segunda-feira, 24 de março de 2008
MUSEUS DE CIÊNCIA DE PARIS
O primeiro museu de ciência do mundo surgiu em Paris com a Revolução Francesa: foi o Conservatoire des Arts et Métiers, que se destinava a guardar e a mostrar máquinas e utensílios de carácter industrial e profissional. É um exemplo dos chamados museus de ciência de primeira geração, que à semelhança dos museus de arte (nascidos um pouco antes, no Renascimento), são colecções organizadas de objectos que importa preservar e exibir ao público. O seu sucessor é hoje o “Musée des Arts et des Métiers”, na Rua Réaumur, cheio de instrumentos históricos.
Mas o primeiro museu de ciência interactivo (entenda-se um museu de ciência no qual os visistantes possam mexer nos objectos) surgiu, também em Paris, só em 1937. Foi o “Palais de la Découverte” (um belo nome!) que foi inaugurado numa ala do Grand Palais, na elegante zona dos Campos Elísios e bem perto do rio Sena, por ocasião da Feira Internacional que se realizou nesse ano, um evento que juntou 44 países à volta do tema “Artes e técnicas aplicadas à vida moderna”. Já o ex-libris da cidade, a Torre Eiffel, tinha sido inaugurada em 1889, para a exposição universal que nesse ano comemorou os cem anos da Revolução Francesa. Museus como o Palais de la Découverte constituem a segunda geração de museus de ciência, a qual a seguir cresceu e se multiplicou por todo o mundo. O exemplo mais famoso talvez seja o Exploratorium de São Francisco, instalado nos anos 60 sob a orientação do físico Frank Oppenheimer, irmão de Robert Oppenheimer.
O Grand Palais, que alberga uma gigantesca galeria de exposições, assim como o próximo Petit Palais (este actualmente o Museu de Belas Artes da cidade de Paris) são belos edifícios de estilo “art nouveau” construídos em finais do século XIX ten em vista uma outra exposição mundial, a de 1900. Como se vê, as exposições mundiais mudaram a face da cidade-luz. O que mais impressiona quem entra no Palais de la Découverte, que continua hoje aberto ao público, é o amplo hall elíptico de entrada. Que se segue à escadaria de acesso ladeada pordois enormes cavalos de bronze empinandos em equilíbrio que parece precário.
E impressiona também a sucessão de instrumentos científicos, que estão dispostos por temas e intercalados por pequenos auditórios, onde, a horas anunciadas, se realizam sessões informais de demonstração e explicação. Por exemplo, na sala de luz explica-se a reflexão e a refracção, acrescentando o monitor com algum orgulho nacional, que esses fenómenos e outros se explicam pelo princípio proposto pelo francês Pierre de Fermat: um raio de luz não usa o caminho mais curto, mas sim o caminho mais rápido!
Um dos principais mentores do Palais de la Découverte foi o físico (e Prémio Nobel da Física pelas suas investigações atómicas) Jean Perrin. Ele é também o fundador, na mesma época do Centre National de Récherches Scientifiques, o maior instituto de investigação francesa. Perrin foi subsecretário de estado da investigação científica no governo da frente popular (sucedeu nesse lugar a Irène Joliot-Curie, a filha de Madame Curie que também foi Prémio Nobel). Compare-se com os anos em que nasceu em Portugal o primeiro museu de ciência interactivo, o primeiro instituto nacional de investigação científica e a primeira secretaria de estado da investigação científica para se ver melhor o atraso nacional! Mas a ideia do palácio não foi de Perrin, mas sim do pintor Anfré Leveillé, que integrava o grupo sobre “expressão do pensamento” na preparação da exposição de 1937. Declarou ele, mostrando clarividência notável: “Nada marca mais o pensamento do nosso tempo que o empreendimento científico. A exposição deve mostrar o extraordinário progresso da ciência. É preciso criar um palácio da ciência”. O nome “Palácio da Descoberta” é bem sugestivo: não se tratava de fazer um museu como os outros, mas um museu onde a ciência pudesse ser mostrada, tal qual era feita. Um sítio onde os cientistas podiam fazer divulgação para o grande público, tal como Michael Faraday tinha feito no século XIX na Royal Institution de Londres. As ideias de modernismo, progressismo mas também nacionalismo, que perpassavam a exposição internacional, estavam relacionadas de perto com a ciênciae a técnica, encontrando a sua expressão prática no palácio.
