terça-feira, 15 de setembro de 2009
Francisco Louçã, o pregador – 2
Rui Baptista continua o seu recente artigo de opinião sobre saúde e benefícios fiscais:
“Quanto mais grave é uma doença, maior tem que ser a esperança. Porque a função da esperança é preencher o que nos falta” (Vergílio Ferreira).
Por, a exemplo de André Gide, acreditar naqueles que procuram a verdade e duvidar daqueles que a encontram, o comentário de João Filipe Oliveira ao meu post “Francisco Louçã, o pregador” merece que clarifique o meu pensamento em que me assumo como defensor de um serviço público de saúde de qualidade sem por isso diabolizar o sector privado.
Detenho-me na lista que este comentário elenca com as sete razões da procura da medicina privada ou, mais prosaicamente, “ida ao privado”, que “tem muitas razões que um olhar desatento confunde com preferência do utente”. Mas, porque eu entendo que um olhar atento se justifica não tanto pela preferência do utente mas mais pela necessidade dele, trago em contrapartida o exemplo das longas listas de espera para as operações de “doenças prolongadas", eufemismo desajustado para doenças do foro oncológico em que a esperança de cura reside na urgência de um tratamento atempado que os IPOs não conseguem prestar na totalidade, pese embora os excelentes serviços médicos e de enfermagem consagrados a uma medicina humanizada.
O leitmotiv do meu post residiu no facto de Francisco Louçã entender que as despesas com as consultas do âmbito da medicina privada deviam deixar de contar para deduções do IRS. A discussão entre as vantagens e desvantagens das medicina estatal e medicina privada foge ao âmbito do problema e levar-nos-ia longe, confessando eu que não me sinto devidamente capacitado para me embrenhar nela, não desejando, por isso, ir além da chinela.
Os vários governos de países por esse mundo fora dificilmente dão uma resposta a contento dos muitos doentes que diariamente, fragilizados, se debatem com o dilema da escolha entre os dedos e os anéis. Claro que a dedução para efeitos de IRS das despesas com a saúde não é panaceia para os graves problemas que afectam a população, especialmente a mais idosa, que gasta, não poucas vezes, uma parcela substancial dos seus magros proventos em médicos e medicamentos, ainda que comparticipados. Mas ajuda.
E, se “cesteiro que faz um cesto faz um cento, desde que tenha verga e tempo”, nada nos garante que um político que faz hoje a proposta da retirada de benefícios fiscais no âmbito dos serviços médicos não venha a propor idêntica medida para as despesas com os medicamentos ou mesmo a tomá-la no caso de vir a pertencer ao governo. Hoje, a proposta do Bloco de Esquerda recai sobre as despesas com a medicina privada. Amanhã nada nos garante que não recaia sobre as deduções no IRS referentes a medicamentos.
Sendo Francisco Louçã um reputado académico no âmbito das ciências económicas, de um país a braços com uma grave (e continuada) crise económica, poderá ele garantir-nos estar o governo português capacitado para arcar com um serviço nacional de saúde suficientemente forte para responder a todas as solicitações que lhes sejam exigidas? Os Estados Unidos vivem hoje o debate político da prestação de um serviço público de saúde de qualidade que cubra toda a população. Esse é o grande desafio com que se debate Obama, líder esperançoso de um dos países mais ricos do mundo. Mas essa é ou parece ser a promessa de Louçã, um político de um país declaradamente pobre, mas com um modus vivendi que se não compagina com um sistema de saúde do tipo cubano por mais apregoada que seja a sua eficiência. Cada “roca com seu fuso, cada país com seu uso”. O mesmo uso para um país da União Europeia e uma pequena ilha da América Central em regime político que, aos poucos, se vai afastando da rudeza da sua ideologia estatizante deixando esse papel quase em exclusivo à Coreia do Norte? Esta, a questão.
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6 comentários:
Acredito que o mundo pode ser melhor, acredito na discussão de ideias como forma de definirmos o que é um mundo melhor.
Mas temos de ser mais rigorosos nas nossas concepções da verdade.
