quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Francisco Louçã, o pregador


Como neste blogue as opiniões são livres, trazemos a opinião do nosso colaborador Rui Baptista sobre o debate televisivo Sócrates-Louçã:


“A cura está ligada ao tempo e às vezes também às circunstâncias” (Hipócrates, 460 a.C.- 337 a.C)

O recente debate televisivo entre José Sócrates e Francisco Louçã (RTP1, 8/09/2009) fez-me recuar aos tempos da minha juventude. Mais precisamente aos saudosos filmes de “cowboys” em que aparecia a personagem de um pregador que, na praça pública, tentava convencer os ouvintes da bem-aventurança que aguardava as suas almas no paraíso que ele defendia com a convicção da sua “própria fé” .

Neste caso, o pregador da coboiada nacional que passou nos ecrãs televisivos foi personificado por Francisco Louçã, o festejado líder do Bloco de Esquerda, quando no referido debate defendeu que as despesas com a saúde - consequentemente, as consultas médicas em consultórios privados - deixassem de contar para efeitos de desconto no IRS.

Sabendo nós que os recibos passados pelos médicos aos seus clientes constituem uma parcela importante do total que é taxado a estes profissionais para pagamento de IRS, o referido desaparecimento de recibos constituiria uma perda evidente de rendimentos para a fazenda pública criando uma forma de economia paralela que vigora nas profissões que não passam recibo porque o cliente assim não o exige, porque não ganha nada com isso e porque não quer amontoar papelada para lançar no lixo.

Este um aspecto da questão. Outro, e não menor, é o facto de o pregador Francisco Louçã julgar estar a viver, no "ledo e doce engano" de um mundo idílico em que o utente de uma consulta estatal não tem que se deslocar pela madrugada a um posto médico ou hospital para ser atendido ou simplesmente marcar uma consulta. Sem comentários por desnecessários, suponhamos, por hipótese, tratar-se de um doente com uma pneumonia e sem meio de transporte próprio que tem de se deslocar em transporte público... O terrível dilema das pessoas que se encontram fragilizadas fisica e animicamente por uma doença grave dá azo à seguinte opção popular: vão-se os anéis e fiquem-se os dedos. O doente tem de ir à privada se não quer morrer já.

Pode ser que o ridículo nem sempre mate, mas que faz perder votos fá-lo sempre. Será que Francisco Louçã, na sua ânsia cega de tudo tornar público, se não apercebeu do mau serviço que estava a prestar a si e ao partido que representa? Quer se tenha apercebido ou não, o mal está feito e pode ter consequências, venham as justificações de onde vierem. Se vierem, claro.

16 comentários:

Anónimo disse...

Examinemos este parágrafo "Este um aspecto... quer morrer já". As coisas em geral não se passam assim. No caso, mesmo tendo transporte próprio, telefona para o 112 e vai para as urgências. Onde é melhor atendido do que num privado. Há muitos casos de doentes operados no privado em que as coisas correm mal e então chamam o 112 para o levar a um hospital público. Porque aqui tem uma qualidade que nenhum privado tem. Se, nas suas críticas, usasse de algum rigor e respeito pela verdade, ficaria a ganhar.

Anónimo disse...

Tenho ido a consultas públicas mas nunca fui de madrugada. Vou às horas normais, tiro a senha e sento-me à espera do meu número.
Quanto a médicos que evitam passar recibos é verdade. No privado há mais endência para a aldrabice pelo menso nesse aspecto.

Américo Oliveira disse...

Está previsto trazerem outras opiniões?

Gabriel disse...

Estive á poucos dias nas urgências do Hospital Santa Maria, fui bem atendido.
Tenho médico de família e posso marcar consultas por telefone, se calhar sou um privilegiado por morar no centro de Lisboa.

Estou convicto que existe um mito sobre o mau funcionamento dos nossos hospitais e serviços de saúde e outro sobre bom funcionamento da nossa medicina privada.

Sou dos que acham que devemos medir a realidade sempre que possível, e neste caso é possivel.

Será que não há por ai uns estudos que comparem os serviços de saúde na área privada e na área pública em Portugal.

Porque, Pregadores somos todos nós quando expomos as nossas convicções.

Rui Baptista disse...

Penitencio-me, apenas, deste facto. Na verdade, a marcação de consultas não constitui o bicho de sete cabeças de que dei conta. Mas se os serviços estatais de saúde fossem assim tão eficientes como se justificaria a procura de consultas em médicos particulares? Puro masoquismo?

Veja-se, a título de mero exemplo, o caso da oftalmologia em que as consultas respectivas em serviços estatais demoram meses a ser conseguidas.Quanto aos médicos não passarem recibos (eu escrevi no post precisamente o contrário): acredito que o não façam de boa-vontade quando vêem outros profissionais dizerem aos clientes: se quiser sem recibo é tanto; com recibo é mais.Seria fastidioso de apresentar um parfela mínima desses exemplos, tantos que eles são.