O edifício parece mais um museu de arte que um museu de ciência. Teve de ser aceite, “a contre coeur”, por alguns dos seus organizadores. No entanto, o novo conceito de museu teve um acolhimento imediato por parte do público: foi um êxito instantâneo. Ainda hoje se pode (e deve) lá ir! Outro Nobel da Física francês, Pierre de Gennes (recentemente falecido) afirmou quando o Palácio fez 50 anos: “Pessoalmente aprendi bastante no Palácio por volta de 1948. Regresso lá muitas vezes com os meus filhos e em breve vou lá regressar com os meus netos, e estou perfeitamente convencido que a chama é a mesma...” Para manter acesa a chama, alguns equipamentos foram actualizados.. Novas exposições temporárias surgem com regularidade. Apesar disso, o visitante notará um ar “démodée” do palácio, não tanto o edifício em si mas o design e a interacção bastante tradicional e mediada com o visitante. Foi o Exploratorium que introduziu a ideia de “carregar no botão”, que dispensa o intermediário.
Talvez o Palácio não se tenha renovado tanto como seria de esperar porque nos anos 80 surgiu em Paris um concorrente de peso: a Cité des Sciences et de l’ Industries de La Vilette, num subúrbio onde ficava o matadouro municipal. Aqui a arquitectura já é moderna: luz, vidro e água são os elementos que marcam a instalação do arquitecto Adrien Fainsilber. O elemento arquitectónico que mais impressiona é, no exterior do museu, a “Géode”, uma grande esfera em cujo interior se projectam filmes com grande efeito visual. O museu vê a sua imagem reflectida na “Géode”. À volta estende-se um grande parque, repleto de outras atracções, como a Cité de la Musique. Pois a Cité des Sciences é bem mais interactiva do que o Palais de la Découverte. Pode descobrir-se tudo sozinho, bastando carregar nos botões. O que mais impressiona dentro do museu é a secção dedicada aos mais pequenos. Na cidade da ciência infantil, as crianças esperam em fila para entrar de rompante e durante hora e meia mexerem em tudo o que quiserem, desde uma azenha de água a um estúdio de televisão. Mas, para o público adulto, uma das experiências mais marcantes consiste em ser encerrado, na secção de matemática, num carrocel fechado, onde várias experiências com bolas, água, etc. permitem ver a misteriosa “força centrífuga” em acção. Por exemplo, dificilmente se acerta num alvo à primeira...
Como serão os museus de ciência do futuro, os museus de terceirta geração? Já há várias ideias sobre o assunto, embora não exista ainda um conceito fixo. Resta-nos imaginar como vai ser visitando em Paris estes dois clássicos da segunda geração - o Palais de la Découverte e a Cité des Sciences de La Vilette – além, claro, do exemplo da primeira geração - o Musée des Arts et des Métiers. Tal como acontece na investigação científica, fazer mais e melhor vai ser difícil, mas vai ser certamente possível.
Exposições temporárias em exibição: No Musée des Arts et des Métiers: «Benjamin Franklin: homme de science, homme du monde»; no Palais de la Découvert, “Volcans, Seismes, Tsunamis” e “La Termite, la Fourmi”; e, na Cité des Sciences, “Cosmomania”, “Le Suicide en face” e “Au dela de la Imagination”. A revista «Geo» dedica o seu último número especial aos museus de Paris.
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