sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A HERANÇA DE DARWIN


Minhas declarações à Lusa a propósito do ano Darwin (na imagem, primeiro esboço da árvore da vida feito por Darwin):

A herança de Darwin é extraordinária: grande logo à partida, tem rendido juros que se têm acumulado neste século e meio e continua a render! Como um biólogo ilustre disse, "nada na biologia faz sentido a não ser à luz da evolução". A teoria da evolução é uma grande teoria unificadora na Biologia pois permite explicar de uma maneira bastante simples toda a variedade e complexidade do mundo vivo, incluindo neste a nossa espécie. O sábio inglês afirmou que pequenas causas fazem, ao longo de muitos e muitos anos, grandes efeitos. Foi assim que a partir de organismos primitivos chegámos à riqueza do mundo vivo que hoje vemos. Foi assim que a partir de seres unicelulares se chegou ao homem. A origem da vida continua a ser algo misterioso, mas o seu desenvolvimento passou a ser claro. Darwin não conhecia os mecanismos da genética, mas, desde que estes se conhecem, percebe-se que as pequenas causas são alterações genéticas (pode sempre haver erros numa cópia). Essas pequenas causas serão ocasionais, mas o processo de selecção natural, que tem a ver com a melhor adaptação ao meio, faz com que umas espécies triunfem ao passo que outras não. Por exemplo, a nossa triunfou ao passo que as trilobites não. Na gigantesca árvore da vida nós estamos num ramo sobrevivente tal como milhões de outras espécies. Mas muitos outros ramos terminaram. Esta visão racional da história da vida, baseada em todas as observações e experiências disponíveis, não tem sequer nenhuma outra que lhe faça frente. Pode haver falhas aqui e ali, mas são falhas de pormenor numa visão global que faz sentido. Darwin, baseado nas suas cuidadosas e prolongadas observações na viagem à volta do mundo, teve uma intuição de génio e, como compreensão geral da prodigiosa biodiversidade, essa intuição não foi ultrapassada. Darwin mudou a nossa visão do mundo tal como, na física, Galileu.

Curiosamente, o ano Darwin é também o ano de Galileu, que assinala os 400 anos das primeiras observações astronómicas feitas com o telescópio. Tal como Galileu, Darwin baseou-se na observação. Tal como este verificou regularidades no Universo. Tal como ele, trouxe uma nova visão do lugar do homem. E, tal como ele, enfrentou a incompreensão, nomeadamente por parte de alguns poderes eclesiásticos. O lugar central do homem no Universo ficou seriamente abalado com Galileu e o lugar especial do homem no conjunto dos seres vivos não ficou menos abalado com Darwin. O triunfo maior de Darwin será talvez encontrar vida noutros sítios do Universo e descobrir que também aí as leis da evolução funcionaram, dando resultados provavelmente ainda mais diversos e surpreendentes daqueles, já de si tão diversos e surpreendentes, que encontramos no planeta Terra. A revista "New Scientist" pediu recentemente a vários cientistas para dizer qual foi mais importante, se Galileu se Darwin. Uns são por Darwin, outros por Galileu. Eu não sei decidir: apesar de ser físico, sou pelos dois... Os dois, cada um à sua maneira, fizeram com que hoje saibamos melhor onde estamos e quem somos. Há quem pense que o homem terá descido do seu pedestal, eu, como muitos outros cientistas, penso que esse pedestal era falso. Somos parte do vasto e variado Universo. Não somos estranhos num sítio estranho, mas sim uma parte natural de um Universo que, embora ainda mal conhecido, cada vez conhecemos mais e melhor. Aliás, enquanto não se encontrar vida inteligente noutros sítios do Universo, somos a única parte do Universo que quer saber dele, que o quer compreender, e que, felizmente, o consegue compreender. A ciência é uma forma de cultura e, com Galileu e Darwin, a nossa cultura ficou mais rica.

