sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

OUTRO GOLPE DE ESTÁDIO


Minha crónica no jornal "Público" de hoje (na foto, o estádio Cidade de Coimbra vazio, como está quase sempre):

No ano de 2004 consumou-se em Portugal um previamente anunciado “golpe de estádio”, que consistiu na construção ou reconstrução de dez novos estádios de futebol para albergar o Campeonato Europeu de Futebol. Gastou-se à tripa-forra em grandes equipamentos que, em boa parte, estão hoje praticamente vazios e são, por isso, inúteis. Agora já se anuncia um outro “golpe de estádio” para o ano de 2018, que consiste na “rentabilização” desses estádios no Campenato Mundial de Futebol.

Apesar de ser duvidosa a nossa participação no Mundial de 2010, a Federação Portuguesa de Futebol ter-se-á entendido com a sua congénere espanhola para organizar a prova máxima da FIFA em 2018. E o governo português declarou-se disponível para receber uma candidatura nesse sentido. Tal candidatura, usando provavelmente oito estádios em Espanha e quatro aqui (primeiro jogo em Lisboa e final em Madrid), seria “de manifesto interesse desportivo e económico” para o país. E o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, Laurentino Dias, segundo A Bola on line de 14/1/2009, acrescentou que os que foram contra a organização do Euro 2004 vão mudar de opinião: «Estando construídos os estádios e não estando nós a pensar construir mais qualquer recinto para o Mundial de 2018, todos aqueles que estiveram contra ou a favor, hoje julgo que devem comungar da mesma opinião. Se temos as condições físicas para estar numa candidatura conjunta, porque não».

Eu não comungo da mesma opinião. Porque não? Em primeiro lugar, porque o português da frase é abominável. A declaração não está em português mas em “futebolês”, um dialecto muito falado nos estádios e na televisão, mas que não encontrou ainda consagração em forma escrita. Em segundo lugar, porque não temos as ditas condições. Em 2018 os estádios actuais, mesmo os melhores, estarão anquilosados ou muito degradados. O previsível é que as exigências e a tecnologia que as satisfaz evoluam a ponto de serem precisas obras. E os organizadores, em uníssono com os construtores civis e o governo, virão dizer que é melhor construir novo do que reparar o velho. Em terceiro lugar, porque o alegado interesse económico para o país é bastante discutível. Os novos investimentos terão retornos incertos, e um país com os graves problemas do nosso (um país onde, por exemplo, o património está a cair aos bocados) tem de pensar seriamente quais são as suas prioridades.

O Euro 2004 foi um terrível erro do ponto de vista económico. O Presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Gilberto Madaíl, afirmou: «É incalculável o valor que Portugal ganhou com o Euro 2004”. Pois. Mas é calculável o valor que Portugal perdeu, apesar de se não se ter visto ninguém apresentar esse valor preto no branco. Os estádios de Coimbra e de Leiria não têm público. O Estádio Cidade de Coimbra, com capacidade para 30 mil espectadores, teve 615 no último jogo da Taça da Liga (Académica-Nacional). O presidente da Académica, que foi responsável na Câmara pelo urbanismo, sente a equipa tão desaconchegada que propôs aos 70 sócios presentes há dias na Assembleia Geral a mirabolante ideia da construção de um novo estádio para 12 mil espectadores (o outro estádio municipal, o “Sérgio Conceição”, pelos vistos não serve). E, segundo o Jornal de Leiria de 29/12/2008, “o Marrazes levou 1610 espectadores ao Estádio Municipal de Leiria. Em apenas um jogo, disputado no último domingo, frente ao Guiense, o clube conseguiu colocar mais do dobro de espectadores que a União de Leiria em dois jogos da Liga de Honra (660)”. Por sua vez os estádios de Aveiro e do “Allgarve” estão também às moscas, porque, como o de Leiria, não têm, nas imediações, clubes da Primeira Liga que lá possam jogar.

