Anónimo disse...

Desidério, apenas acho que às vezes é um pouco gratuito com as palavras. E a falta de coerência de facto chateia-me, especialmente quando me vejo padecer dela. É uma alergia que apanhei novo quando ouvia coisas na missa e via as pessoas a fazerem outras cá fora. Mas cada um com a sua infância, certo?

Quanto a ser "humano", todas as acções são humanas (e, logo, licitas) podem é ser inteligentes ou não. Dizendo inteligentes como sendo o melhor para atingir determinado fim. Dizer num post que "não devemos insultar" (entendo-o como uma preferência e não algo absoluto) e depois usar expressões como usa... que quer que se pense? "Olha ao que eu digo, não olhes ao que eu faço"? Se eu for incoerente na minha argumentação não mo apontará?

Anónimo disse...

Mas, já agora, acho que é mais interessante o que diz do que a forma como o faz. Só estou a dizer que se o dissesse de outra forma talvez fosse mais convidativo ao diálogo do que à confrontação. Ou então já não há esperança de diálogo e só resta a confrontação, será essa a mensagem final? Compramos uma moca e batemos-lhes as ideias à força?

Desidério Murcho disse...

Não, Kyriu, eu não insulto as pessoas directamente -- nem aqui, nem na minha vida tenho esse hábito. Uso palavras que podem ser vistas como ofensivas por algumas pessoas? Sim. Mas não as ofendi pessoalmente. Há uma grande diferença entre chegar aqui e chamar-te besta directamente, ou falar das bestas que acreditam que a Terra é plana. E há uma grande diferença entre insultar na bricandeira, como fiz com o LA noutro post, e a seriamente. Finalmente, podes ver facilmente que há inúmeros casos em que sou insultado nas caixas de comentários, mas nunca insulto em resposta.

Uso por vezes palavras demasiado duras, ainda que não sejam insultos directos? Sim, caio nessa tentação. Ao fim de tanto tempo, fartei-me mesmo do criacionista anónimo que vem para aqui fazer SPAM e agora apago-lhe os comentários todos, além de o insultar pela primeira vez num post. Não devia insultá-lo, mas fartei-me. Gostava que ele nos deixasse em paz por uns tempos.

Desidério Murcho disse...

Quanto a ser mais convidativo ao diálogo, não tenhas ilusões Kyriu. Na internet, por causa até de questões psicológicas -- não ver o rosto da outra pessoa faz muita diferença, daí também a chamada "road rage" -- por mais simpático que sejas, serás insultado se defenderes ideias com firmeza.

Anónimo disse...

Eu acho que o perspectiva é um bot programado por alguém que já morreu por isso apagar-lhe os posts não deve fazer mal (um bot em loop)

Nuno Calisto disse...

Com as ideias de Desidério sobre esta temática os actuais critérios para envio de comentários para o DRN, no mínimo são muito cristãos...

Anónimo disse...

Depois do que escrevi em comentário anterior

http://dererummundi.blogspot.com/2009/01/ofensa-insulto-e-discusso-de-ideias.html?showComment=1231598400000#c7782940636381998567

parece-me que nunca teria perfil para ser filósofo. Um filósofo só parece poder sê-lo se tiver uma enormíssima capacidade de encaixe.

Esta é uma resposta a mim próprio, lendo e inferindo das posiçoes aqui já escritas.

Anónimo disse...

posições

Anónimo disse...

... embora tivesse feito Filosofia dos antigos 6º e 7º anos do liceu com boas notas, dispensando da oral, o que não era preciso muito: bastava um 14, nessa altura de 1968.

Gonçalo Barrilaro Ruas disse...

Eu não concordo com muitas ideias do Desidério, e não me sinto ofendido por ouvir coisas que vão em total contradição com o que penso. Neste caso, concordo com a questão central (mais uma vez!): por mais que as opiniões divirjam, não nos devemos sentir ofendidos, porque todos temos o direito de pensar o que queremos - o facto de nos sentirmos ofendidos com as opiniões dos outros (de nos sentirmos insultados) só revela uma predisposição anti-social. É inevitável e também muito saudável existirem diversas opiniões - faz parte do processo de evolução do conhecimento. Eu chamo-lhe dialéctica.
Os insultos devemos evitá-los e, em minha opinião, não são legítimos, mas não é por isso que devem ser ilegalizados (como nos diz Popper, "a tentativa de criar o céu na Terra produziu sempre o inferno").

