segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A ciência da felicidade

Um leitor perguntou-nos se existe mesmo a ciência da felicidade ou se é apenas mais uma banha da cobra como o criacionismo, astrologia, homeopatia, alquimia e outras tolices. A resposta é que existe mesmo, mas conhecendo-se a capacidade humana para a tolice é uma aposta segura que, misturada com a ciência da felicidade, há banha da cobra.

A expressão “ciência da felicidade” não é muito feliz, mas designa o que por vezes se chama, mais apropriadamente, “psicologia positiva”. Pensemos no que todos sabemos ainda que vagamente sobre a psicologia: basicamente, trata-se uma área que intervém na nossa saúde mental apenas quando temos problemas relativamente graves: quando estamos deprimidos, por exemplo. Se tivermos uma vida relativamente normal, não vamos à psicóloga, vamos antes ao futebol — ainda que algumas pessoas possam com alguma pertinência perguntar-se até que ponto essa é uma actividade que demonstra alguma sandice.

É aqui que entra o movimento da psicologia positiva. A ideia é estudar como se pode viver a vida para se ser feliz, em vez de sermos apenas normais. É um pouco como a diferença entre receitar um comprimido para a dor de cabeça e dizer às pessoas o que podem fazer para serem mais saudáveis. No caso da psicologia positiva, trata-se de estudar o que faz os seres humanos mais felizes para depois lhes dizer o que podem fazer se quiserem ter uma vida mais feliz.

Em Portugal está traduzido um bom livro sobre o tema, que é acessível e tem muita informação empírica interessante: A Conquista da Felicidade, de Jonathan Haidt (Sinais de Fogo).

Claro que definir “felicidade” é em si difícil, mas é perfeitamente possível estudar empiricamente o que faz os seres humanos mais ou menos felizes, quer usemos uma noção mais ou menos robusta de felicidade. Para surpresa de muita gente, uma parte das descobertas empíricas nesta área coincide com o que muitos filósofos defenderam ao longo de muito tempo: que a verdadeira felicidade, no sentido da eudemonia aristotélica, não se encontra nas tolices efémeras e superficiais, mas na “entrega activa a projectos de valor”, para usar a expressão de Susan Wolf. Ou, como escreveu John Stuart Mill, “mais vale ser um Sócrates insatisfeito do que um porco satisfeito” (mas note-se que no caso ele não tinha em mente primeiros-ministros, caso em que a vida do porco ganharia outros contornos).

O meu interesse lateral por esta área da ciência resulta do meu interesse pelo problema filosófico do sentido da vida, tema acerca do qual preparei uma antologia com uma introdução substancial para a Dinalivro. Espero que saia este ano. Chama-se Viver Para Quê? Ensaios sobre o Sentido da Vida.

9 comentários:

Fernando Dias disse...

Independentemente de se saber o que será “ser-se normal” e o que será “ser-se mais saudável”, a verdade é que ao contrário de certas culturas, a cultura “ocidental” e nela a comunidade psiquiátrica que durante o último século monopolizou o negócio da felicidade, nunca se preocupou com a saúde mental porque só se preocupava com a doença. Logo, o conceito de saúde mental era um conceito pela negativa, ou seja, pela ausência de doença. E o que era doença era aquilo que não era normal. E o que era normal vá-se lá saber o que era. Daí agora termos psicologia positiva que o Desidério escreve com aspas. Psicologia positiva, uma aquisição recente no ocidente por via daquilo que todos sabemos mas que agora não digo.

Fernando Dias disse...

No ocidente a psiquiatria nunca se preocupou em promover o florescimento emocional para além daquilo que eufemesticamente era considerado normal. Só há poucos anos, quando deixou de fazer sentido o conceito de “ser-se normal” é que as pessoas no ocidente passaram a dar valor à promoção do bem-estar mental e social.

É claro que este estado de coisas que imperava no ocidente provavelmente resultou de uma certa ideia obsessiva pela razão que remonta ao Iluminismo, ou mesmo a Tomás de Aquino. As emoções eram irracionais e por isso deviam ser desprezadas. As emoções eram um obstáculo à razão.

