O Professor Alexandre Quintanilha, na conferência que, na passada quinta-feira, proferiu no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, enunciou cinco valores que entende serem inerentes à Ciência: (1) Exactidão preditiva, ou a capacidade de se prever aquilo que ainda é desconhecido; (2) Coerência interna, ou a exigência de os vários elementos de uma teoria não se contradizerem; (3) Consistência externa, ou a ideia de que não se devem violar princípios científicos estabelecidos que, por serem sólidos, muito dificilmente podem ser questionados; (4) Capacidade unificadora, ou a possibilidade, que infelizmente só raramente surge, de se conseguirem esclarecer, em simultâneo, vários dados; (5) Fertilidade (ou fecundidade), ou a aptidão para abrir novos domínios de pensamento.
Adicionou a estes, um sexto valor: a simplicidade ou elegância, que remete para a ideia de que uma teoria científica tem sempre qualquer coisa de esteticamente atraente ou apelativa. Trata-se de um valor que, na sua perspectiva, se afigura como problemático, pois parece estar mais ligado à Psicologia do que à Lógica.
Este valor fez-me lembrar uma entrevista a Gunther S. Stent, Físico-Químico de formação, que veio a destacar-se na área de Biologia Molecular.
"G. Stent: (...) quando trabalhei no Japão. Foi num ano sabático, em 1960. Nos laboratórios havia gente de bata branca a trabalhar com ultracentrifugadoras, fagos, mutações, etc., como qualquer outra. Mas fiquei espantado ao descobrir que eram fundamentalmente diferentes na maneira de atacar os assuntos. A opinião acerca do que estavam a fazer parecia bastante diferente da minha. Foi assim que essa experiência pessoal da diferença radical entre a ciência japonesa e aquilo que eu sei ser a ciência ocidental (...).
Entrevistador: Então qual é a diferença?
G. Stent: Tem a ver com a noção de realidade e verdade (...) o que descobri no Japão foi uma noção muito mais estética. O elemento verdade não era primordial. Para eles, escrever documentos elegantes era muito mais importante e a beleza do documento sobrepunha-se à verdade. Deparei primeiro com isto quando percebi que a noção de uma experiência controlada parecia estranha aos Japoneses. São pensadores muito mais positivos. Para eles uma experiência controlada é negativismo, bem vê, como se fosse uma tentativa para destruir coisas. Não gostam. Durante os seminários, o tipo de perguntas que faziam também não eram críticas. Primeiro julguei que se tratava só de delicadeza, porque os Japoneses são muito delicados. Mas, na realidade, existe uma base filosófica e religiosa muito mais profunda. É o budismo, por contraste com o cristianismo. Julgo que a ciência ocidental depende da noção de lei e ordem. Do ponto de vista histórico pode fazer-se remontar essa noção àquela de um Universo ordenado e criado por Deus, que fez as suas leis. Mais, ainda, Ele criou-nos à Sua imagem e, por conseguinte, é-nos permitido adivinhar as razões que teve, na Sua infinita sabedoria, para conseguir construir o mundo. E assim toda a empresa da ciência, metafisicamente — refiro-me à base metafísica da ciência ocidental — depende dessa crença: Deus, o Criador, fez as suas leis, criou-nos à Sua imagem e, por conseguinte, procuramos saber o que são as Suas ideias. Há algumas probabilidades de as descobrirmos, bem vê. Mas, para os budistas, um tal conceito é considerado o cúmulo da candidez. Porque, para eles, qualquer pessoa com o mínimo de raciocínio, sabe que o mundo é infinitamente complexo. É aí, pois, que encontramos a diferença fundamental. Porque se crê que não existem leis e que não há qualquer ordem, também não existe qualquer verdade. Não passa tudo de uma questão subjectiva, que é exactamente o que dizem agora os filósofos avant gard da ciência. Mas a opinião enraizada dos Japoneses tem sido essa, há milénios.
Entrevistador: Mas eu sempre acreditei na ordem, pura e simplesmente porque o mundo me parece ordenado (...).
G. Stent: É claro que a regularidade faz parte da nossa experiência e aprendemos isso desde o berço. Mas já não é a mesma coisa acreditar que no mundo existe a ordem. Ensinaram-nos que a ordem é o reflexo das leis subjacentes que nos é dado descobrir. Mas isso não é necessariamente o mesmo. Isso, julgo eu, é de certo modo um reflexo de uma crença deísta. E acredito que enquanto os budistas estavam errados a curto prazo, porque o mundo se revelou mais compreensível do que eles pensavam, acabaram por estar certos a longo prazo. Agora que empurrámos a ciência até aos seus limites, vemos que, afinal de contas tinham razão.”
Referência bibliográfica:
Stent, G. (1988). Descrever a natureza. L. Wolpert & A. Richards (1988). Uma paixão pela ciência. Lisboa, Edições Salamandra, 103-112.
sábado, 26 de setembro de 2009
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6 comentários:
Muito shoWWW!!! de grande utilidade!!Parabéns!!!Adorei as informações, a criação e desenvolvimento desse site!!!
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"porque os Japoneses são muito delicados"
Claro, basta ver as suas experiencias feitas durante a II Guerra Mundial.
Aquilo era so delicadeza e no fim (gracas aos americanos quererem o fruto dessas investigacoes delicadas) os delicados mor nem foram a julgamento.
muito "actual" o seu post , Helena. há uns tempos dei por mim enrolada em problemas existenciais e não sou mulher para uma só visão : fui à filosofia , à religião ( new age incluído) e à ciência.
Surpresa , resumindo , tirando as roupagens , todos diziam o mesmo.
E a net? bem boa. deu-me acesso a Habermas , Alfredo Younis ,paganismo ,evangelhos apócrifos e tal , e mais umas coisas , tudo ao mesmo tempo. e a pessoas interrogantes.
Muito bem. Mas a teoria da evolução viola a lei da biogénese.
Quintanilha, muito bem, desenvolve 5 valores evitando o duma correspondência ingénua a uns tais de "factos". Mesmo com o 1º valor, o seu centro de gravidade epistemológico parece ser o coerentismo. Aqui, o 6º valor não será um "acrescento" - será a referência última da decisão.
O Museu da Ciência da Universidade de Coimbra faz história com valores e temas de importância humanística.
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