terça-feira, 11 de março de 2008

Sementes de violência


Mais um post convidado de Rui Baptista

“O mundo é um lugar perigoso para se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa daqueles que o observam e deixam o mal acontecer”.

Albert Einstein

Portugal, na década de 50. Passava então na tela dos cinemas um filme norte-americano com o título de que me apropriei para este texto. Nele contracenavam Glenn Ford e Sidney Poittier. Aquele como professor e este como aluno de uma “high school” pobre e degradada em que os problemas de disciplina se agravavam num conflito de natureza racial.

Anos mais tarde, meados da década de 70, assistia Portugal à invasão dos liceus públicos por docentes com escassas habilitações académicas com a intenção política da lavagem ao cérebro de cabeças juvenis, num ataque ao poder paternal e a princípios transmitídos em casa. Do dia para a noite, os pais passaram a ser considerados ditadores por tentarem que a liberdade dos filhos se não transformasse em libertinagem. Depois, seguiu-se um período de euforia sem responsabilidade, em nome de uma sociedade que entoava hinos de louvor às pedagogias do “eduquês” e remetia para as profundezas do inferno o conhecimento científico.

O terreno foi terraplanado por cabouqueiros que transformaram o ensino em tenda privilegiada de um circo de indisciplina, sendo destinado aos professores o papel de palhaços pobres. Com o aplauso e gáudio da pequenada, entrou-se num processo que conduziu à situação de haver professores que são agredidos por pirralhos do 1.º ciclo do ensino básico (antiga instrução primária). Em entreactos de um triste drama, um estudo de 2006 concluiu que o número de agressões a professores por alunos portugueses é o dobro do que ocorre na Inglaterra. E isto é tanto mais insólito quanto o número de professores da velha Albion é o triplo dos seus colegas lusitanos. Acresce que, entre nós, este fenómeno tem crescido em espiral.

Tardiamente, ao apelar para “a necessidade de reforçar a autoridade da escola com medidas disciplinares de carácter educativo, adaptando-as às circunstâncias actuais que comprometem a eficiência educativa” (“Público”, 10.Março.2007), a ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues veio reconhecer publicamente que a Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro (Estatuto do Aluno do Ensino não Superior), não cumpria os desígnios de um combate eficaz contra a indisciplina

Meses mais tarde, no jeito bem português de “dar uma no cravo e outra na ferradura”, noticiava a Agência Lusa (25.Outubro.2007) um autêntico sacrilégio na luta contra a indisciplina: “A Comissão Parlamentar da Educação aprovou ontem a realização de uma prova de recuperação para os alunos que ultrapassem o limite de faltas, independentemente de serem justificadas ou não”. Todos os partidos da Oposição, ainda segundo a Lusa, “se opuseram a esta medida com o argumento de que ela não promove a assiduidade, nem uma maior exigência e qualidade do ensino, já que o estudante transitará de ano lectivo, mesmo que não obtenha aproveitamento. ”

Não me parece ser com medidas geradoras de mau ambiente escolar (por permitirem que os alunos “gazeteiros” se passeiem em plena impunidade pelos corredores da escola quando lhes dá na real gana em visita tumultuosa e provocadora a professores e colegas) que se combate eficazmente a agressão verbal, física ou psicológica, como esta aqui transcrita: “Recentemente [com total impunidade] duas professoras minhas conhecidas foram alvo de mimos de três adolescentes: uma foi ameaçada com uma faca e à outra entornaram-lhe um copo de água nas costas” (Editorial, “O Primeiro de Janeiro”, 4.Março.2008).

Esta forma de agressão, com tradições antigas em todo o mundo nas comunidades juvenis – cuja única novidade trazida a Portugal foi a adopção da palavra inglesa “bullyng”, que se pode traduzir por amedrontar ou agredir os mais fracos -, muito se agrava no Agrupamento Vertical de Escolas, em que frequentam o mesmo estabelecimento de ensino alunos desde o início do 2.º ciclo do básico até ao final do secundário. Ou seja, com uma diferença de idades de oito ou mais anos! Quer isto dizer que não houve qualquer cuidado por parte da tutela em fazer publicar normas legislativas que diminuíssem os efeitos da indisciplina e, muito menos, de promoverem a sua pelo menos parcial erradicação. Bem pelo contrário!

14 comentários:

Porfirio Silva disse...

Penso que pode ser do interesse dos leitores deste blogue o Ciclo de Conferências "Das Sociedades Humanas às Sociedades Artificiais". Informação disponível no sítio do Ciclo de Conferências .

Fátima André disse...

