sexta-feira, 18 de setembro de 2009
NO RIO
Em homenagem ao cada vez maior número leitores brasileiros deste blogue, recupero um texto meu sobre o Rio de Janeiro que saiu em 2007 na Revista "Rua Larga" (nº 15):
Quando a família real portuguesa, em Novembro de 1807, atravessou o Atlântico até ao Rio de Janeiro, em fuga das tropas de Junot, teve de enfrentar uma tormentosa viagem de quase seis meses. Hoje, a viagem faz-se, pelo ar, em escassas seis horas. Quando o avião começa a descer, ouve-se o “Samba do Avião”, do carioca António Carlos Jobim. É um momento mágico, como quando se vai abraçar a pessoa amada: “Este samba é só porque/ Rio, eu gosto de você/ A morena vai sambar/ Seu corpo todo balançar/ Rio de sol, de céu, de mar/ Dentro de um minuto estaremos no Galeão”. E num minuto estamos no aeroporto que foi do Galeão e agora é de António Carlos Jobim (todo a gente ainda lhe chama Galeão, porque nesse local se construiu, em 1663, o maior navio do século, com capacidade para quatro mil homens).
Do aeroporto são mais alguns minutos até ao clássico Hotel Glória, perto da praia do Flamengo. Mas o Príncipe Regente, D. João (mais tarde D. João VI) e a sua esposa D. Carlota Joaquina não encontraram pouso num glorioso hotel, mas numa residência que foi adaptada a paço real, hoje situado na Praça 15 de Novembro (o 5 de Outubro do Brasil, que foi em 1880). É um local inescapável para o visitante português. O paço é hoje um centro cultural com uma aprazível loja de livros antigos e discos modernos. O visitante pode retemperar forças no “bistrô” do pátio. Se quiser saber a história do Brasil, não tem que ir longe, pois em poucos quarteirões encontrará o Museu Histórico Nacional, com exposições que vão desde os tempos pré-coloniais (Oreretama é “a nossa terra” em língua tupi) até à actualidade, passando pela chegada dos Portugueses primeiro a Porto Seguro e depois ao Rio. Os índios tupinambás do Rio lutaram contra os portugueses antes destes fundarem a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em 1 de Março de 1565 (pouca gente sabe que o maior conjunto de dicionários de tupi-português do século XVIII, quatro manuscritos, se encontra na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra).
Nem toda a família real voltou depois à pátria... O verbo “ficar”, conjugado na primeira pessoa no Paço por D. Pedro (“Dizei ao povo que fico”), precedeu de meses o grito do Ipiranga de 1822, a declaração de independência instigada por Andrada e Silva, o professor coimbrão que foi o primeiro a achar o lítio na Natureza. A preciosa biblioteca real, que tinha vindo com a corte, também ficou e hoje é o santo dos santos da Biblioteca Nacional do Brasil. Há uma outra biblioteca de origem lusa no Rio: o Real Gabinete Português de Leitura, uma das mais belas bibliotecas do mundo (a Joanina que não se enciume com o piropo). Situada na Rua Camões, no centro da cidade, é um impressionante lugar, onde entre outras relíquias, se guarda o original do “Amor de Perdição”. O visitante é recebido no mundo dos livros por quem os ama.
Cá fora, na rua, o mundo dos livros continua nos “sebos”, onde o visitante se pode perder... Mas, se ele quer novidades, tem de rumar à Livraria da Travessa, no Bairro de Ipanema, uma zona de intelectuais e artistas. A livraria abriga no andar de cima um bar, aberto pela noite fora, onde há “drinques” e “tira-gostos” (saber e sabor!). Perto, visita-se o botequim onde António Carlos Jobim e Vinicius de Morais compuseram, em 1963, a famosa canção: “Ah, se ela soubesse/ Que quando ela passa / O mundo inteirinho/ Se enche de graça/ E fica mais lindo/ Por causa do amor”. Aí pode tomar-se um “chope” frio (há uma nova cerveja chamada “Devassa”, que é “bem gostosa”). E ao lado está a praia, cheia de garotas de Ipanema, o Rio tem praia todo o ano, com barraquinhas de cocos e carrinhos de picolés.
Quem tem a suprema sorte de ver o Rio todo o ano é o Cristo Redentor, inaugurado no morro que foi da Tentação e que hoje é do Corcovado. No ano da uinauguração, em 1931, o físico Giuliano Marconi tentou ligar a iluminação do monumento por via rádio, a partir de Nápoles. Mas a tecnologia falhou e tiveram de proceder a uma ligação local. O Cristo tem, lá no alto, um abraço suspenso sobre a cidade. Suspeito que ele se sente tentado a trautear, ainda que em surdina, a “Garota de Ipanema”...
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