sábado, 31 de outubro de 2009

Um comunicado da Fenprof

Novo post de Rui Baptista:

“A vida é um pouco mais complexa do que se diz, e também as circunstâncias. Há uma necessidade premente de demonstrar essa complexidade” (Marcel Proust)

Embora sem comungar totalmente do pessimismo de Antero de que “a nossa fatalidade é a nossa história”, nesta hora de comprovado desastre de uma política educativa que muito se preocupa com meras finalidades estatísticas (como disse Leite Pinto, ministro da Educação do Estado Novo: “Há duas maneiras de mentir: uma é não dizer a verdade, outra fazer estatística”) para consumo tanto interno como externo, como que a modos de pacóvio orgulho nacional que foge, porém, às comparações mais exigentes, deparei-me estes dias com um comunicado/ anúncio da Fenprof no semanário Campeão das Províncias.

Paradoxalmente, a doutrina defendida no comentário da Fenprof está de acordo com as medidas legislativas publicadas anteriormente pela anterior tutela do ministério da Educação (Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro) . Para um cotejar de intenções, transcrevo parte do comunicado da Fenprof: “Os professores são exigentes porque querem o melhor para a Escola e para a Educação”. E, como corolário desse exórdio surge depois o requisito impositivo: “A revisão profunda do Decreto Lei n.º 15/2007, Estatuto da Carreira Docente, factor determinante do descontentamento e indignação sentidos pelos docentes portugueses”.

Uma leitura atenta do que está plasmado no preâmbulo do referido Decreto-Lei contradiz, porém, a falta de exigência para a Escola e para a Educação. Assim, transcrevo desse preâmbulo: “Contudo, a formação contínua, em que o País investiu avultados recursos, esteve em regra divorciada do aperfeiçoamento das competências científicas e pedagógicas relevantes para o exercício da actividade docente”. De facto, como é consabido, grande parte da formação contínua dos professores esteve longe (bem longe, até) de obedecer às louváveis intenções de “aperfeiçoamento” das competências docentes, uma vez que os professores, por falta de formação contínua específica, se viam obrigados a frequentar acções de formação que nada tinham a ver com as matérias que leccionavam. A título de mero exemplo, cursos de música para professores de português (ou vice-versa) nada acrescentavam à formação académica inicial dos formandos, num mundo em mudança constante, em mudança quase meteórica. No dealbar do século XXI, a Educação não pode nem deve fornecer paliativos burocráticos à crise nas escolas sob a capa de uma formação contínua docente que eu chamaria descontinuada, em eufemismo bondoso.

Aliás, no próprio comunicado da Fenprof se dá conta da necessidade de maior exigência quando defende “a abertura de um amplo debate com vista à melhoria da formação inicial dos docentes e uma profunda remodelação da formação contínua” . E aqui reside o caricato da situação. Vir agora a Fenprof a exigir “uma profunda remodelação da formação contínua” com suporte legal em legislação publicada anteriormente pelo Ministério da Educação. Ou seja, em certos aspectos, parece ser mais aquilo que une a Fenprof à tutela ministerial da Educação do que aquilo que as separa...

Mas, por outro lado, em face da polémica extremada que desencadeou, já não existe concordância entre sindicatos e governo na crítica que este faz ao antigo sistema de avaliação dos professores: “A progressão na carreira passou a depender fundamentalmente do decurso do tempo, o que permitiu que docentes que permaneceram afastados da actividade lectiva durante a maior parte do seu percurso profissional tenham chegado ao topo da carreira “. Como disse Virgílio na Eneida, “hoc opus hic labor est”, ou seja, aqui é que reside a dificuldade em conciliar os interesses dos sindicalistas que se perpetuam nos lugares, em alguns casos, sem quase ou nenhuma experiência docente no seu currículo profissional, para evitar a situação escandalosa de titulares de cargos sindicais terem chegado ao topo da carreira docente sem o conveniente exercício docente e respectiva avaliação.

A razão é mais do que óbvia. Mesmo não pondo em dúvida o sentido de “missão” (de que alguns se julgam ou dizem ungidos), um óptimo sindicalista pode ser um péssimo professor e vice-versa. Como advertiu o cientista George Lichtenberg, “se queres provar-nos que és competente em agricultura, não o faças semeando urtigas”.

P.S.: Um outro ponto do comunicado da Fenprof merece uma análise aprofundada que ficará para outra altura. Refiro-me a uma outra exigência sindical: “A extinção da espúria prova de ingresso na profissão docente e respeito pelas qualificações dos docentes e pela autonomia das escolas na verificação das condições para o exercício da profissão”.

Rui Baptista

4 comentários:

Unknown disse...

"... a situação escandalosa de titulares de cargos sindicais terem chegado ao topo da carreira docente sem o conveniente exercício docente e respectiva avaliação..." Não percebo porque é uma situação escandalosa. Com franqueza, não percebo. Qual é a alternativa? Sindicalistas inexperientes, que passam 5 ou 6 anos no máximo em funções sindicais? Isso era ouro sobre azul para os tubarões do ministério. Por isso não espanta que esta pseudo-verdade passe sistematicamente sem crítica.

Paula Torres disse...

curiosamente não são só os sindicalistas que atingem o topo da carreira, e esses estão ligados à educação, muitos leccionam e praticam a actividade sindical. Mas os senhores que estão no ministério, destacados para o serviço público(?), e deputados e membros das autarquias também atingem o dito topo da carreira docente, muitos ficaram professores titulares veja lá, e não leccionam faz uns anitos. Mas quem faz as leis sabe o que faz, pensamos nós...

Rui Baptista disse...

Cara Paula:

Embora o jurista António Almeida Santos, figura grada do Partido Socialista e cultor festejado das Belas-Letras, diga que "a maior parte das leis actuais chumbavam no exame da 4.ª classe", estou de acordo que "quem faz as leis sabe o que faz..." Por depreender que este "sabemos nós" é a forma majestática de se expressar em nome pessoal, corroboro e associa-me à sua opinião: "pensamos nós", a Paula e eu!

Na voz popular, "quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não sabe da arte". "Mutatis mutandi", o mesmo acontece com os fazedores de leis que só por tolice se excluiriam dos seus benefícios.

Dando prioridade devida às senhoras, responderei mais tarde a João Filipe Oliveira. A promessa está feita! E como soe dizer-se, as promessas são para cumprir...

Rui Baptista disse...

João Filipe de Oliveira:

Acabo de publicar um post, em resposta ao seu comentário, intitulado "Professores em direcções sindicais".

Cordialmente

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