Este é um tema que me é muito caro, que por falta de tempo não vou comentar com a profundidade que merece o tema. Deixo uma achega ao que o Rui disse no final do texto: penso que o problema da convivência entre diferentes faixas etárias ainda pode ser mais acentuada nos Agrupamentos de Escolas (verticais) com Pré-Escolar, 1º, 2º e 3º Ciclo, em que as idades podem variar entre os 3 anos de idade até aos 15/16 anos.
Mas a escola não pode sozinha resolver problemas de indisciplina, violência... ou seja de má educação ... A EDUCAÇÃO COMEÇA EM CASA!
Há tempos escrevi vários posts sobre esta temática e ilustrei alguns com vídeos: uns de um conferêncista espanhol que ilustra a urgente necessidade de intervenção dos pais na formação cívica e moral das crianças e adolescentes; outro, na mesma linha, mas uma história pensada e contada por crianças, fala-se sobre o papel que cabe aos pais na construção da identidade dos filhos e numa educação em valores. E ainda um sobre a importância da aprendizagem por modelação. Valerá a pena espreitar. Pela mesma ordem deixo aqui os links:

http://revisitaraeducacao.blogspot.com/2007/11/educao-comea-em-casa.html

http://revisitaraeducacao.blogspot.com/2007/12/do-perfil-da-infncia-e-da-adolescncia.html

http://revisitaraeducacao.blogspot.com/2007/12/tal-pai-tal-filho.html

LA disse...

Continuo a achar os teus posts fracotes.
Não percebo a importância do primeiro parágrafo, não adianta nada ao assunto a não ser explicar o título.
2 parágrafo: é preciso ver que antes do 25 de Abril os alunos eram oprimidos, levavam com cargas policiais, reguadas a torto e a direito, etc. Antes não eram rosas, como pareces querer dizer.
3 parágrafo: como é que a Inglaterra com uma população 5 vezes maior que a portuguesa só tem 3 vezes mais profs? E como é que com 5 vezes menos alunos os portugueses conseguem agredir o dobro? Não estarás a confundir os números com percentagens e outras coisas? Que estudo é esse, onde estão as referências? Fico com dúvidas, não percebo como é que numa sociedade como a inglesa, que é mais violenta do que a portuguesa, os alunos são 10 vezes mais bem comportados do que os portugueses! Achas que os famosos holigões vão para a escola e piam fininho? Tenho dúvidas sobre isso.
5 parágrafo: também não espero muito de uma gaija que nunca deu aulas numa escola, ela não sabe do que fala, só deu aulas a adultos, deviamos ter um ministro que tenha sido prof. É pena os políticos nunca meterem a ministro um verdadeiro prof, e não metem porque acham que os profes são uns nabos, mas não é bem assim, já tivemos o Rómulo de Carvalho, o Virgílio Ferreira, e outros gaijos finos, mais finos do que essa pachoucha.
6 parágrafo: devias mostrar a opinião dos que acham que a assiduidade não é tão importante como isso! Será que é? Imagina que o limite de faltas é 10. Imagina que um aluno tirou boas notas em todos os teste mas tem 12 faltas. Será que é correcto ele chumbar. A mim aconteceu-me chumbar por uma falta a mais e ter tido excelentes notas nos testes!
E se calhar há mais razões para um gaijo dar umas baldas e poder passar, não sei, há que ouvir os que defendem essa posição.

Eu percebo o que tu queres, se calhar concordo um bocadinho contigo em que há liberdade a mais e pouca responsabilidade, mas tu apresentas mal os dados, não te justificas bem e pareces um fascista que quer de regresso as reguadas e as vergastadas, é só isso.

Rui Baptista disse...

Grato pelas achegas do vídeo. Vou vê-los com toda a atenção.

É bem verdade: “A EDUCAÇÃO COMEÇA EM CASA!” Mas há educação, ainda que com letras minúsculas, “que resista a uma lavagem ao cérebro de cabeças juvenis, num ataque ao poder paternal e a princípios transmitidos em casa?” “ Ou quando acrescento: “Do dia para a noite, os pais passaram a serem considerados ditadores [ou mesmo fascistas] por tentarem que a liberdade dos filhos se não transformasse em libertinagem?”.

Mudam-se os tempos, mas nem sempre se mudam as vontades. Tempos atrás, às portas de uma escola visitada pela ministra da Educação, na presença dos respectivos alunos, manifestavam-se ruidosamente professores/sindicalistas (ou será sindicalistas/professores?) com apupos e insultos contra a sua pessoa. E se, como diz a Fátima, a EDUCAÇÃO COMEÇA EM CASA, princípio que deu vida ao anexim, “escola de pais, escola de filhos”, não será verdade também que escola de professores, escola de alunos?

Na verdade é realmente espantoso o caso que a Fátima lembra. Ou seja, mais espantoso ainda que os 8 anos de “décalage” entre alunos de Escolas de Agrupamento Vertical (do início do 1.º ciclo do básico ao fim do secundário) é o exemplo que apresenta de haver outros modelos de escola em que a idade dos alunos vai dos 3 aos 15/16 anos, um diferencial etário de 12/13 anos.

