quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O currículo de Bolonha


Texto que continua dois antes aqui e aqui publicados. Neste resumem-se os aspectos orientadores da organização curricular que deverá decorrer da Declaração de Bolonha.

Para se perceber como as instituições de ensino superior organizam os seus planos curriculares de modo a estarem de acordo com as orientações patentes na Declaração de Bolonha, deve partir-se daquilo que se indica na própria Declaração e na legislação portuguesa a ela concernente (Subsecção IV da Lei 49/2005 de 30 de Agosto – Lei de Bases do Sistema Educativo –, Decreto-Lei n.º 42/2005, de 22 de Fevereiro e Decreto-Lei nº 74/2006, de 24 de Março).

Na leitura desses documentos no sentido de compreender o aspecto assinalado, é importante usar uma grelha que oriente a resposta às seguintes perguntas: (1) Que objectivos gerais se devem traçar? (2) A que métodos pedadógico-didácticos se deve recorrer? (3) Que avaliação das aprendizagens se deve realizar? (4) E que atitudes se devem requerer dos alunos?

Vejamos que respostas se podem encontrar nos documentos acima identificados:

1. No que respeita aos objectivos preconiza-se claramente que os alunos não devem limitar-se a adquirir conhecimentos, devendo, sobretudo, aprender a aplicá-los. Devem, como se refere, desenvolver competências. De entre estas, destacam-se as que se requerem para resolver problemas de diversa natureza e com um grau de complexidade elevado, para argumentar e comunicar nas mais variadas situações, para empreender pesquisas de modo mais ou menos alargado e profundo, para usar as novas tecnologias de informação como recurso e inovação.

Espera-se que, ao trabalharem e cimentarem tais competências, se motivem para a aprendizagem e se sintam responsáveis por ela. Que sejam, enfim, capazes de escolher, de forma responsável, os seus próprios percursos educativos e formativos, o que passa, em larga medida, pelo contacto com outras realidades e se concretiza na mobilidade inter-universidades. Complementarmente, espera-se que se sintam preparados para ingressar no mercado de trabalho nacional e internacional, perspectivando-se como agentes de desenvolvimento económico e social.

2. Quanto aos métodos pedadógico-didácticos, sem excluir momentos de exposição magistral, as propostas incidem em aulas práticas/laboratoriais, na resolução de exercícios sob orientação do professor; no trabalho autónomo na aula, no trabalho prático em contexto externo, em seminários, estágios/ observações em contextos profissionalizantes, na orientação tutorial, e no estudo individual e auto-orientado.

Trata-se de opções que decorrem da premência de superar o modelo de ensino centralizado no discurso docente e na repetição por parte do aluno, em direcção a uma dinâmica de relação entre alunos e professores susceptível de permitir ao primeiro construir, de modo continuado, os seus próprios esquemas de pensamento e de acção dos quais que, no seu futuro profissional, terá de dar conta.

3. Para que tal aconteça, a avaliação, independentemente do formato que possa assumir – exames, testes, provas, trabalhos individuais, trabalhos de grupo, apresentação de trabalhos nas aulas realizados, etc. –, reflectindo os conteúdos do programa, não pode deixar de contemplar os objectivos estabelecidos e de estar de acordo com eles. Numa estreita ligação com os métodos, espera-se fomentar o estudo persistente, empenhado e continuado ao longo do ano lectivo e não apenas em momentos pontuais, que em pouco contribuem para a consolidação dos saberes.

Estamos, assim, em face de um processo sistemático, gradual, cumulativo e evolutivo que, se devidamente supervisionado pelos professores, informa acerca da concretização dos objectivos, permitindo a reorientação dos alunos nas suas aprendizagens.

4. Em consequência de 1, 2 e 3, as atitudes dos alunos não podem ser deixadas ao acaso: a centralidade deles no processo educativo exige uma atenção particular a tal aspecto que passa, desejavelmente, pelo genuíno gosto de estudar e aprender, gosto a que não é alheio o investimento dispendido.

Deste modo, espera-se que acompanhem a par e passo as actividades lectivas, dedicando todos os dias um tempo para preparar as aulas, fazer os trabalhos solicitados, consultar a bibliografia recomendada, estudar por apontamentos pessoais decorrentes das aulas e em notas apuradas na consulta bibliográfica. Além disso, espera-se que tenham iniciativa para esclarecer as dúvidas que certamente lhes surgem, que se interroguem e discutam com os seus colegas os assuntos abordados, que tentem, enfim, compreender o que lhes é proposto e estabeleçam relações na mesma unidade curricular e com aquilo que já aprenderam ao longo do curso, que deve ter sido pensado tendo em vista a transposição para a prática profissional. O esforço para aprender, mesmo quando as matérias não são do inteiro agrado dos alunos, não está, pois, ausente nos discursos actuais sobre o ensino superior.

Em suma, percebe-se que estes quatro aspectos obedecem a um mesmo fio condutor, podendo dizer-se que existe coerência entre eles. Efectivamente, a decisão acerca dos objectivos que se pretendem atingir – o para quê – remete para a decisão acerca das metodologias mais apropriadas e da avaliação que permite verificar a sua concretização – o como. Remete também para uma certa atitude por parte dos estudantes que deve ser incentivada, pois sem ela os objectivos ficam destituídos de sentido.

Mas funcionará tudo isso?

Fonte da imagem: http://passapalavra.info/?p=8020

1 comentário:

Anónimo disse...

"Mas funcionará tudo isso?"

A pergunta deixou-me um pouco confuso, ainda para mais num texto tão claro. A questão levantada tem a ver com a aplicação em concreto do "paradigma de Bolonha" em Portugal? Nos países em que o Processo de Bolonha foi implementado?

PJ

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