segunda-feira, 26 de outubro de 2009

António Lobo Antunes versus José Saramago

Texto recebido do nosso leitor Augusto Küttner Magalhães:

Interessante numa altura em que cada um lança mais um livro, analisar estes dois escritores, que antes de o serem são pessoas, seres humanos. Ambos têm recebido vários prémios pela sua escrita, fica-se sempre na dúvida se o Nobel da Literatura algum dia será atribuído a António Lobo Antunes, sendo mais do que merecido, sem dúvida, mas como já foi atribuído a um português – José Saramago - há poucos anos, será menos provável vir a recebê-lo. Só por isso.

As atitudes dos dois homens e escritores estão a distanciar-se tremendamente e, depois de cada um ter tido uma doença grave, a que escaparam – e ainda bem - é estranha essa enorme diferença. Saramago parece estar azedado com a vida, está amargo, faz afirmações que sabe à partida que vão ser polémicas, que vão gerar mal-estar e parece sentir satisfação com isso. António Lobo Antunes, por ser tímido, pode passar a impressão de ser arrogante, mas não o é de facto, e não tem nenhum interesse, nem vontade de o ser. Não precisa! Esta diferença é importante, dado que os dois homens sem os seus livros seriam simples desconhecidos, como somos quase todos, mas a escrita, e nomeadamente a escrita de qualidade, fá-los ser lidos, apreciados, conhecidos e reconhecidos.

Não podemos deixar de ficar bem impressionados com as mensagens mais agradáveis, mais simpáticas, menos truculentas que eles emitem fora dos livros. E mal impressionados com as outras. Claro que tanto um como o outro são indiferentes à criação de inimigos. José Saramago tem a certeza disso mesmo, uma vez que vem criando este desconforto há vários anos, o que o não tem prejudicado como escritor. E não quer mesmo saber ao que dele pensem como pessoa. Está evidentemente no seu direito. Por seu lado, António Lobo Antunes, que tem uma grande história de vida, que é também um grande escritor, quer ser visto como um homem não desagradado com a vida. E parece não o ser, bem pelo contrário.

Se formos consultar os "rankings" das vendas de livros, vemos que Lobo Antunes está hoje a ser muito bem aceite, e ainda não houve tempo de ver o que se está a passar com o último livro de José Saramago, mas evidentemente que vai vender muito, independentemente de isso ser ou não fruto da sua truculência. Uns quererão ler o livro objecto da sua última polémica, outros apenas quererão dizer que o têm, ficará bem na estante.

Claro que todos temos o direito a expressar opiniões e, sendo figuras públicas, é até um favor que os dois fazem aos "media". Com a polémica, ficamos todos os dias a opinar sobre o que foi dito, como foi dito e sobretudo para que foi dito. Isso vende jornais e cria audiências nas rádios e nas televisões! Evidentemente que Saramago, com a idade que tem, não vai mudar, não vai deixar de "comprar uma guerra" qualquer. Ao invés, Lobo Antunes, está numa fase de vida em que não necessita de “comprar guerras”, para ser lido e falado. Basta-lhe ser como é, e mesmo podendo parecer arrogante, não o é de maneira nenhuma. Tem todo o direito a escolher o seu espaço, o seu tempo, e sobretudo a ter a privacidade da sua vida, dado que nunca deu azo, como muitos fazem, a mostrar a sua vida privada para depois se queixar que o não deixam em paz. Saramago também não o faz, mas todas as polémicas que cria e depois continua a alimentar acabam por se tornar maçadoras. Não o deixam nem a ele nem a nós em paz.

Mas é bom ter dois bons escritores portugueses. E esqueçamos quem acha que Saramago devia deixar de ser português. Tantos teriam mais motivos, muito mais fortes para deixarem de o ser... Esperemos que estas situações nos façam reflectir no que o ser humano pode fazer para tentar influenciar os outros, para criar as reacções mais diversas, sendo que um certo comportamento excessivamente truculento parece já não ser o que a maioria pretende. É um bom sinal dos tempos!

Augusto Küttner de Magalhães

5 comentários:

Domingos disse...

Como é agradável,nesta "selva intelectual" que nos rodeia,lermos um texto tão rico de valores, bom censo, e porque não dizê-lo, tolerância?
Chega a ser cansativo ouvir alguns fazedores de opinião, com "tanta raiva e sabedoria".
Obrigado, Augusto Küttner de Magalhães.

Domingos pimenta

Ricardo disse...

Enfim continuamos a viver numa sociedade onde tudo é discutível e legítimo questionar...menos a religião!

Àqueles que têm essa coragem e mérito chamamos maçadores e provocadores.

Parabens ao Sr. José Saramago por levantar tais questões, que poderão pelo menos levar à reflexão sobre tais assuntos.

Ricardo Maria disse...

Quanto engano!
Saramago, ao contrário de ALA, não fica pisando, remoendo, fazendo que não conhece outros escritores, procurando lhes dar menos importância do que realmente têm.
Saramago dá a cara pra bater, é dono legítimo de suas opiniões, sem medo de expô-las.
Em sua escrita reconhece-se o homem em sua linha reta, já ALA, prefere oferecer linhas tortas e caóticas.

Mónica disse...

dicotomia interessante apesar de ser notória a preferência do autor pelo ALA, n me convence

LSR disse...

O Saramago sempre foi uma criatura estranha nas letras portuguesas: um escritor com opiniões fortes e que gostava de as bradar em alta voz, em vez de se esconder numa toca como os nossos literatos costumam fazer. O Lobo Antunes, à parte o talento, é exactamente esse tipo de literato. Eu não faço a menor ideia do que ele pensa sobre seja o que for. É livre de se miscar da vida, mas eu prefiro os meus escritores como Saramago e Eça, que não escondiam as suas opiniões sobre nada, e fortemente envolvidos nas questões cívidas do dia-a-dia.

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