P.S.
"Compare-se a ofensa que seria para alguns homens que usam roupas parecidas com vestidos de mulher, como o papa, usar o termo “Mulher” para falar da humanidade, incluindo-os a eles.

É bom não esquecer que foi o Padre António Vieira que disse: "Se a pátria se derivara da Terra, que é a mãe que nos cria, havia de chamar-se mátria".

Gonçalo Barrilaro Ruas disse...

Eu não concordo com muitas ideias do Desidério, e não me sinto ofendido por ouvir coisas que vão em total contradição com o que penso. Neste caso, concordo com a questão central (mais uma vez!): por mais que as opiniões divirjam, não nos devemos sentir ofendidos, porque todos temos o direito de pensar o que queremos - o facto de nos sentirmos ofendidos com as opiniões dos outros (de nos sentirmos insultados) só revela uma predisposição anti-social. É inevitável e também muito saudável existirem diversas opiniões - faz parte do processo de evolução do conhecimento. Eu chamo-lhe dialéctica.
Os insultos devemos evitá-los e, em minha opinião, não são legítimos, mas não é por isso que devem ser ilegalizados (como nos diz Popper, "a tentativa de criar o céu na Terra produziu sempre o inferno").

P.S.
"Compare-se a ofensa que seria para alguns homens que usam roupas parecidas com vestidos de mulher, como o papa, usar o termo “Mulher” para falar da humanidade, incluindo-os a eles.

É bom não esquecer que foi o Padre António Vieira que disse: "Se a pátria se derivara da Terra, que é a mãe que nos cria, havia de chamar-se mátria".

António Parente disse...

Quero fazer um pequeno comentário sobre uma afirmação do Desidério Murcho:

No último parágrafo aconselha-se, ao ofendido, uma introspecção para ver porque tal insulto nos ofende. Depois, afirma-se que poderemos chegar à conclusão que nos ofendemos "porque queremos esconder de nós mesmos uma verdade desagradável". Há outra possível explicação. Provavelmente, podemo-nos sentir ofendidos porque consideramos que do outro lado há uma grande ignorância sobre aquilo que se pretende insultar.

Tal como defendo o direito do Desidério Murcho continuar a insultar quem quiser e o que lhe apetecer, também defendo o direito de quem se sente insultado se manifestar ofendido e mostrar publicamente o seu descontentamento pelo insulto.

Se há liberdade então que seja para todos.

Eu acredito num mundo em que é possível discutirmos todas as ideias e colocarmos em causa as convicções dos outros sem que para isso seja necessário recorrer ao insulto.

Em relação ao episódio do comentário no Público, senti-me ofendido como cristão católico mas conservo o total respeito e admiração que nutro pelo filósofo Desidério Murcho, pela sua inteligência e cultura. Continuo a ser um leitor fiel dos seus livros e artigos.

joão viegas disse...

Caros,

O ultimo comentario do Antonio Parente deixa bem patente os inconvenientes da posição do Desidério ao não querer perceber como funciona um regime liberal.

Precisamente porque a discussão em torno de saber se ha "insulto" ou se não ha "insulto" não pode ser resolvida enquanto nos referirmos a percepções subjectivas ("eu sinto-me insultado, logo ha insulto"), a unica solução racional, e protectora da liberdade, é penalizarmos as condutas que correspondem a um tipo penal, definido por lei, que todos entendem constituir uma forma de violência (ou seja, se substituirmos "insulto" por "injuria"). So dessa forma podemos proteger eficazmente as pessoas que estão, de boa fé, a procurar unicamente expessar ideias (por exemplo, no exemplo que dei no outro dia, o jornal Charlie Hebdo ao publicar caricaturas de Maomé com o intuito de exprimir um ponto de vista contra o fanatismo).

O ponto de vista do Desidério assenta numa incompreensão muito comum do seguinte paradoxo : em termos juridicos e politicos, o regime "repressivo" (no sentido rigoroso do termo) é protector das liberdades, na medida em que se baseia na ideia de que a liberdade é o principio (ninguém tem o direito de me calar, apenas pode dirigir-se ao tribunal se acha que extravasei os limites da liberdade de expressão).

A censura prévia não assenta numa logica "repressiva" no sentido que acabo de mencionar, mas numa logica muito mais restritiva : o regime de autorização (a expressão de ideias é proibida sem autorização prévia).

