Este é um excerto de uma crónica de Luís Aguiar-Conraria (Universidade do Minho) publicada hoje no Público:
Este é o ano de Darwin. Festejam-se 200 anos do seu nascimento e 150 anos do seu mais celebrado livro, A Origem das Espécies. Ainda hoje, muitos credos religiosos convivem mal com a Teoria da Evolução de Darwin. É natural que assim seja, com a evolução de Darwin concebemos a origem e a evolução das espécies sem necessitarmos de Deus, ao mesmo tempo que se refuta a ideia bíblica da criação simultânea das diferentes espécies.
As ideias de Darwin não surgiram de geração espontânea. Na sua autobiografia, Darwin reconhece que a teoria da população de Malthus, economista dos séculos XVIII e XIX, foi decisiva. Mas há um outro economista essencial para se entender as origens de Darwin: Adam Smith. A sua influência sentiu-se de duas formas. A primeira é metodológica: para se compreender a macroestrutura social é necessário estudar o comportamento e as acções dos indivíduos. Ou seja, mais do que derivar leis que operem sobre o todo, é essencial compreender o comportamento e as motivações que determinam o sucesso de cada indivíduo. A segunda influência é ainda mais óbvia. A teoria da selecção natural é uma transferência inteligente para o campo da Biologia do argumento central de Adam Smith em favor de uma economia descentralizada. Tal como Adam Smith argumenta que muitas vezes o bem-estar geral é o resultado das acções egoístas de vários indivíduos livres que entre si interagem, Darwin demonstra que a harmonia da natureza não resulta de uma intervenção superior (divina) ou externa. Pelo contrário, resulta da luta de cada criatura em prol de si própria. Quando Darwin desobrigou Deus das suas tarefas, já Adam Smith tinha dispensado a necessidade de um Estado controlador da actividade económica. A "mão invisível" de Smith encontra no princípio da selecção natural a sua metamorfose biológica. O socialismo está para a sociedade liberal como o criacionismo está para o evolucionismo. A dificuldade que muitos encontram em conceber o mundo sem um Deus criador e interventivo é a mesma que outros encontram para imaginar uma sociedade livre do peso excessivo do estado. O princípio de que a ordem geral pode ser o resultado espontâneo de acções individuais é difícil de engolir.
A 2 de Janeiro, Carlos Fiolhais contou-nos que se hoje todos os cientistas são darwinistas, a verdade é que as ideias de Darwin tiveram dificuldades em vingar no seu tempo. Com Adam Smith observamos o oposto. À época, os seus livros foram um sucesso. Hoje, enquanto se celebra Darwin, muitos gostariam de esconder Adam Smith numa prateleira da História. Já que celebramos os 150 anos da Origem das Espécies, sejamos justos e celebremos também os 250 anos do primeiro livro de Adam Smith: A Teoria dos Sentimentos Morais, possivelmente o mais darwinista dos seus escritos.
7 comentários:
Ainda que tenha gostado do artigo só tenho um pormenor a apontar "o mais darwinista dos seus escritos"? Parece-me um anacronismo...
Caro Desidério:
Eu considero a analogia interessante. Se bem que ache a que: "O socialismo está para a sociedade liberal como o criacionismo está para o evolucionismo" um pouco forçado.
Penso que o que as pessoas se esqueceram, é que na evolução a extinção é a regra. Agora que a analogia entre as duas teorias ganha mais sentido, parece que perceberam que entre o "é" e o "deve" há uma diferença. A questão é: conseguimos fazer melhor ou não?
Parece-me que estão a confundir coisas distintas neste artigo; Darwin analisou um "fenómeno natural"- a evolução- e propôs um mecanismo para explicar esse fenómeno- a teoria da selecção natural. Eu diria que muitos credos convivem mal com a evolução(onde se pode ou não incluir deus) e pior ainda com a teoria de Darwin.
