Quando, em Junho de 2011, Nuno Crato, o novo ministro da Educação e Ciência tomou posse, houve quem temesse uma revolução radical. Mas está a haver o que se pode chamar uma revolução tranquila. O ministro tem, sem dúvida, um impulso reformista, mas, em vez de “implodir” o ministério, tem actuado com prudência e tacto. Não tem, de resto, à sua disposição grandes meios. As severas restrições orçamentais impostas pelo acordo com a troika impedem mudanças que exijam investimentos de vulto. A educação, que representa uma boa fatia do PIB (4,6% em 2011), não podia eximir-se aos cortes nessa despesa.
Era conhecida a opinião do ministro sobre a excessiva centralização e burocracia do ministério. Embora ele tenha tentado diminuir o peso da máquina, até por uma questão de poupança, o facto é que o Ministério permaneceu um centro emissor de múltiplas e sucessivas directivas que chegam quase todos os dias às escolas e ao público. As Direcções Regionais de Educação não foram extintas, mas apenas reduzidas. Assim, a autonomia das escolas, apesar de nominalmente acrescida, é ainda bastante limitada. O ministério fortaleceu o papel dos directores das escolas e apregoou a liberdade de escolha pelas famílias, mas não conseguiu ainda, por exemplo, aumentar o papel das escolas privadas. Portugal está ainda longe de modelos de outros países com sistemas educativos descentralizados.
Era também conhecida a vontade do ministro de
promover a exigência nas escolas. Tal começou a ser feito com a introdução de
provas finais no 2.º ciclo do ensino básico a Língua Portuguesa e Matemática, de
início a contar apenas 25% para a nota final, e a introdução de provas finais
no 1.º ciclo (onde antes havia apenas “provas
de aferição”) no próximo ano lectivo. O intuito é reforçar a avaliação
externa do sistema, embora o processo continue a ser gerido pelo Gabinete de
Avaliação Educacional do Ministério. Os exames nacionais do 9.º e 12.º anos
decorreram como até agora, sem grandes alterações das médias, continuadamente
baixas em Matemática e Física. Aguarda-se para ver que mais exames haverá, que
resultado terá esse reforço de avaliação na qualidade do sistema, e de que modo
será resolvido o problema de “darwinismo social” que uma reprovação excessiva
poderá configurar.
No que respeita ao currículo, foi revogado o
documento orientador do ensino básico, escrito numa linguagem conhecida por eduquês, que reflectia uma ideologia
romântica, com base em conceitos como os de “ensino centrado no aluno”, “aprender
a aprender”, “aprendizagem por
descoberta”, etc. Invocando a necessidade de diminuir a dispersão, foi
alterado a matriz curricular do 2.º e 3.º ciclos do básico e ainda o do secundário,
reforçando disciplinas chamadas estruturantes como a Matemática, o Português, o
Inglês, as Ciências, em detrimento de disciplinas sem programa como Estudo
Acompanhado e Área de Projecto. Começaram a ser definidas metas curriculares,
que, sem mudar o essencial dos currículos, procuraram especificar de modo
simples e claro o que é exigido aos alunos em cada ano.
Na sequência de decisão anterior, consolidou-se a
escolaridade obrigatória até aos 18 anos. Um ponto sensível que o actual
governo não enfrentou plenamente foi o currículo único até ao 9.º ano. A aposta
no ensino profissional tem sido mais badalada do que concretizada. A ajuda das
empresas não é ainda a suficiente. Paira aliás, a este respeito, o espectro do
regresso ao ensino técnico-profissional de antes do 25 de Abril, que alguns
associam a divisão social, não existindo sobre o assunto um acordo dos
principais partidos. Mas parece claro que, para enfrentar o terrível problema
do abandono escolar, é necessário um reforço de vias profissionalizantes mais
cedo no percurso escolar, isto é, não apenas no secundário mas logo no básico,
com a salvaguarda óbvia da possibilidade de mudança atempada de via. Sem estas
opções não académicas, dificilmente se resolverá o problema dos alunos sem
aproveitamento. No que concerne ao comportamento escolar, o novo Estatuto do
Aluno permitirá progressos.