Ao contrário de Galileu, Darwin enfrenta ainda hoje alguma incompreensão. Os inimigos de Darwin são os inimigos da ciência, os descendentes daqueles que ontem condenaram Galileu. Há quem pense, pasme-se, que a ideia de criacionismo, assente num leitura literal da Bíblia (ao fim e ao cabo a mesma leitura que fizeram os que condenaram Galileu), está em disputa com a ideia da selecção natural de Darwin. Não está, não jogam sequer uma com a outra porque simplesmente são de campeonatos diferentes. Ciência e religião são dimensões humanas diferentes, que, apesar das suas grandes diferenças, podem coexistir pacificamente. Quando disputam uma com a outra, como por vezes acontece, pode ser mau para uma e para outra. Os criacionistas, que se encontram em largo número nas igrejas evangélicas (nos Estados Unidos, inquéritos sociológicos mostram que a maior parte das pessoas acredita em Galileu, mas não em Darwin), recusam-se a aceitar as regras do jogo da ciência, que passam por aceitar as decisões do "árbitro" que é o Universo, que "apita" através da observação e da experiência. Por mim, são livres de jogarem o jogo deles, uns com os outros, mas não nos obriguem a jogar com eles. Eu não quero jogar com eles! Eu quero jogar o jogo da racionalidade e não o da irracionalidade. E a sociedade moderna, que assenta largamente no "jogo da ciência", na progressiva compreensão do Universo em que vivemos, faz bem em não querer nem jogar nem sequer pagar nem assistir ao jogo deles. Se o fizesse correria o grande risco de deixar de ser moderna...

4 comentários:

Fernando Dias disse...

Não há dúvida que Darwin deu uma machadada colossal no paradigma explicativo da evolução da vida na Terra que no seu tempo existia. Mas a sua monumental teoria não teria a força que tem hoje se não tivéssemos conhecimento da peça chave – o ADN e o conceito de gene – para a compreensão dos mecanismos da hereditariedade. Ora, quando reverenciamos Darwin, pela formatação que deu à nossa actual compreensão da Evolução, raramente se faz referência a Gregor Mendel, que foi o primeiro a trabalhar com a tal peça chave, mesmo sem o saber. Nunca se fala dele. Porquê?

O próprio Darwin desde logo compreendeu, e reconheceu, que a sua teoria – as suas explicações da selecção natural através da hereditariedade – tinha algumas lacunas. Darwin conhecia Lamarck, William Paley e Wallace. Mas nunca conheceu Mendel. Darwin e Mendel nunca se conheceram. Seja como for, mesmo que Darwin tivesse conhecido Mendel provavelmente não teria podido integrar as experiências da hereditariedade na sua teoria porque lhe continuava a faltar o conceito de gene, que Mendel também não o tinha. Não porque Mendel fosse um criacionista, Darwin, inevitavelmente, naquela época não poderia ter sido outra coisa, mas porque a genética só viria a ser descoberta uns largos anos mais tarde.

Mendel, ao contrário de Darwin, nunca niguém lhe deu grande importância. Mendel havia publicado as suas descobertas da hereditariedade numa revista austríaca em 1865 e aí ficou ignorado até 1900. Darwin publicou a sua obra monumental (The Origin of Species – By means of natural selection) em 1859.

Anónimo disse...

O que é verdade para Religião tem que o ser para a Ciência. E vice-versa. Ou não é verdade.
Ou Adão e Eva existiram ou não. Não podem existir para a Religião e não para a Ciência. E vice-versa. O Conhecimento não é passível de ser compartimentado numa caixa com divisórias estanques para evitar explosões.

carolus augustus lusitanus disse...

A teoria da seleção natural já era... e acho surpreendente que ainda hoje existam fiéis seguidores de uma teoria que teve o seu tempo.
A genética, a genética... e a cartografia do ADN explicam algumas coisas, mas não «sabem» tudo acerca do mistério que envolve a origem da vida e do próprio ser humano - tal como as teorias do «Big Bang» e outras aspirantes a decifrar o indecifrável.
O que falta (e sempre faltou) à vasta maioria dos cientistas é aquele «insight» que dá luz à vida, ou seja, que mostra a existência tal e qual como ela é e não uma qualquer fórmula que a tente explicar ao sabor das correntes.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Embora a idéia atoa, prefiro Mendel a Darwin;
eis, de (universo) consistente em princípio.

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