Intitulou Fernando Namora (também ele médico)
um dos seus livros "Deuses e demónios da Medicina". Como em todas as profissões há bons e maus profissionais. Veja-se o caso dos demónios de outras profissões que enriquecem à custa de economias paralelas quando não passam recibos.

Mas isto são apenas "fait-divers". O que está realmente em causa é o programa do Bloco de Esquerda propor que as despesas confirmadas por recibos médicos deixem de contar para efeitos de descontos fiscais de IRS. Tentar defender este facto, ou até escamoteá-lo, e querer esconder a floresta com a árvore.

Rui Baptista disse...

Na última linha do meu comentário,onde está "e querer esconder", rectifico para "é querer esconder".

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Rui Baptista:

Os casos de má qualidade que subsistem no serviço de saúde público devem-se em grande parte à promiscuidade, conta a qual o PS nada fez de eficaz, entre os sectores público e privado. Um médico que trabalhe nos dois sectores tem interesse objectivo em que o público funcione o pior possível. Se for uma pessoa de excepcional probidade, não agirá em função deste interesse, mas as excepções são justamente excepções.

A premissa errada de que você parte é que não há outra maneira de combater a fuga aos impostos por parte dos médicos que não seja encorajar os doentes a exigir recibo. Mas há: por exemplo, a criminalização do enriquecimento injustificado, proposta pelo BE e recusada, com o argumento capcioso do ónus da prova, pelo PS.

Mas não há nada como os casos concretos para ilustrar uma posição. Por serem anedóticos, não servem de prova; mas servem certamente de contra-prova.

Eis o meu caso: há vários anos, fiz um tratamento dentário que me custou o equivalente ao preço dum automóvel utilitário. Não foi um tratamento de luxo, para branquear os dentes à la Paulo Portas, mas sim um tratamento A ADSE compensou-me duma pequena parte desse montante (o que já constituiu um privilégio, porque o SNS nem nessa pequena proporção reembolsa estes tratamentos). E fui reembolsado em sede de IRS duma pequena parte do remanescente.

Para mim, teria sido muito melhor negócio não ter tido qualquer benefício fiscal e ser decentemente reembolsado pela ADSE. E isto, que vale para mim, vale por maioria de razão para quem trabalha no sector privado e está integrado no SNS.

Passa-se algo de semelhante a isto sempre que preciso de óculos: as lentes progressivas que uso hoje são muito mais caras do que as lentes divergentes que corrigiam a miopia da minha juventude. O reembolso dado pela ADSE e o benefício fiscal não cobrem mais que uma parcela do preço. Se precisar dum par de óculos e de um implante dentário no mesmo ano, receberei por um dos tratamentos uma fracção do que gastei, e zero pelo outro.

Claro que o sistema podia ser melhorado - por exemplo, podia estabelecer-se, em vez de um limite máximo para as despesas reembolsáveis, um limite mínimo: uma franquia, como lhe chamam as companhias de seguros; até este limite o reembolso seria 0%; acima dele seria sempre inferior a 100%, para evitar abusos. Mas mesmo com estes e outros aperfeiçoamentos, a máquina seria sempre demasiado complexa e iria sempre beneficiar mais os prestadores de serviços do que os seus utentes.

Os benefícios fiscais em matéria de saúde, educação e PPR's não passam de um truque: o Estado dá com uma mão uma fracção do que lhe competiria dar com a outra. Desculpe, mas nesta matéria o Francisco Louçã tem toda a razão, como compreenderá qualquer pessoa que se dê ao trabalho de deitar contas à sua própria vida.

Rui Baptista disse...

José Luiz Sarmento: Obrigado por ter perspectivado esta temática numa óptica diferente da minha. Julgo que é na diversidade de opiniões que reside a riqueza dos post's ao permitirem comentários divergentes. A condição humana é imperfeita, imperfeita serão as suas tentativas em resolver problemas como este julgando atingir a perfeição de uma justiça fiscal. Claro que em termos favoráveis aos utentes da ADSE (e de outros sistemas de saúde que não comparticipam essas despezas na totalidade) seria preferível a comparticipação total, mas que criaria uma injustiça social perante classes ainda que menos afortunadas.

Ma eu insisto: pior do que fazer os descontos com despesas de saúde para efeitos de IRS é não fazer desconto nenhum. Em período de aflição (e o espectro da doença, mesmo que só imaginária atinge grande intensidade de aflição) qualquer pessoa não se importa perder os anéis para manter os dedos (aliás metáfora por mim utilizada anteriormente). Difícilmente defenderá os anéis para dedos que deixou de possuir.

Rui Baptista disse...

Acrescento ao meu comentário anterior o perigo de as despesas com a medicina privada serem comparticipadas na totalidade o mesmo que sucede com os serviços de urgência que entopem, por vezes, com questões de saúde menores prejudicando, assim, tratamento de casos verdadeiramente urgentes. Por outro lado, se as despezas com a medicina privada fossem comparticipadas a 100% o Serviço Nacional de Saúde seria, sempre, uma segunda escolha com os prejuízos daí inerentes.

joão boaventura disse...