O novo ministro foi bem recebido pelos professores,
mas, no contexto da crise económico-financeira, a motivação não tem sido grande
nas escolas. Resolvida rapidamente no papel, por acordo com mais de metade dos sindicatos
do sector, a questão da avaliação do desempenho docente, à qual tinha sido
oposta enorme resistência, deixou no terreno muitas questões, que têm levado à desmotivação
dos professores. O modelo de avaliação foi simplificado, mas não é nítido que
ele conduza à promoção dos melhores e, assim, à desejável melhoria do sistema. A
avaliação foi política e mediaticamente sobrevalorizada. A desmotivação dos
docentes é agravada pelos cortes salariais que sofreram como todos os
trabalhadores da função pública. Foi anunciado por um governo anterior, mas
ainda não operacionalizado, o exame de acesso à carreira docente, uma medida
sensata que, apesar da oposição sindical, será mais fácil de concretizar agora,
numa altura em que há menor procura de cursos de formação de professores. Tal
prova revela-se hoje indispensável face às gritantes disparidades das formações
iniciais e aos critérios cegos usados até agora para contratar docentes. Em
resultado não só da queda demográfica, mas também de medidas de poupança, como
o agrupamento de escolas (que já vinha de governos anteriores), a diminuição de
disciplinas e de tempos lectivos, e o ligeiro aumento do número de alunos por
turma, aumentou o desemprego dos professores. No processo da colocação de
docentes tem sido notória alguma confusão que não será apenas informática. Defendendo
os seus afiliados, os sindicatos continuam reivindicativos, embora estejam
longe de exibir a força que tiveram na rua quando contestaram o modelo inicial
de avaliação. Multiplicam-se os sinais de descontentamento dos professores
relativamente à acção sindical. Algumas vozes têm-se levantado desde há algum
tempo em favor de uma Ordem dos Professores que, sem se substituir aos sindicatos, pudesse valorizar a profissão.
Pararam os investimentos megalómanos, como não
podia deixar de ser. Cessou o projecto, demagógico a vários títulos e de
eficácia duvidosa, de distribuição gratuita ou quase de computadores Magalhães,
estando em extinção uma fundação onde o governo de José Sócrates colocou para
esse fim avultados recursos. Por outro lado, por falta de verbas e dúvidas na
gestão, foram drasticamente diminuídos os trabalhos da Parque Escolar, a
empresa criada para reconstrução de escolas pelo mesmo governo. O programa das Novas
Oportunidades para concessão de equivalências de graus escolares a
percursos de vida, que tinha sido muito criticado na campanha eleitoral, entrou
em regressão, mas não foi ainda extinto. Foram fechados muitos centros desse
programa, depois de o governo achar, justamente, que não havia uma melhoria ao
nível da qualificação, mas apenas quando muito um incremento da auto-estima
individual.
Quanto ao ensino superior, o governo fez cortes
que se acumularam a cortes anteriores, ao mesmo tempo que procura, invocando o
valor da estabilidade, manter o sistema nos seus aspectos essenciais,
enquadrados por legislação recente. Os reitores das universidades têm razão
quando afirmam que estão a ser tratadas por igual instituições de comportamento
muito diferente, pois não se conhecem casos de má gestão do ensino superior
público. Apesar de o ministro ter sido crítico do processo de Bolonha,
conducente à uniformização no espaço europeu do ensino superior, que tinha
adoptado a mesma linguagem do “eduquês” vigente no básico e secundário, não se
registaram nessa área grandes mudanças, até porque dificilmente poderia haver. Uma
das alterações nas escolas superiores foi a desistência, motivada pelo aperto
das finanças, do modelo de fundação que algumas universidades (Porto, Aveiro e
ISCTE) tinham adoptado por sugestão governamental. E, das bases, surgiu a
proposta de uma grande universidade em Lisboa, reunindo a Clássica e a Técnica,
que poderá permitir a criação de uma universidade de referência internacional,
com dimensão e qualidade. Continua a ser apontado o excessivo número de
instituições e de cursos superiores e alguma indefinição na separação entre
universidades e politécnicos. Foram notícia os apoios da acção social escolar,
sendo aparente um número significativo de alunos com propinas atrasadas ou a
desistir da frequência dos seus cursos. Finalmente, um sério revés para o
governo foi decerto o anúncio de que o ministro Adjunto e dos Assuntos
Parlamentares, Miguel Relvas, tinha obtido um curso superior, na Universidade
Lusófona, quase apenas por equivalências. O ministro, pressionado pela opinião
pública, mandou instaurar um inquérito do qual se aguardam os resultados. Mesmo
que o inquérito revele que não houve irregularidades formais, a posição
política de Relvas ficou bastante frágil.
Embora o ministério se chame agora da Educação e
Ciência não se notaram mudanças na articulação entre os ensinos secundário e
superior, continuando o mesmo sistema nacional de acesso. As universidades não
têm, portanto, uma palavra na escolha dos seus alunos. Inovação digna de
registo em prol da aliança entre ciência e educação foi a criação de um
programa nacional Ciência na Escola,
cuja acção e resultados se aguardam.
Passou só um ano. Há muito por fazer na educação e
a revolução vai, decerto, continuar.
5 comentários:
Apreciação serena, realista e exacta.
Só não concordo com a "clássica" referência ao "eduquês" como ideologia romântica, com base em conceitos como os de “ensino centrado no aluno”, “aprender a aprender”, “aprendizagem por descoberta”, etc. Não, essa ideologia não é, em minha opinião, romântica. Ela é, face ao que vejo e vivo, e aos resultados que não podem ser escamoteados, uma ideologia criminosa. Com todas as letras. Que o digam os pobres que ganharam um papel (diploma) que só "serve" como motivo de tristeza, senão de escárnio e de vergonha.
