sábado, 26 de setembro de 2009

O sexto valor

O Professor Alexandre Quintanilha, na conferência que, na passada quinta-feira, proferiu no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, enunciou cinco valores que entende serem inerentes à Ciência: (1) Exactidão preditiva, ou a capacidade de se prever aquilo que ainda é desconhecido; (2) Coerência interna, ou a exigência de os vários elementos de uma teoria não se contradizerem; (3) Consistência externa, ou a ideia de que não se devem violar princípios científicos estabelecidos que, por serem sólidos, muito dificilmente podem ser questionados; (4) Capacidade unificadora, ou a possibilidade, que infelizmente só raramente surge, de se conseguirem esclarecer, em simultâneo, vários dados; (5) Fertilidade (ou fecundidade), ou a aptidão para abrir novos domínios de pensamento.

Adicionou a estes, um sexto valor: a simplicidade ou elegância, que remete para a ideia de que uma teoria científica tem sempre qualquer coisa de esteticamente atraente ou apelativa. Trata-se de um valor que, na sua perspectiva, se afigura como problemático, pois parece estar mais ligado à Psicologia do que à Lógica.

Este valor fez-me lembrar uma entrevista a Gunther S. Stent, Físico-Químico de formação, que veio a destacar-se na área de Biologia Molecular.

"G. Stent: (...) quando trabalhei no Japão. Foi num ano sabático, em 1960. Nos laboratórios havia gente de bata branca a trabalhar com ultracentrifugadoras, fagos, mutações, etc., como qualquer outra. Mas fiquei espantado ao descobrir que eram fundamentalmente diferentes na maneira de atacar os assuntos. A opinião acerca do que estavam a fazer parecia bastante diferente da minha. Foi assim que essa experiência pessoal da diferença radical entre a ciência japonesa e aquilo que eu sei ser a ciência ocidental (...).

Entrevistador: Então qual é a diferença?
G. Stent: Tem a ver com a noção de realidade e verdade (...) o que descobri no Japão foi uma noção muito mais estética. O elemento verdade não era primordial. Para eles, escrever documentos elegantes era muito mais importante e a beleza do documento sobrepunha-se à verdade. Deparei primeiro com isto quando percebi que a noção de uma experiência controlada parecia estranha aos Japoneses. São pensadores muito mais positivos. Para eles uma experiência controlada é negativismo, bem vê, como se fosse uma tentativa para destruir coisas. Não gostam. Durante os seminários, o tipo de perguntas que faziam também não eram críticas. Primeiro julguei que se tratava só de delicadeza, porque os Japoneses são muito delicados. Mas, na realidade, existe uma base filosófica e religiosa muito mais profunda. É o budismo, por contraste com o cristianismo. Julgo que a ciência ocidental depende da noção de lei e ordem. Do ponto de vista histórico pode fazer-se remontar essa noção àquela de um Universo ordenado e criado por Deus, que fez as suas leis. Mais, ainda, Ele criou-nos à Sua imagem e, por conseguinte, é-nos permitido adivinhar as razões que teve, na Sua infinita sabedoria, para conseguir construir o mundo. E assim toda a empresa da ciência, metafisicamente — refiro-me à base metafísica da ciência ocidental — depende dessa crença: Deus, o Criador, fez as suas leis, criou-nos à Sua imagem e, por conseguinte, procuramos saber o que são as Suas ideias. Há algumas probabilidades de as descobrirmos, bem vê. Mas, para os budistas, um tal conceito é considerado o cúmulo da candidez. Porque, para eles, qualquer pessoa com o mínimo de raciocínio, sabe que o mundo é infinitamente complexo. É aí, pois, que encontramos a diferença fundamental. Porque se crê que não existem leis e que não há qualquer ordem, também não existe qualquer verdade. Não passa tudo de uma questão subjectiva, que é exactamente o que dizem agora os filósofos avant gard da ciência. Mas a opinião enraizada dos Japoneses tem sido essa, há milénios.

Entrevistador: Mas eu sempre acreditei na ordem, pura e simplesmente porque o mundo me parece ordenado (...).
G. Stent: É claro que a regularidade faz parte da nossa experiência e aprendemos isso desde o berço. Mas já não é a mesma coisa acreditar que no mundo existe a ordem. Ensinaram-nos que a ordem é o reflexo das leis subjacentes que nos é dado descobrir. Mas isso não é necessariamente o mesmo. Isso, julgo eu, é de certo modo um reflexo de uma crença deísta. E acredito que enquanto os budistas estavam errados a curto prazo, porque o mundo se revelou mais compreensível do que eles pensavam, acabaram por estar certos a longo prazo. Agora que empurrámos a ciência até aos seus limites, vemos que, afinal de contas tinham razão.”

Referência bibliográfica:
Stent, G.
(1988). Descrever a natureza. L. Wolpert & A. Richards (1988). Uma paixão pela ciência. Lisboa, Edições Salamandra, 103-112.

6 comentários:

Fernanda disse...

Muito shoWWW!!! de grande utilidade!!Parabéns!!!Adorei as informações, a criação e desenvolvimento desse site!!!

http://empresadecriacaodesites.com

Anónimo disse...

"porque os Japoneses são muito delicados"

Claro, basta ver as suas experiencias feitas durante a II Guerra Mundial.

Aquilo era so delicadeza e no fim (gracas aos americanos quererem o fruto dessas investigacoes delicadas) os delicados mor nem foram a julgamento.

maria disse...

muito "actual" o seu post , Helena. há uns tempos dei por mim enrolada em problemas existenciais e não sou mulher para uma só visão : fui à filosofia , à religião ( new age incluído) e à ciência.
Surpresa , resumindo , tirando as roupagens , todos diziam o mesmo.
E a net? bem boa. deu-me acesso a Habermas , Alfredo Younis ,paganismo ,evangelhos apócrifos e tal , e mais umas coisas , tudo ao mesmo tempo. e a pessoas interrogantes.

perspectiva disse...

Muito bem. Mas a teoria da evolução viola a lei da biogénese.

Anónimo disse...

Quintanilha, muito bem, desenvolve 5 valores evitando o duma correspondência ingénua a uns tais de "factos". Mesmo com o 1º valor, o seu centro de gravidade epistemológico parece ser o coerentismo. Aqui, o 6º valor não será um "acrescento" - será a referência última da decisão.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

O Museu da Ciência da Universidade de Coimbra faz história com valores e temas de importância humanística.

"O PODER DA LITERATURA". UMA HISTÓRIA, UM LIVRO

Talvez haja quem se recorde de, nos anos oitenta do passado século, certa professora, chamada Maria do Carmo Vieira, e os seus alunos do 11....