Neste caso, para além da violência pode esconder-se algo bem pior: para bom entendedor…

O que dizem a isto as associação de pais? O que dizem a isto os sindicatos dos professores? O que diz a isto o ministério da Educação? O que diz a isto a própria Sociedade?

Anónimo disse...

João Carlos

A educação para mim, e ao contrário do que alguns comentários referem, não começa em casa, começa em todos nós, na nossa sociedade, no poder político, governativo e legislativo. Aí é que devia começar a educação. Mas não começa. Infelizmente, esta questão tem razões muito mais profundas, do que simplesmente culpar os pais, ao ponto de nunca se ter entendido verdadeiramente a questão. Toda a gente já viu que não é com leis como as que temos, que se educam crianças que todos os dias vêem criminosos sair impunes dos actos que cometem contra a vida em sociedade. É claro que não se conseguiu provar, mas é quase certo que filmes e jogos violentos têm alguma influência também, entre outras coisas, para provocar actos de violência. Isso é um sinal de que se o souberem fazer, estas crianças quando adultos, terão uma vida de sucesso na sociedade em questão. E o treino é obviamente a escola. As vítimas são os colegas e os professores. Podem violar direitos, mas os seus direitos são sagrados. As pessoas mais velhas sabem que antes do 25 de Abril havia as professoras que castigavam com reguadas e que fenómenos como o «buling» eram praticamente desconhecidos. Hoje, muitos jovens que cometem violência, fazem-no com sentimento de impunidade e nalgumas situações os próprios pais são também as suas vítimas que se calam com medo, ou são também eles cumplices por aprovarem o que os filhos fazem. Enquanto a sociedade continuar de costas voltadas e, como tal o poder político, não perceberem que as políticas educativas dos últimos 30 anos são um redondo fracasso, continuaremos a ter cada vez mais problemas deste género tornando-se a escola um antro de violência e de formação de criminosos, até porque talvez muito do abandono escolar se comece também a dever ao medo que os alunos sentem dos colegas com quem frequentam a escola. Enquanto não admitirmos isso, o ministério da educação continuará a gastar os recursos do estado sem saber o que anda fazendo.Estão enredados em diagnósticos que passam a lado da fundamentação do problema porque está carregado de ideologia. E quando nos regemos por ideologia e não pela verdade, porque não queremos admitir porque ela é dura, não podemos resolver o problema. A violência vai continuar a existir e a fazer as suas vítimas.

Rui Baptista disse...

Ao último comentarista:

Grato pela contribuição que trouxe a esta temática. Na verdade, há uma panóplia de factores extrínsecos ao indivíduo (sociais, educativos, culturais, etc.) e outros íntrínsecos de natureza genética que interagem entre si e que promovem, muitas vezes, os fenómenos de violência.

Para além disso, o comportamento grupal é diferente do comportamento individual. Por vezes, o indivíduo, aparentemente, pacífico se incitado pela multidão transforma-se por completo. Razão teve Ortega y Gasset quando postulou que o homem é produto da vida e da circunstância.

Finalmente, hoje em dia confunde-se instrução com educação. Um indivíduo carregado de diplomas académicos pendurados nas paredes se tiver uma alma de bárbaro não o deixará de ser por esse facto. Será um bárbaro com muita instrução e pouca educação. E, consequentemente, de elevada periculosidade social.

Luís disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
LA disse...

Não consegui encontrar estatísticas sobre a violência dos estudantes, a única coisa que encontrei é sobre a percentagem de homicídios para jovens entre 15 e 24 anos. Já é uma coisa um bocado antiga, mas mesmo assim dá para ver alguma coisa. Somos dos países com menos taxas de homicídios, com menos do que a Inglaterra.
Rui, ainda estou á espera da referência do estudo que mencionaste, o tal que diz que somos muito piores do que os ingleses. Estás com uma atitude muito pouco democrática, só respondes a alguns comentadores!
aqui vai o tal estudo:

http://www.vtnea.org/vio-2.htm

Rui Baptista disse...

Aqui vai: Blogue "Democracia em Portugal?", "S.O.S. Professor", 4/Março/2007.

Anónimo disse...

Pequena gralha, mas que não fica muito bem num blog destes, especialmente por ser numa palavra estranha para muitos: escreve-se "bullying".

Rui Baptista disse...

Carla:

Obrigado pela chamada de atenção e correção da gralha.

Sérgio O. Marques disse...

Certamente, quem escreve aqui, teve a sua experiência quando andou na escola como aluno. Gostava de ler algumas histórias na primeira pessoa em vez de andar a ver números.
Eu até escrevia sobre a minha experiência, mas tenho um dedo dormente.

Rui Baptista disse...

Carla:

Está a ver o que são as arreliadoras gralhas dos teclados? CORRECÇÃO, e não "correção". Assim é que está CORRECTO!

Anónimo disse...

Os alunos são educados numa pocilga, os pais são os pastores e os professores são os porcos.

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