De tomo Educativo
Oh' educação que altaneira
vos sois a melhor bandeira,
quem educa, vê crescer e tu,
na lei, fez professá-la a nu.
Que mãe, de gentil natureza
por ser filha educa a certeza,
no aprender, lá o tecer é saber,
deveria o bem, ser concebido ler.
Pois que magestade é saúde
e quantas crianças no amiúde,
livres, buscam o acolhido lar,
que d'este sois solidez a par,
souberas, quando de amor infinito
e saibam-se deste, por bendicto.
Considero que um artigo sobre um ano de Educação em Portugal deveria ser escrito, obviamente, por um docente, e não por um notável físico que dá aulas no ensino superior. Isto porque, por muito esforçado que seja, nunca poderá ter uma opinião fundamentada no pleno conhecimento, porque não estará a escrever sobre a sua área. A única forma de o fazer seria mantendo-se no domínio do ensino superior. No entanto, como não o fez e como tem espaço mediático onde pode divulgar as suas ideias, não poderei deixar de colocar algumas questões sobre o que escreveu (excetuando, obviamente, os pontos que se referem ao ensino superior, área que não domino).
As questões que irei colocar pretendem ajudar-me a compreender as posições que defende, pois o discurso que utiliza, por muito que seja repetido, continua a ter muito pouco substrato. Portanto, creio que respostas concretas a questões concretas poderiam ajudar a compreender um pouco melhor as ideias que apresenta, ideias essas que são comuns a outros leitores e autores deste blogue. Deste modo, como acredito que o seu objetivo será o mesmo que o meu, a melhoria da educação prestada no nosso país, acredito igualmente que, tal como eu, considera que uma discussão aberta, ampla e respeitadora dos diferentes pontos de vista, será importante no sentido de clarificar ideias.
Assim, gostaria que me elucidasse sobre os seguintes pontos presentes no seu discurso:
- De que modo a introdução das provas finais nos 1.º e 2.º ciclos promove a exigência nas escolas e reforça a avaliação externa do sistema (em contraposição com as provas de aferição)?
- Em que é que a revogação do documento orientador do ensino básico que referiu interferiu com as práticas nas escolas?
- O que entende sobre o “aprender a aprender” e a “aprendizagem por descoberta”, que faz com que sejam alvo da sua crítica?
- O que é que surge com o novo Estatuto do Aluno que permitirá progressos na área do comportamento escolar?
Agradeço desde já os seus esclarecimentos, respeitosamente,
André Pacheco
“Embora o ministério se chame agora da Educação e Ciência não se notaram mudanças na articulação entre os ensinos secundário e superior, continuando o mesmo sistema nacional de acesso. As universidades não têm, portanto, uma palavra na escolha dos seus alunos.”
Embora pareça uma questão secundária e pouco importante, as universidades passarem a seleccionar os seu alunos através de exames seria uma medida fundamental para alterar a actual situação no secundário, levando os alunos, e os professores, a preocuparem-se mais com as aprendizagens e menos com as notas, ao contrário do que sucede actualmente. Os resultados dos exames de admissão, mais do que as notas do secundário, poderiam também ser um parâmetro objectivo para avaliação dos professores e das escolas. Toda a gente beneficiaria (ou talvez não...) com a melhoria da qualidade do ensino que isto implicaria, pelo que não é fácil (ou será?) perceber a razão desta medida ainda não ter sido tomada.
Concordo quase inteiramente com o comentário de Fernando Caldeira.
E não só concordo como acho justo que fosse assim.
A parte que me suscita dúvidas é esta "Toda a gente beneficiaria (ou talvez não...)". Pelas seguintes razões:
Os exames nacionais do ensino secundário são feitos às centenas de milhar e implicam uma pesada logística e muitas despesas. Até há tempos atrás quem os "corrigia" eram professores do ensino secundário que, pelo trabalho, recebiam, limpos, à volta de quatro euros por prova. Isto acontecia quando nós éramos "ricos". Depois, à medida que a penúria se instalou, os professores classificadores (do ensino secundário, claro) deixaram de ganhar o que quer que fosse: deslocam-se para ir levantar e entregar as provas, têm que imprimir os documentos necessários: critérios, esclarecimentos do gave, etc e comprar as canetas vermelhas (várias em cada "safra"...), arranjar folhas de rascunho para notas, e por aí fora. Tudo por sua conta. Sendo que isso é o menos: imagine-se o gasto e o número de horas que os professores do ensino superior tinham que despender para fazer esse trabalho, mesmo que limitado aos candidatos às suas instituições. Suponho que é por isso mesmo que eles não reclamam tal "direito". E preferem servir-se dos resultados de frequência e das provas, por vezes "ditirâmbicas", como acontece com as da disciplina de biologia e geologia, do final do secundário.
E como o "monstro" funciona, e dos lamentos dos mais frágeis não reza a história, assim vamos, gemendo e chorando, baixinho.
Para não incomodar...
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