Portanto o que não "bate certo" no texto do Desidério é que ele teima em fazer como se o insulto fosse proibido por principio, ou se houvesse sériamente tentativas de fazer com que passe a sê-lo. Não é assim : em termos rigorosos, eu sou livre de "insultar" desde que não "injurie".

Esta ambiguidade é habilmente aproveitada pelo Antonio Parente na sua resposta, quando ele diz "mas se é livre insultar, também deve ser livre uma pessoa dizer que se considera insultada". Isto é incontestavel e, em rigor, também não quer dizer nada. Ou a pessoa que se considera "insultada" esta apenas a dizer "eu não quero mais discutir consigo porque considero que a sua forma de discutir é ofensiva, e não estou para o aturar", e então esta a agir de maneira perfeitamente legitima (sem pôr em causa o direito de expressão do interlocutor), como de resto o Desidério em relação ao comentador iluminado que aqui aparece a propagandear o criacionismo. Ou então esta a dizer "isto que esta a dizer é uma injuria" e então a pessoa esta de facto a dizer que o discurso ultrapassou os limites do que é admissivel, so que ao fazer isto não se esta apenas a referir à sua percepção subjectiva, mas a um conceito legal objectivo. Neste ultimo caso, a pessoa que o interlocutor procura calar pode sempre responder : "não estou nada a injuria-lo, se achar que estou, pode apresentar queixa e vera que não estou".

Bom, isto quanto ao lado objectivo da discussão. Depois ha que alertar para a importância da liberdade de expressão e etc., mas isto ja é outra historia.

Abraços

Desidério Murcho disse...

Caro Parente: como pode a ignorância ser ofensiva? Se uma pessoa me diz que eu sou um sacana que andei a vida toda a roubar hortaliças, incluindo quando estudei para médico, isto revela uma grande ignorância sobre mim, pois nunca estudei para médico (estudei mais para burro) e nunca roubei hortaliças (a não ser um grelo de vez em quando). Mas como pode essa ignorância ofender-me?

Para me sentir ofendido tem de acontecer o seguinte: alguém afirma algo ligeiramente falso, mas que tem um grão de verdade que eu não quero reconhecer. Então, fico ofendido porque tenho medo de admitir para mim mesmo uma verdade desagradável.

Todos temos uma imagem ampliada de nós mesmos: julgamo-nos mais bonitos, mais honrados, mais inteligentes e mais rectos do que na verdade somos. Por isso, quando alguém diz qualquer coisa que ameaça mostrar um pouco de uma verdade desagradável, ficamos ofendidos. Mais valia aproveitar para fazer uma introspecção e ver que aspectos de nós mesmos podemos melhorar, para podermos dormir descansados e alcançar aquela ataraxia que nos permite ficar impávidos perante o mais rijo insulto.

Por outro lado, concordo contigo no seguinte: eu penso que tens a liberdade de manifestar a tua ofensa. Não deves é ter a liberdade de proibir alguém de manifestar as suas opiniões só porque te sentes ofendido.

Unknown disse...

António Parente

"Há outra possível explicação. Provavelmente, podemo-nos sentir ofendidos porque consideramos que do outro lado há uma grande ignorância sobre aquilo que se pretende insultar"

Como é que se pode sentir ofendido com a ignorância do outro?
Isso só faz sentido na cabeça de um narcísico inseguro.

António Parente disse...

Lúcia

Não percebi o narcísico inseguro. Se eu quero criticar alguma coisa, primeiro procuro documentar-me e perceber do que estou a falar. É assim tão difícil perceber ou é só perguiça mental?

António Parente disse...

Desidério

No caso concreto da transformação do vinho em sangue, quem queira criticar o dogma deveria informar-se sobre ele, o contexto em que surgiu, o que pensam actualmente os católicos, o que sentem quando participam no ritual. É o mínimo exigível. Para muitos católicos praticantes ser cristão não é um hobbie, é um modo de vida. Quem o vive, quando é criticado sente-se geralmente incompreendido e injustiçado porque não se reconhece na imagem que lhe colaram. Partir do princípio que se adere a uma religião só por moda ou conveniência social é um erro. Que se aceita tudo sem pensar é outro erro. É por causa disso que muita gente se sente ofendida.