Parece que os erros aqui não se pagam. Antes se apagam com outros erros. Vamos supor, por absurdo, que se realizava mesmo o Mundial de 2018 em Portugal, nos estádios do Euro 2004 remodelados ou em novos. Estou a imaginar uma outra candidatura, desta vez ao campeonato de 2032, que talvez inclua a Lua e Marte...

14 comentários:

António Conceição disse...

Estou a imaginar uma outra candidatura, desta vez ao campeonato de 2032, que talvez inclua a Lua e Marte...

Receio que não. Talvez inclua apenas a equipa transnacional de uma estação orbital. Os telejornais abrirão orgulhosos anunciando que Portugal está presente na equipa dessa estação orbital, porque forneceu as placas de cortiça que fazem o isolamento térmico do veículo aeroespacial que leva e traz os jogadores. Ou talvez a mascote da equipa seja um cão de água português.

António Cardoso da Conceição
Porto

Anónimo disse...

Há várias explicações para estes fenómenos. Porque se quer organizar campeonatos de futebol em Portugal?
A explicação popular: nos países onde há muita pobreza é um desporto popular (américa do sul, áfrica);
A explicação econónima 1: dá trabalho a muita gente (trabalho temporário durante 1 ano?);
A explicação subversiva: enche os bolsos de construtores;
A explicação política: marca o mandato do fulano que está na presidência (os políticos gostam de deixar obra feita e com o seu nome de preferência, político que não deixe obra feita é considerado inferior, daí as guerras constantes em fazer obras à pressa);
A explicação romana: pão e circo para distrair as pessoas;
A explicação oportunista: isto surge depois do Ronaldo ter recebido um prémio. Se fosse dito noutra altura se calhar cairia mal.

André

Anónimo disse...

Neste país o futebol já cansa mas este desporto tem uma coisa positiva: apenas os melhores triunfam. É uma espécie de meritocracia ao contrário do que se vê na política, na justiça, nas bancas, etc... ou seja em quase todos os campos da nossa sociedade portuguesa.
Uma questão pertinente, e se o Ronaldo não fosse futebolista? Alguma vez um miúdo vindo de uma família pobre da Madeira poderia aspirar a ser director de um banco ou a receber o prémio de melhor banqueiro?
O sonho de todos os miudos agora é serem como o Ronaldo?

Barba Rija disse...

Não concordo com o Carlos Fiolhais neste ponto:

O previsível é que as exigências e a tecnologia que as satisfaz evoluam a ponto de serem precisas obras. E os organizadores, em uníssono com os construtores civis e o governo, virão dizer que é melhor construir novo do que reparar o velho.

Ridículo. Os Estádios foram desenhados para um tempo de vida útil de pelo menos 50 anos. Não faz sentido algum propõr a sua reconstrução em apenas 14, e sinceramente não vejo como é que qualquer adepto de futebol, mais cegueta e fanático que seja, aceite esta visão.

Se é verdade que os estádios que se construíram foram a mais e foi tudo uma enorme tolice, digo que ao menos se enterrem os mortos e se cuidem dos vivos, ou seja, aproveitemos o que temos e rentabilizemos o capital já investido. Se algum estádio entre os quatro escolhidos (e se ainda não adivinharam quais são, eu ajudo: certamente será o do Porto, o da Luz, o do Algarve e o de Braga) precisar de "ajustamentos", vejo isso como mal menor (excepto no do Algarve que não serve para nada).

Agora defender que se irá "certamente" construir novos estádios parece-me irrealista, por mais tolos que sejamos. É que em 2018 estamos na bancarrota e não teremos sequer dinheiro para "brincar" com essa possibilidade, pelo que estou convicto que isso não irá acontecer.

Anónimo disse...

Porque raio é que o estado tem de intervir na organização de algo privado?

joão boaventura disse...

Quando se inaugurou o Estádio Salazar, em Lourenço Marques, o jornal oficial do Comité Olímpico Sueco publicava uma fotografia do Estádio apenas com este título:

"País subdesenvolvido inaugura Estádio".

