terça-feira, 13 de outubro de 2009

Apontamentos para a História da Astronomia Portuguesa


Novo post de António Mota de Aguiar (na foto, frontaria do Observatório Astronómico de Lisboa):

Se olharmos para a história da Astronomia portuguesa verificamos que ela vive hoje um momento de desenvolvimento, iniciado nos anos 90. Em Portugal existem actualmente vários departamentos e centros que estudam Astronomia, que formam licenciados, mestres e doutores, existindo infra-estruturas de apoio. Faz-se em Portugal investigação científica nesta área a nível internacional. Para encontrarmos algo semelhante ao ciclo actual temos que perscrutar o passado.

Encontramos, nos séculos XV e XVI, a Astronomia Náutica. No século XV o grande mentor das navegações foi o Infante D. Henrique. Nesse século e na primeira metade do seguinte tivemos grandes marinheiros, como Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral, e grandes homens de ciência, como Abraão Zacuto e Pedro Nunes. Existiram aqui escolas de navegação, que permitiram que, dos portos lusos, partissem caravelas à descoberta de novos mundos. Tais feitos marcam a primeira globalização no planeta. A realeza estava empenhada no projecto de expansão: por exemplo, D. João II tinha um claro projecto de descobertas marítimas.

Se é certo que D. João III desenvolveu entre nós a cosmografia também introduziu aqui, em 1540, o Tribunal do Santo Ofício, de má memória. Terminado o tempo da Astronomia Náutica, o ensino português passou a ser dominado pela Companhia de Jesus. Mau grado o pernicioso tribunal eclesiástico, o certo é que passaram por Portugal religiosos notáveis, como o jesuíta alemão Christopher Clavius, o arquitecto do calendário gregoriano, que ainda hoje é válido. Clavius estudou cinco anos em Coimbra e é possível que tenha aprendido astronomia com Pedro Nunes, que era na altura professor da Universidade. Na Aula da Esfera, no Colégio de Santo Antão, em Lisboa, ensinaram sábios religiosos e, em 1724, fizeram-se neste colégio, as primeiras observações astronómicas a um eclipse da Lua, que Rómulo de Carvalho apelidou de “proveitosas”. Porém, a astronomia nacional quase não passou das observações desse tipo, já que, em 1752, João Chevalier, membro da Congregação dos Oratorianos, fundada por São Filipe Néri [1], uma ordem mais aberta às ideias modernas que os Jesuítas, escrevia para o Observatório Astronómico de Paris, dizendo que a astronomia em Portugal estava muito "atrasada" [2]. Só na década de 70 desse século é que se dá como inserida no ensino superior a filosofia newtoniana [3], sendo claro que então havia ainda um longo caminho a percorrer até à sua inserção na cultura e na sociedades portuguesas.

No período entre 1590 e 1759, viveram vários religiosos portugueses com trabalho na área da ciência. No período do Iluminismo, além do já referido Chevalier, há a destacar: Luís António Verney, Teodoro de Almeida, João Jacinto de Magalhães, Correia da Serra, Inácio Monteiro, etc. Todos eles cultivaram e divulgaram a ciência, mas a sua obra não foi continuada de forma consistente. O Marquês de Pombal é o responsável pela primeira grande tentativa de reforma da ciência em Portugal: mudou-se o ensino na Universidade de Coimbra, tendo sido criado uma cadeira de Astronomia, leccionada pelo matemático Monteiro da Rocha, ex-religioso da Companhia de Jesus, e foi construído o Observatório Astronómico de Coimbra, primeiro observatório em Portugal a funcionar em bases científicas. Com grande pompa e circunstância tinha sido criado antes o Colégio dos Nobres, mas os nobres não queriam estudar ciência, mas sim frequentar aulas de esgrima, equitação e dança, pelo que o Colégio teve de fechar passado pouco tempo.

Apesar de no reinado de D. Maria I se terem criado instituições científicas de relevo, como a Academia das Ciências de Lisboa, a Academia Real da Marinha e a Academia Real dos Guardas Marinhas, além do Observatório Astronómico da Marinha, onde se estudou astronomia, grande parte do saber acumulado ruiu com as invasões napoleónicas, com a saída de D. João VI para o Brasil, e com as guerras civis entre liberais e absolutistas, que tiveram consequências desastrosas até quase ao final da primeira metade do século XIX. Em consequência desta situação, só encontramos homens da ciência astronómica na segunda metade desse século: Filipe Folque, Frederico Augusto Oom, Frederico Oom e Campos Rodrigues. O rei D. Pedro V, apesar de ter morrido jovem, soube valorizar a ciência. Além destes astrónomos tivemos também, na época, matemáticos, como Anastácio da Cunha, Daniel Augusto da Silva, Rodolfo Guimarães e Francisco Gomes Teixeira, entre outros. Na década de 80 do século XIX, surgiram os primeiros movimentos ideológicos que podemos associar ao ideal republicano, como o positivismo. Contudo, apesar da acção dos nomes mencionados e de outros, não existiam em Portugal infra-estruturas culturais de realce à escala internacional. Os portugueses eram, em geral, paupérrimos e continuavam, como tinha ocorrido até aí, analfabetos. A ciência não se podia construir nestas condições.