Mas novas descobertas da neuriciência (leia-se António Damásio) mostraram que o cérebro não estabelece uma separação assim tão grande entre razão e emoções. Então percebeu-se que podíamos ser melhores rapazes e melhores raparigas se cultivássemos positivamente certas emoções. Não só ficávamos mais saudáveis e mais inteligentes, como dava milhões.

Musicologo disse...

Esclarecedor quanto baste. É de notar, então, a correlação entre felicidade e um "sentido para a vida". Será que o Carpe Diem, tão apregoado entre nós, nos dias de hoje, será então uma ilusão? :D

Castro Fernandes disse...

( ...)
SERÁ QUE A RISADA ALEGRE DO BAIANO QUE ACABOU DE TOMAR O SEU CHOPINHO E COMER CARANGUEJO É DO MESMO NÍVEL DO SUSPIRO BEATÍFICO DO FLEUMÁTICO BRITÂNICO QUE ACABOU DE LER O " TIMES "?
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 13 DE SETEMBRO DE 1990 - ROMEU DE MELO.

ROMEU DE MELO ASSINOU NESTE DIA UM TEXTO MAGNÍFICO SOBRE O SENTIMENTO OU O ESTADO DE ESPÍRITO QUE MAIS RADICALMENTE CONCERNE À EXISTÊNCIA HUMANA: A FELICIDADE. MAS AO
CLASSIFICAR ASSIM A FELICIDADE, ROMEU DE MELO ADIANTAVA TAMBÉM QUE ESTA NÃO SERIA DE TODO A RESPOSTA MAIS ADEQUADA E NORMAL, OU ATÉ MESMO CIVILIZADA, QUE A CHAMADA MORAL OFICIAL DARIA . PARA A CULTURA DOMINANTE, SEVERAMENTE DISSIMULADA NOS SEUS ARTIFÍCIOS, OS VALORES DA HONRA E DE ABNEGAÇÃO, DE ESPÍRITO DE SACRIFÍCIO E DE CORAGEM, ENTRE OUTROS RUTILANTES APELOS AO ÉMULO, SERIAM A CAUSA E A BANDEIRA QUE TODOS HEROICAMENTE DEVERIAM ABRAÇAR. JAMAIS A FELICIDADE, ESSA FEBRE NEFASTA QUE ENVIESA OS HOMENS NO CUMPRIMENTO DA SUA
REALIZAÇÃO. - AQUI, ONDE OS HOMENS LABUTAM, NÃO SE PODE DANÇAR.

VISTO ASSIM, O DISCURSO NORMAL E INSTITUCIONALIZADO, AQUELE A QUE SE ATRIBUI VALOR E QUE É TIDO COMO MENTALMENTE SAUDÁVEL, PRODUTIVO E QUE FUNCIONA, PARECE TER-SE ESQUECIDO OLIMPICAMENTE DA ALEGRIA DOS HOMENS. NEM A PRÓPRIA FILOSOFIA, QUE É SEMPRE TÃO LESTA A ESCALPELIZAR TUDO O QUE MEXE NO MUNDO DAS IDEIAS,CONSAGROU,SEQUER, UMA DISCIPLINA, OU TÃO-SOMENTE UM CAPÍTULO À FELICIDADE HUMANA - À INVESTIGAÇÃO DA SUA NATUREZA, À ANÁLISE DAS DIFERENTES FORMAS QUE ASSUME O SEU DESVELAR, À MANEIRA DE A PODERMOS CONQUISTAR E DE A
PERPETUAR , ETC.
MAS NÃO OBSTANTE ESTA RETÓRICA CASTRADORA DOS ALTOS PRINCÍPIOS, A IDEIA DE FELICIDADE SEMPRE ESTEVE PRESENTE NO HORIZONTE DAS PESSOAS. BASTA OLHAR PARA A CULTURA POPULAR PARA NOS DARMOS CONTA DE IMEDIATO DA IMPORTÂNCIA E DA FREQUÊNCIA COM QUE A FELICIDADE ENTRA NA VIDA DO POVO. ELA ESTÁ PRESENTE NAS DECLARAÇÕES DE AMOR, NOS VOTOS QUE FORMULAMOS DE BEM-QUERER, NAS LETRAS DAS CANÇÕES, NOS HAPPY-END DOS ROMANCES E DAS NOVELAS, E, NATURALMENTE TAMBÉM, TALVEZ POR LAPSUS INTELECTUALIS, NAS CONFIDÊNCIAS QUE VAMOS FAZENDO NO PALEIO DISTRAÍDO DE TODOS OS DIAS.