No meu caso pessoal, pouco me ofende, hoje em dia. A "ofensa" que senti perante o comentário do Público talvez fosse mais desilusão. Pensei que uma pessoa que tem neurónios e sabe usá-los devia recorrer a um discurso mais sofisticado.

Quanto ao último parágrafo do teu comentário, não me sinto atingido por ele. Até hoje, nunca proibi ninguém de escrever fosse o que fosse nem fiz insinuações nesse sentido. Nem tenho poder para isso. E se tivesse não o usaria. E manifestar-me-ia contra quem tentasse fazer isso contigo.

Unknown disse...

António Parente,

procurar documentar-se é uma práctica bastante recomendável mas não disso que que se está a falar.

Veja se se encaixa: [retirado da wikipédia]

Complexo de superioridade refere-se a um mecanismo subconsciente de compensação neurótica desenvolvido por um indivíduo como resultado de sentimentos de inferioridade. Os sentimentos de inferioridade deste complexo específico são freqüentemente despertados por rejeição social, possivelmente como resultado da desatenção do indivíduo para com a higiene pessoal, má aparência ou baixa inteligência quando comparada a de outrem. A expressão foi criada por Alfred Adler, como parte de sua escola de psicologia individual.


Características
Aqueles que manifestam o complexo de superioridade geralmente projetam seus sentimentos de inferioridade nos outros que percebem como seus inferiores, possivelmente pelas mesmas razões pelas quais podem ter sido colocados em ostracismo, isto é, encarando os outros como "feios" ou "estúpidos", e inferiores. Acusações de arrogância e insolência são freqüentemente feitas por outrem quando se referem ao indivíduo que manifesta o complexo de superioridade.

Comportamentos relacionados a este mecanismo podem incluir uma opinião exageradamente positiva do valor e capacidade próprias, expectativas exageradamente altas em objetivos e realizações pessoais e para outrem, vaidade, vestuário extravagante (com o intuito de atrair atenções), orgulho, sentimentalismo e exaltação afetada, convencimento, tendência para desacreditar opiniões alheias, esforços direcionados à dominação daqueles considerados mais fracos ou menos importantes, credulidade e outros.

Afastamento social, divagações e isolamento podem também esta associados ao complexo de superioridade, como forma de fugir ao medo ou falha relacionados aos sentimentos de inadequação face ao mundo real.

Os complexos de superioridade e inferioridade são freqüentemente encontrados juntos como expressões diferentes da mesma patologia, e podem coexistir num mesmo indivíduo. este complexo também pode ser causado pelo transtorno de estresse pós-traumático.


É assim tão difícil perceber ou é medo de admitir para si mesmo uma verdade desagradável?

António Parente disse...

Lúcia

Deve existir qualquer lapso da sua parte. Não percebo nada do que me quer dizer. Julgo que me está a querer fazer qualquer avaliação psiquiátrica mas se é isso errou o alvo. Passe bem. Não tenho interesse nenhum em continuar esta conversa consigo.

joão viegas disse...

Caros,

Excelente exemplificação da dificuldade na discussão Parente vs Lucia : Parente quer dizer "desprezo" e não "ignorância" mas nenhum dos interlocutores quer fazer essa distinção. Lucia não quer, porque seria admitir que a sua critica não responde ao verdadeiro problema. Parente também não quer, porque seria admitir que se exprimiu mal, e também porque não percebe a forma da ultima mensagem de Lucia (que julga insultuosa, quando não me parece ser a intenção).

A um como ao outro (e a mim também ja agora), ter razão no sentido de afirmar-se (na sua superioridade) interessa tanto, ou mais, do que esclarecer o outro...

Se admitissemos esse simples facto (eu sei que isto custa aos filosofos, mas enfim), as coisas melhorariam bastante.

Menos teoria e mais aplicação pratica dos principios de que se reclamam um e outro, é so o que é preciso...

António Parente disse...

João Viegas

Por acaso quis mesmo dizer ignorância.

Quanto à Lucia, penso que ela quer fazer-me uma avaliação psiquiátrica e eu hoje não estou para aí virado...

Unknown disse...

João Viegas,

espero que o comentário acima o tenha ajudado entender a motivação das minhas observações.

DUZENTOS ANOS DE AMOR

Um dia de manhã, cheguei à porta da casa da Senhora de Rênal. Temeroso e de alma semimorta, deparei com seu rosto angelical. O seu modo...