segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

"O pensamento começa pelo mentir"

A leitura do texto do Desidério Como seria viver na verdade, fez-me lembrar uma conversa entre Karl Popper e Konrad Lorenz, que teve lugar na casa deste último, nos arredores de Viena, em 21 de Fevereiro de 1983. A moderação coube a Franz Kreuzer.

Popper: O comportamento explorativo tem, por conseguinte, muito em comum com o jogo.
Lorenz: Não se pode separá-lo em termos definidores do jogo. O homo ludens não deve ser separado do homo explorans.
Kreuzer: O que significa jogar? Experimentar o universo?
Lorenz: Experimentar criativamente com os seus próprios modos de comportamento.
Popper: Eu tenho uma teoria sobre a origem da função representativa a partir do jogo: a de que as crianças através da imitação dos adultos serem levadas a representar certos papéis dos adultos (...) E que nessa imitação lúdica tem origem verdadeiramente a linguagem humana. É certo que também são produzidos sons de alerta. A utilização lúdica de sons de alarme conduz pela primeira vez à mentira. E assim se manifesta o problema da verdade. E com o problema da verdade aparece o problema da representação.
Lorenz: Daí que a interpretação de papéis pela criança (...) seja tão importante.
Kreuzer: Estamos perante o que é especificamente humano. É aqui que começa o homem, e também a consciência superior do Eu, agora no sentido popperiano.
Lorenz: Aí tem início a persona em sentido mais estrito. Ou seja, o papel de "Quem eu sou?". É extraordinário.
Popper: A história famosa do homem que grita demasiadas vezes "Um lobo!", não é uma história moralista - de que não se deve mentir, etc.; é, ao invés, a história de como surgiu a língua, portanto, grita "Lobo!" por brincadeira e, assim, mentindo. E, então, surge o problema da verdade e com ele o da representação. O problema da verdade só surge com a representação. Para as abelhas não se põe nenhum problema da verdade (...): não sabem mentir.
Lorenz: Um belo exemplo.
.
Livro: Popper, K. & Lorenz, K. (1990). O futuro está aberto. Lisboa: Fragmentos, 34-36.
Imagem: Brincadeiras de crianças de P. Brueghel (1560)

6 comentários:

Anónimo disse...

Não sei se todos os leitores sabem que a referência às abelhas é à dança na colmeia indicativa da posição do alimento relativamente à inclinação do Sol, que Lorenz descobriu e contribuiu para lhe valer o prémio Nobel.

Velho

Anónimo disse...

brilhante!

LA disse...

Deside, põe os olhos na Helena e deixa de trazer para aqui americanos balofos que só querem dar nas vistas.
Assim dá gosto, ler pessoas com altas cabeças a desbundar sobre o assunto.
Claro que a sugestão foi minha, mas pronto, obrigado Helena.

Rui leprechaun disse...

Uáu! Viver na verdade seria maravilhoso, claro! :)

E não falo apenas na comunicação verbal, tanto inter-pessoal como institucional, mas na mais autêntica e funda... ser quem sou e onde estou!

Mas pelo texto parece que o conceito de mentira e verdade se limitam aqui à linguagem e sua representação do real... o que já não está mal, mas é pouco.

Há um livro belíssimo de Carl Rogers, "Tornar-se Pessoa", onde ele dedica todo um capítulo a essa comunicação aberta e verdadeira e de que forma tal poderia transformar a nossa vida e o mundo.

Belíssimo esse pensamento inicial retirado dessa obra:

How can I provide a relationship which this person may use for his own personal growth?

Nada podemos fazer pelo outro, se já não o tivermos feito por nós próprios... a caridade - ou a verdade - começa mesmo em casa!

Mais recentemente, deparei-me com outro livro, que é também um diálogo, em que um dos autores é o psicólogo norte-americano Brad Blanton, que criou o site Radical Honesty.

Quite interesting and provoking stuff, still... is there a way and a will?!

Bem, vou então ler o texto original, o tema promete! :)

perspectiva disse...

O problema da verdade coloca-se aos seres humanos porque são seres racionais e dotados de autonomia, criados à imagem e semelhança de um Deus racional, moral e verdadeiro.

Os animais, embora criados por um Deus inteligente, e com capacidades e habilidades surpreendentes, não foram dotados por Deus de razão, pensamento abstracto e autonomia moral.

Uma resposta verdadeira à questão de saber qual a origem, o sentido e o destino das nossas vidas só pode ser dada pelo Criador.

As nossas observações são sempre limitadas e o nosso pensamento também.

Neste sentido, parece-me que tem razão o astrofísico norte-americano, quando escrevia recentemente, na revista Nature, que "o Universo inteiro não pode ser plenamente compreendido por qualquer sistema de inferências isolado que exista dentro dele”.

Só alguém que esteja para além do Universo e que o conheça integralmente é que nos pode trazer a verdade sobre ele. Ninguém melhor para isso do que o próprio Criador do Universo.

Pedro disse...

Se não se pode compreender plenamente o Universo, então não deverias debitar com todas as certezas, não só a existência de um criador, mas também as suas características e propósitos, que é o que fazes cada vez que vens para aqui agitar a bíblia como reforço das tuas ideias.

Admite a tua posição como sitema de inferências isolado e não te julgues certo daquilo que não está realmente certo.

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