POR QUE RAZÃO A FELICIDADE NUNCA FOI TOMADA COMO UM ASSUNTO SÉRIO?BERTRAND RUSSEL E UNS QUANTOS POUCOS OUTSIDERS DA HISTÓRIA DO PENSAMENTO CONFESSIONAL AINDA BURILARAM ALGUNS OPÚSCULOS SOBRE ESTE TEMA, MAS, DE FACTO, A FELICIDADE CONTINUA AINDA A SER CONSIDERADA COMO UMA QUESTÃO DO FORO SUBJECTIVO, FORA DO ÂMBITO DO CONHECIMENTO RACIONAL E, POR ISSO
MESMO, PERFEITAMENTE DISPENSÁVEL - HABITUALMENTE OPTA-SE POR RETIRAR SERIEDADE A MATÉRIAS CUJO TRATAMENTO RELEVA DO IMO. A UM NÍVEL CULTURAL ELEVADO, A FELICIDADE É MESMO ENCARADA
COM DESCONFIANÇA .

NESTE QUADRO TÃO INDECOROSO PARA A AFIRMAÇÃO DA ALEGRIA E DA FESTA COMO PODERÁ O HOMEM SER FELIZ ?
A SOCIEDADE PARECE QUE SE DEVOTOU A UMA ESPERANÇA QUE SÓ PRIVILEGIA UMA AMARGA DESILUSÃO. TODAVIA, ESTE ESTOICISMO OFICIAL, COMO NÃO PODERIA DEIXAR DE SER, AO NÃO COLAR COM OS ANSEIOS MAIS FUNDOS DO HOMEM, NÃO CONSEGUIU TRAZER-LHE PAZ NEM SOSSEGO. BEM PELO CONTRÁRIO, AQUILO QUE A ENCOMENDA TROUXE NO SEU BOJO FOI SOMENTE INFELICIDADE, EXISTÊNCIAS TRISTES E AMORFAS - QUE INTERESSAM A VERDADE E A JUSTIÇA, A RAZÃO E A LIBERDADE, SE O PREÇO DE TUDO ISTO FOR UMA OBRIGAÇÃO SEM FIM À VISTA, OU ENTÃO COM CLIMAX DUVIDOSO; SE AS DEMORAS CONSTANTES E RENÚNCIAS A QUE O HOMEM SE SUJEITA, PELA GLÓRIA OU FAMA(IMPLICITAMENTE )
, O FAZEM PERDER O PAVIO ; SE OS CONSTRANGIMENTOS, COMPROMISSOS E CONDICIONAMENTOS A QUE ELE SE SUBMETE PARA SE REALIZAR ( ASSEGURAM), AQUILO QUE UNICAMENTE REFINA É O TÉDIO E A INQUIETAÇÃO? ENFIM, UMA VIDA SEM ALEGRIA E SEM ESPERANÇA.

MAS NÃO PARECE QUE SEJA SÓ A LENGA-LENGA DOS ÉPICOS PRINCÍPIOS O
ELEMENTO PERTURBADOR QUE ANESTESIA A DOCE ILUSÃO DA FELICIDADE. O PROBLEMA QUE AQUI SE TRATA É NA REALIDADE MAIS PROBLEMÁTICO, POIS ENCONTRA-SE SOTERRADO NOS ABISMOS MAIS NEGROS DA ALMA HUMANA : DE QUANTA TERRA E DE QUANTO TEMPO PRECISA O HOMEM PARA ATINGIR O
INSUPORTÁVEL ABORRECIMENTO EXISTENCIAL ?

DEPOIS DE ADQUIRIDOS E FRUÍDOS OS "BENS E SERVIÇOS" QUE PROVOCARAM A TE(N)SÃO, QUE RESTA AO HOMEM SENÃO UM GRANDE E ANGUSTIANTE BOCEJO ?