Sem qualquer texto explicativo.
Lacónico porque o título encerrava um dogma.

Anónimo disse...

Quando se inaugurou o Estádio Salazar, em Lourenço Marques, o jornal oficial do Comité Olímpico Sueco publicava uma fotografia do Estádio apenas com este título:

"País subdesenvolvido inaugura Estádio".

Sem qualquer texto explicativo.
Lacónico porque o título encerrava um dogma.

João disse...

Bater no homem porque ele não se exprime correctamente ainda vá. Faltam no entanto argumentos para sustentar a afirmação que vão ser precisos novos estadios devido a novas tecnologias ou obras de restauro.

Anónimo disse...

Concordo inteirammente com o teor do post. Caso alguém ainda possa duvidar basta consultar as notícias que sairam hoje quanto às condições de candidatura para o referido mundial:
o jogo de abertura (ao qual a FPF se canditaria)e o da final têm de ocorrer em estádios com capacidade para pelo menos 80000 espectadores.
Os outros estádios têm que ter lotação mínima de 40000 lugares.
Os pequenos ajustes seriam: construir um estádio novo para 80000 pessoas (ou ampliar o da luz?)e aumentar a lotação de dois (algarve e braga ou guimarães)de 30000 para 40000, pois não é crível que a FIFA aceitasse 2 estádios na mesma cidade, deixando assim o do sporting de fora.

Em 1990 realizou-se em portugal um mundial de sub 20 para o qual o estado patrocinou a modernização de vários estádios de futebol. Em 2004, 14 anos depois nenhum destes estádios modernizados serviu. Optou-se então pelo bota abaixo e construir novos. De 2004 a 2018 decorrerão também 14 anos. A decisão de construir estádios novos para 2018 teria antecedentes.

R. da Cunha disse...

Li, como sempre, o artigo no Público. E tendo a concordar com a necessidade (imposição) de, pelo menos, obras vultuosas nos estádio existentes: na Luz, no Sporting (?), no Dragão e em Braga/Guimarães, se não no Algarve. E para quê? Para um jogo em cada um deles, pois Espanha há-de querer puxar o máximo para os seus estádios/cidades.

Nuno disse...

Os estádios são equipamentos misteriosos- ocupam vastas áreas centrais das cidades e recursos públicos mas são usados uma única vez cada duas semanas durante algumas horas.

Anónimo disse...

Toda a argumentação faz sentido e merece séria reflexão, mas permito-me chamar a atenção para uma questão relativa ao estádio de Leiria: está tudo certo quanto ao futebol (que, de facto, não atrai espectadores), mas aquele é um recinto também equipado para o atletismo, que o ocupa todos os dias com treinos e provas: atletismo, aliás, que já ali levou duas provas europeias com milhares de espectadores (em 2005 e 2008) e que será este ano responsável por nova prova internacional (Taça da Europa das Nações) de altíssimo nível.
Em boa verdade, devia ser sublinhada a diferença entre estádios e campos de futebol: um estádio pressupõe a existência de pista de atletismo (e só há dois: Coimbra e Leiria)

pretinha doce disse...

eu nao percebi nd desta matéria.
purisso eu vou ter uma professora nova só pra mim!!!
beijos:-)MAS EU GOSTO DA MATÉRIA!!!

Joao Mendes disse...

Em relação à frase onde refere que o Estádio de Coimbra e o de Leiria não têm espectadores, acho perfeitamente inadequado o modo como o fez, pois apesar das baixas assistências da Académica não se pode de forma alguma tomar como referencia o jogo da Taça da Liga nem tão pouco comparar à situação vivida em Leiria ou Aveiro pois se se der ao trabalho de verificar pode facilmente perceber que a Académica se encontra no 6º lugar dos clubes da liga com maior assistência, com 92.000 espectadores durante a época.

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