Sugerir que "muitas vezes" uma "mão invisível" irá extrair "bem-estar geral" de egoístas acções individuais é vago (quantas vezes são muitas vezes? o que é o bem estar geral?) e cheira-me a crença e desresponsabilização. Quase que é dizer "deus escreve direito por linhas tortas" de uma forma mais elaborada.
A "tragédia dos comuns" é um bom contraponto a esta teoria e, actualmente,tenho dificuldade em perceber qual o peso ideal do estado.
Acho que Darwin teria tido mais aceitação na sua época se da sua teoria se pudesse extrair que nem todos os homens descendem dos macacos e que se Smith pudesse hoje observar o quanto se fala em economia de nacionalizações, fusões, parcerias, cooperação, responsabilidade ambiental e social nos condenaria ao mal-estar geral, seja lá isso o que for.
«O socialismo está para a sociedade liberal como o criacionismo está para o evolucionismo. A dificuldade que muitos encontram em conceber o mundo sem um Deus criador e interventivo é a mesma que outros encontram para imaginar uma sociedade livre do peso excessivo do estado.»
Esta vou guardar na minha antologia dos disparates mais disparatados que já pude ouvir hoje. Pobre Darwin, pobre Adam Smith... Pela minha parte agradeço o divertimento!
Sempre achei a ligação entre Darwin e Smith tão óbvia que sempre achei ridícula e tonta a posição intelectual de imensos conservadores americanos que são criacionistas e ao mesmo tempo liberais económicos!
No entanto, parece que existem aqui alguns comentadores que ainda não conseguem engolir as ideias que explanas aqui bem, Desidério. A Tragédia dos Comuns é um exemplo infeliz, pois é um ataque (pouco feliz, por acaso) ao Socialismo/Comunismo, e não ao Liberalismo Económico.
Aquilo que podemos dizer e que concordo com o João com o seu aviso claro, esquecemo-nos que para a Selecção Natural funcionar, precisamos de "Extinções". Ora, tendo em conta o carácter não-linear e totalmente caótico de muitas soluções evolucionistas, é perfeitamente lógico compreender que existirão fases de extinções bem mais catastróficas, cuja analogia na economia se poderá reflectir em grandes depressões, crashes bolsistas e uma destruição massiça de infra-estruturas financeiras.
Nem o Bush, altamente Adam Smithiano, deixou que os bancos colapsassem (arrependeu-se logo após o Lehman Brothers). Muitos puristas queixaram-se mas o facto é que se deixassem a "Selecção Natural", ou "Mão Invisível" a actuar livremente, teríamos em mãos uma "Extinção em massa", ou uma "Enorme Big Ultra Depressão", com imensa gente a morrer à fome, e países a adoptar sistemas ditatoriais e fascistas...
Concluíndo, parece-me a analogia correcta, e se bem que os benefícios deste tipo de processo económico são óbvios para quem assistiu ao séc. XX e início do XXI, também nos teremos de precaver nos momentos em que não funciona de todo. Imagino esta "força", ou este "método", como uma besta (rotweiller?) que seguramos com grande esforço para não matar tudo e todos :), e apenas a largamos em campos específicos (batalhas?) onde nos trará grandes benefícios.
Tendo sempre em conta que é uma "besta" esperta e sempre capaz de rodopiar qualquer "fronteira" que lhe queiramos colocar.
A analogia entre criacionismo/evolucionismo e comunismo/sociedade liberal é ineteressante, porém o autor não trata das possíveis implicações políticas dessa aproximação. Tal analogia parece nos levar à uma identificação entre direita liberal e o darwinismo e esquerda comunista e o criacionismo. Muitos aproximam as teses darwinistas do espectro político de direita, devido à erros de compreensão teórica. Entretanto, uma esquerda darwinista é possível, um posicionemanto político voltado para questões sociais com base na teoria darwinista.
«... Carlos Fiolhais contou-nos que se hoje todos os cientistas são darwinistas...»; em primeiro lugar, «contou-nos» (era a hora do conto...?); em segundo, é com estas afirmações (dúbias, no mínimo) que se vai construindo a omnisciente e omnipotente ciência que, como novo deus, está presente em todo o lado.
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