NA VERDADE, NÃO SOMOS ASSIM TÃO FÁCIL E REGULARMENTE BAFEJADOS COM A FELICIDADE, COMO SE CONSTATA, MAS, CONTRADITORIAMENTE, QUANDO ELA CHEGA,NA MELHOR DAS HIPÓTESES, SERVE APENAS PARA NOS DIZER QUE A VIDA QUE TIVEMOS ATÉ AÍ FOI UMA DESGRAÇA, E QUE ( POR MUITO QUE NOS CUSTE) APÓS A SUA FUGAZ REVELAÇÃO, A NOSSA EXISTÊNCIA VAI CONTINUAR NA MESMA: A PERCORRER
OS CAMINHOS DE SISIFO .
A FELICIDADE É ISTO, APENAS UMA PAUSA QUE REFRESCA ANTE A PRÓXIMA
CALAMIDADE. URGE, POIS, CONTINUAR A BATALHAR E, INFELIZMENTE, TAMBÉM A PENAR PARA CONSEGUIR, NEM QUE SEJA POR BREVES INSTANTES, VOLTAR NOVAMENTE A SABOREÁ-LA.

É POR ISSO TAMBÉM QUE A RIQUEZA, O PODER E A NOTORIEDADE TAMBÉM NÃO SÃO O CAMINHO MAIS DIRECTO PARA ALCANÇAR A FELICIDADE. NEM SEQUER A SABEDORIA,A BONDADE OU O TALENTO O SÃO. MESMO A SAÚDE, QUE É TÃO FUNDAMENTAL À SATISFAÇÃO DOS BENS E PRAZERES DESTE MUNDO, NÃO SERÁ
SINÓNIMO DE FELICIDADE. EM SUMA, PARECE QUE A FELICIDADE NÃO É COISA DESTE MUNDO.

DE TODO O MODO, E PARA CONCLUIR, QUER-ME PARECER QUE O LÉXICO EXPERIMENTAL DA VIDA RESOLVEU
ENTENDER E EXPLICAR ESTE SENTIMENTO COMO SENDO O RESULTADO DE UM ESTADO PSÍQUICO COMPLEXO,
EM QUE AS NECESSIDADES FÍSICAS E EMOCIONAIS ESTARIAM BASICAMENTE SATISFEITAS E CONVERGENTES NUM PONTO DE EQUILÍBRIO, ONDE A ANSIEDADE, O DESCONFORTO E A DOR SE ENCONTRARIAM DOMINADAS OU AUSENTES, E O BEM-ESTAR, A SERENIDADE E A PLENITUDE SERIAM OS ELEMENTOS PSÍQUICOS PREVALECENTES.

A FELICIDADE SERIA ASSIM UM BREVE MOMENTO DE DESCOLAGEM DO HORROROSO
CONTINUUM EXISTENCIAL, UM ESTADO DE BEM-AVENTURANÇA EPISÓDICO E EXCEPCIONAL.

Desidério Murcho disse...

Depende de como se interpretar “carpe diem.” Caso signifique a maximização da felicidade presente sem ter em conta a felicidade futura, é pura imprudência. Se significa algo como procurar viver o melhor possível a vida tal como nos é dada, é um primeiro passo para a sabedoria.

Castro Fernandes disse...

Parece que o amigo do andar de cima apenas utiliza este blog para despejar a sua propaganda.

Desidério Murcho disse...

Pois. Já apaguei mais esta diarreia criacionista.

Anónimo disse...

Adorei! É bom ver alguém que não é, especificamente, da área correlata ser tão objetivo ao falar de um assunto. Parabéns!

carolus augustus lusitanus disse...

«Ciência da felicidade»: esta é ridícula (no mínimo)! :):):), tal como «psicologia positiva»...

(Qualquer dia ainda aparece uma cátedra sobre a psicologia do fio dental...).

«Viver Para Quê?»: é preciso fazer o desenho? [Bem, numa era em que tudo é ensinado (às massas, pelas elites - cientifiquismo, politiquismo e por esse grande obnubilador das mentes (já) adormecidas pela modorra..., os mídia) -, não é de estranhar que se arranjem umas bulas para «ensinar» às pessoas o sentido que têm as (suas próprias) vidas].

EMPIRISMO NO PENSAMENTO DE ARISTÓTELES E NO DE ROGER BACON, MUITOS SÉCULOS DEPOIS.

Por A. Galopim de Carvalho   Se, numa aula de filosofia, o professor começar por dizer que a palavra empirismo tem raiz no grego “empeirikós...