sábado, 19 de setembro de 2009
Breve História dos Vírus 2
António Piedade continua a sua série sobre vírus, saída em "O Despertar":
Antes de iniciarmos a viagem até às origens dos vírus, numa altura em que a superfície do planeta Terra tinha aspecto e constituição bem diferentes das actuais, devemos definir o que entendemos por vírus.
De entre os agentes que nos causam doenças, não por “maldade” intrínseca à sua natureza, mas porque encontram em nós as melhores condições para a sua sobrevivência, encontram-se os vírus.
No geral podemos definir um vírus como um agente infeccioso de dimensões submicroscópicas (isto é, mil vezes mais pequenos do que um milímetro) constituído por uma “cápsula” de alguns tipos de proteínas que se encaixam umas nas outras, quais pedras numa calçada portuguesa, numa estrutura regular que lhe confere resistência, a qual guarda e protege o genoma viral. O genoma, livro de instruções que definem, de certa forma, a história e o ciclo de vida do vírus, pode ser composto por ADN (exemplo, adenovírus, ou o influenza A vírus tipo H1N1) ou ARN (exemplo, HIV – vírus da SIDA), mas nunca por ambos. Alguns vírus, de que o do HIV é um exemplo, possuem uma bainha de lípidos à volta da cápsula protéica.
Como se sugeriu, o material genético que compõe o genoma viral contém todas as informações ou planos para a sua construção do seu edifício, com a sua arquitectura proteica regular. No entanto precisam da “fábrica e maquinaria” bioquímica existente no interior das células vivas, para dar expressão, sentido e função aos seus próprios planos. Isto é assim porque os vírus são caracterizados por não possuírem um metabolismo independente e por serem incapazes de se replicarem fora de uma determinada célula. Vírus diferentes têm capacidade de invadir tipos de células específicos e diversos. Por exemplo, os vírus que causam hepatite “escolhem” as células do fígado (que se designam hepatócitos e daí advém o nome da doença hepatite – infecção nos hepatócitos), os que causam a SIDA “preferem” um determinado tipo de células brancas do nosso sistema imunitário, enquanto outros como os adenovírus “alojam-se” nas vias respiratórias dando origem a gripes e outras infecções. Esta propriedade de os vírus serem capazes de “escolher” um tipo específico de célula é determinado pela existência de algumas proteínas no exterior do vírus que interagem forte e especificamente com moléculas existentes na superfície das células do hospedeiro e que são marcadores “típicos” das células de um determinado tecido. Por exemplo, o vírus influenza A tipo H1N1 possui no seu mosaico proteico duas proteínas: um tipo de hemaglutinina (H1) e um tipo de neuraminidase (N1). Assim, devido a uma estratégia de reconhecimento molecular forjada e moldada no início da vida no nosso planeta e que evoluiu desde então através de variações do mesmo tema, o vírus “sabe” a que tipo de célula humana deve “atracar-se” para dar início à sua replicação. Isto porque existem na superfície de todas as células, receptores complementares das proteínas que estão na cápsula viral. Uma interacção tipo chave na fechadura complementar, abre a célula à invasão viral.
Assim, uma vez encontrada a célula com a fechadura que a chave viral abre, os vírus “injectam” o seu genoma, o seu manual de instruções, no interior celular ou são primeiramente internalizados integralmente: qual cavalo de Tróia a célula engole a partícula a viral sem ter qualquer desconfiança sobre o que é que lhe vai acontecer.
Legenda da figura 1
Imagem tratada obtida por microscopia electrónica de transmissão do Poliovírus tipo 1 causador da poliomielite ou paralisia infantil. (2,9 Å de resolução). Hogle, Chow & Filman, 1985.
Legenda da figura 2
Esquema do capsídeo do poliovírus. Protein Data Bank, ID 2plv (http://www.rcsb.org/pdb/explore/explore.do?structureId=2PLV).
António Piedade
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1 comentário:
Correcção: Por lapso, indiquei erradamente o vírus influenza tipo A (H1N1) como possuindo ADN. De facto, todos os vírus da família Orthomyxoviridae, a que pertendem os vírus influenza (tipo A, B e C), possuem os genes inscritos noutro tipo de de ácidos nucleicos: o ARN.
Acrescento ainda uma outra correcção: deve dizer-se vírus influenza tipo A, sub-tipo H1N1. E não influenza A vírus tipo (H1N1) como erradamente apareceu na minha crónica. Obrigado.
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