O que Sarmento disse, foi dito por Octávio Paz:

"O Estado é um ogre filantrópico"

Rui Baptista disse...

Com as minhas desculpas, na 6.ª linha do meu comentário anterior rectifico "despezas" para despesas. Aliás, como escrevi na 1.ª linha do referido comentário. Igual erro se verifica na 7.ª linha do meu comentário das 17:48

Unknown disse...

Vai-se ao privado por razões muito diversas:

1. Proximidade (da residência de algumas pessoas);
2. Hábito (para os mais antigos, do tempo em que não havia serviço público);
3. Pelo mito (descabido) de que é melhor;
4. Por novo-riquismo (é mais chique ir ao pediatra do que ao centro de saúde);
5. Porque é grátis (por exemplo nas ópticas);
6. Porque não há no público (dentistas);
7. Porque as seguradoras mandam (acidentes, doenças profissionais)...

Tantas razões, não há uma só. A excessiva procura de serviços privados não tem como razão principal a melhor qualidade de serviço. Tem muitas razões que um olhar desatento confunde com preferência do utente.

Filipe Alexandre disse...

"Mas se os serviços estatais de saúde fossem assim tão eficientes como se justificaria a procura de consultas em médicos particulares? Puro masoquismo?"


Exmº Rui Baptista,

Sou admirador fiel da sua habilidade de construção crítica mas tenho a certeza que consegue uma melhor resposta. Vou dar-lhe 3 exemplos ao nível da oftalmologia:

A) Há 3 anos atrás a minha mãe sofreu de um grave problema ocular que pode cegar a curto prazo - descolamento de retina. Dirigiu-se a um oftalmologista particular (na zona do Algarve), que após o diagnóstico a reencaminhou para uma Clínica em Lisboa para ser operada já no dia seguinte, corrento o risco de ficar cega (custo aproximado (2500€). Apercebemdo-me da situação, na mesma noite desloquei-me ao Algarve (resido em Coimbra) e transportei, na manhã seguinte a minha mãe para Coimbra, dirigindo-me aos HUC, onde fui atendido na urgência, sendo a minhã mãe operada num dos dias seguintes, retornando a casa uma semana depois (custo aproximado= 80€)

B) Falando do caso anterior com um colega ele relatou-me o caso do pai (em tudo semelhante ao da minha mãe) que, residente no Ribatejo, foi operado em badajoz, numa clínica, privada por 800€

Proponho a seguinte questão:
Qual a relação entre o custo incidência e prevalência das diversas patologias, doentes tratados no SNS e no sector Privado e o rácio de Médicos do SNS Vs Médicos Privados Vs Médicos a operar tanto no SNS e privado?

Estes dados existem?Onde os posso consultar?

Rui Baptista disse...

Caro Filipe Alexandre:Para lhe dar uma resposta bem fundamentada para o interessante problema que levanta falece-me a capacidade. Essa resposta poderá ter resposta através de dados estatísticos dados a conhecer publicamente por quem de direito e de responsabilidade: o Ministério da Saúde.

Seja como for, o cerne da questão por mim levantada ( e que torno a levantar num novo post sobre esta temática, por mim já enviado para publicação ) reside na proposta do programa do Bloco de Esquerda em retirar aos utentes da medicina privada a possibilidade em deduzir despesas aí feitas para efeito de benefícios fiscais.

Rui Baptista disse...

Rectificação: Nas 2.ª e 3.ª linhas, do meu último comentário, onde escrevi: "Essa resposta poderá ter resposta...", deverá, obviamente, ser recticado para "Essa resposta poderá ser obtida...". As minhas desculpas aos possíveis leitores.

Anónimo disse...

Nuno Cardoso
Francisco Louça é com certeza um dos homens que mais mal poderá fazer ao nosso País. É um lobo vestido de cordeiro que quer chegar ao poder a qualquer preço, e, Deus nos livre setal aconteçer...
A questão é saber se o que Socrates e a sua equipa têm feito ao País ainda não chega para que as pessoas ganhem a consciência necessária do que deve ser feito ou se, por outro lado, teremos mesmo que ter umm Louça para percebermos.
Não se trata de partidos ou política, mas sim de sentido de Estado e bem estar comum que é tudo o que não se verifica. Se não reparem, se o País fosse uma empresa e o Governo a sua administração a empresa teria que ser declarada em estado de falência técnica e operacional e nenhum banco financiaria qualquer tipo operação de investimento. Mais ainda a Administração da dita empresa era chamanda e penalizada pelos seus actos. É isto que se passa com o Estado Português?...
Muito mais poderá ser dito, mas a principal questão é que eu acredito que temos verdadeiros Homens ou Mulheres no nossso Pais que podem criar muito mais bem-estar à população em geral e com verdadeiro sentido de Estado e nenhum destes senhores se aproxima sequer destas caracteristicas. É uma verdadeira perca de tempo dar-lhes a importância que que não têm muito menos as competências para Governar Portugal.
Escolham gente séria e digna.

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