Os Observatórios Astronómicos de Lisboa e Coimbra estavam inoperantes, por falta de meios financeiros para se desenvolverem, designadamente por ausência de pessoal qualificado suficiente. No caso do Observatório Astronómico de Lisboa, fundado de certo modo para suceder ao Observatório Real da Marinha, um exemplo a seguir seria o projecto Carte du Ciel, de 1887, que envolvia a utilização da chapa fotográfica de modo a fotografar imensas áreas do céu, permitindo, assim, iniciar os estudos de astrofísica entre nós. Em Coimbra, o progresso teria sido também procurar ir além das efemérides que aí se calculavam, iniciando a investigação em astrofísica O referido projecto evidencia a falha da astronomia portuguesa: o Observatório de Lisboa começou a funcionar em 1872 com o objectivo de fazer "observações siderais" [4] mas, em 1887, rejeitava, por falta de meios financeiros, a participação na acção internacional, que lhe teria permitido dar um salto qualitativo.

Com o advento da República em 1910, assiste-se a uma nova tentativa de impulsionar a ciência portuguesa. Surgem na década de 20 do século XX vários notáveis homens de ciência. Lá fora, com o surgimento da física moderna, a ciência fazia extraordinários progressos. E também aqui alguns cientistas, sobretudo na área da Física Matemática, tentaram disseminar o saber da física moderna. O estudo aprofundado da Relatividade e da cosmologia dela emergente, como se fazia nos países com a ciência avançada, poderia ter fornecido, nos anos 20 e 30 do século XX, os alicerces do desenvolvimento científico que Portugal devia ter lançado para se manter minimamente actualizado na ciência. De facto, nessa época, começaram a regressar do estrangeiro os primeiros bolseiros da Junta de Educação Nacional. Na década de 30 cientistas defensores da corrente neo-positivista então em voga estavam apostados em divulgar o estudo da física moderna em Portugal. É conhecido o desfecho trágico que tiveram muitos desses homens. O Estado Novo reprimiu a comunidade científica, tendo prendido vários dos seus membros, enquanto outros tiveram de se exilar para o estrangeiro. A ciência era derrotada por forças retrógradas.

Na primeira parte do século XX viveu o matemático Francisco da Costa Lobo, um empedernido anti-relativista, que, durante quase quatro décadas, espalhou pelo mundo uma pseudo-ciência por ele inventada, a “teoria do éter radiante”, que se opunha à Teoria da Relatividade. Não teria sido trágico para a ciência em Portugal que ele tivesse sido anti-relativista não fora o caso de gozar da protecção do Estado Novo. Pese embora a instalação que fez de um espectroheliógrafo em Coimbra, o avanço da astrofísica que se verificou a nível mundial no século XX não foi suficientemente acompanhado entre nós, o que frustou as tentativas de se erigir em Portugal ciência em bases sólidas.

Houve, portanto, em Portugal duas épocas em que podia ter ocorrido um grande desenvolvimento da astronomia: a primeira, com a Reforma Pombalina, no final do século XVIII; e a segunda, na primeira metade do século XX. Os restantes anos da história da Astronomia portuguesa, excluída a época da Astronomia Náutica, relativamente bem estudada, e a época actual, que ainda é cedo para analisar em profundidade, foram pobres em infra-estruturas científicas. Sem ciência, o país manteve-se num estado de subdesenvolvimento crónico, revelado pelo número nitidamente excessivo de pessoas iletradas. Embora tenha havido uma mão cheia de nomes ilustres, a Astronomia não foi aqui fomentada como noutros países, e as ciências próximas da Astronomia, como a Matemática, a Física e a Química, tão pouco lhe puderam assegurar o necessário sustento.

António Mota de Aguiar

REFERÊNCIAS:

[1] Rómulo de Carvalho, João Chevalier, Astrónomo Português do século XVII, Memórias da Academia das Ciências, vol. XXXII, 1992-93
[2] José Joaquim Dionísio, Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Tomo
XXXIV, Lisboa, 1994, p. 81
[3] Rómulo de Carvalho, A
Aceitação em Portugal da Filosofia Newtoniana, Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXXVI, pp. 445-457.
[4] Frederico Augusto
Oom, Considerações Ácerca da Organisação do Real Observatório Astronómico de Lisboa. Imprensa Nacional, Lisboa, 1875, p. 15.

1 comentário:

Cláudia S. Tomazi disse...

"Com grande pompa e circunstância tinha sido criado antes o Colégio dos Nobres, mas os nobres não queriam estudar ciência, mas sim frequentar aulas de esgrima, equitação e dança, pelo que o Colégio teve de fechar passado pouco tempo".

Por vezes a nobreza liga-se de habilidades específicas do aprendizado; houve quem despertara na ciência por florete, montaria ou passas.

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