sábado, 19 de setembro de 2009
A verdade e os melros
Destacamos, com a devida vénia, a coluna de José Luís Pio de Abreu que saiu no "Destak" de 4 de Setembro passado:
Também eu gostava de saber a verdade, mas não sei. Assumir a minha ignorância é o ponto de partida para alcançar a verdade. Mas esse é um caminho difícil e inacabado, pois eu sei que, tal como o horizonte, a verdade estará sempre para além do meu alcance.
De resto, há muitas maneiras de definir a verdade. A definição mais comum é a correspondência com os factos. Se eu disser que os melros são pretos, podem recorrer à vossa experiência para ver que isso é verdade. Mas basta que alguém me mostre um melro branco para que eu deva duvidar. Em minha defesa, sempre posso dizer que, se for branco, não é melro, e lá teremos então de ir à procura de um perito que me diga o que são os melros.
Um perito, munido da sua sabedoria, de códigos e instrumentos de análise, pode definir a verdade porque as suas palavras são aceites por todas as pessoas entendidas em melros. A verdade é o consenso dos entendidos que orientam o consenso geral. Foi por isso que toda a gente se convenceu que Saddam Hussein tinha armas atómicas, levando a uma guerra absurda depois da qual se descobriu que tais armas não existiam. Ao menos, a minha verdade sobre os melros é inofensiva.
Dizem os peritos da verdade que ela é inalcançável, pelo que teremos de nos contentar com aproximações. Por isso, quando vejo alguém dizer que fala com verdade, eu fujo. Ou está, de facto, a mentir, ou não sabe que não sabe e é, por isso, ignorante. A não ser que fale de melros porque, pelo menos, não fará mal a ninguém.
J.L. Pio Abreu
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5 comentários:
Sim, sim. De resto, os melros fêmeas não são propriamente pretos, são cinzentos, quer na plumagem quer no bico. Mas vá lá, é preciso que nos aproximemos tanto quanto possível da verdade, isto é, que nos esforcemos por isso. E quando os factos testemunham, melhor...
Belíssimo texto. As ironias da filosofia podem ter humor político.
A verdade nao existe. E tudo uma ilusao e tudo e relativo como dizia o Einstein.
Um bom leitor de Nassim Taleb. São necessários mais.
Entre os cacarejos matutinos dos galos, a chinfrinada das árvores carregadas de pássaros ao raiar do sol e o arrulhar das rolas de manhã a única coisa que me acorda e não me deixa mais dormir é o pio do melro. Para mim um melro é todo aquele animal cujo piar me tira do sério.
Uma vez até cheguei a premeditar a morte do melro do vizinho à pedrada. No entanto tive azar: o melro além de estar numa varanda do segundo andar, estava fechado numa gaiola.
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