A sua opinião “ no facto de Francisco Louçã entender que as despesas com as consultas do âmbito da medicina privada deviam deixar de contar para deduções do IRS.”
Apoiado na arma da dúvida metódica lá fui ler o programa do BE.
E, página 21, está escrito: “abolição das taxas moderadoras; diminuição das deduções com seguros e despesas de saúde para os escalões mais elevados do IRS.”.
Aparentemente pode ser a mesma coisa, mas aparentemente também o Sol roda em volta da Terra.
José Gabriel: Essa é de mestre. Compreendi a sua intenção de me "convidar" a ler o Programa Eleitoral do Bloco de Esquerda. Desisti perante a profusão de páginas que ocupa e de uma leitura tão complexa e labiríntica que só o tornam legível aos "experts", aos verdadeiros politólogos que não sou, nem de longe nem de perto.
Perante esta minha declarada ignorância, limito-me a
seguir com o interesse que a cidadania me impõe os diversos debates em que os líderes dos maiores partidos políticos resumiram os seus planos eleitorais de forma a os tornarem acessíveis ao cidadão comum. Só assim frente-a-frente com os respectivos opositores e o telespectador, os intervenientes políticos deixam cair a máscara denunciada por Benjamim Disraeli, também ele um político: “O exercício da política pode ser definido com uma só palavra: dissimulação”,
Costuma o povo dizer que quem não tem cão caça com gato. Assim, fui procurar a fonte que serviu de fundamento à crítica feita nos meus posts.Ela aqui vai: TVI 24, 15 de Setembro de 2009, “Economia”: “IRS: Bloco quer acabar com deduções de educação, saúde e PPR”. Trata-se de um site na NET sobre a o debate televisivo entre José Sócrates e Francisco Louçã.Como se via num reclame televisivo, "o algodão não engana". Esta, a questão.
Pensei em responder tal qual é sugerido no ponto 2) das recomendações sobre o modo como deve ser escrito um comentário. No entanto, dado que o post que tinha pensado comentar não está de modo nenhum escrito desse modo, vou-me abster de tal, pois seria como argumentar para a parede. É óbvio que o autor do post nunca ouviu falar de comparticipação directa, ou então entrou-lhe por um ouvido e saiu-lhe pelo outro em virtude do vazio existente entre os dois. Um exemplo é o cheque-dentista. Nunca ouviu? Informe-se, ninguém tem culpa da sua ignorância. É um método simples e muito mais justo: se há falhas no SNS, o Estado paga integralmente o serviço necessário, seja um dentista ou uma operação, no serviço privado, directamente ao prestador do serviço.
Os seus dois últimos parágrafos então são duma pobreza argumentativa confrangedora, que devia envergonhar um blogue que faz do pensamento crítico o seu leitmotiv. O penúltimo parágrafo resume-se a tentar meter medo ao seu leitor, o "argumento" dos fracos, dos que sabem não ter argumentos vealidos para defender as suas crenças. No último parágrafo, demonstra que não sabe mesmo do que fala: sabia que Cuba, proporcionalmente à riqueza gerada, providencia muito melhores cuidados de saúde à sua população do que os EUA, tal como o demonstram todo o tipo de indicadores? E sabe porquê? Porque um sistema público de saúde universal é muito mais eficiente do que um sistema de saúde privado, fazendo mais com muito menos dinheiro.
Viana:
Reconheceu António Sérgio: “Contestar a ideia de um certo homem ou defendida por um certo homem não é insultar esse mesmo homem: sabe-se isto no mundo inteiro e só se desconhece neste país” (Prefácio ao “Seiscentismo”, pp. 11-13, Lisboa. 1926).
Confrontando este pensamento com o seu comentário, obviamente, não devolverei a graçola boçal que faz ao vazio entre os meus dois ouvidos. Começou e acaba aqui a conversa.
Apenas esclarecerei a minha posição perante possíveis leitores desta controvérsia:
1. Quanto ao problema do cheque dentista nunca a ele me referi por transcender o âmbito das medicinas estatal e privada em discussão para enunciar uma terceira via: a medicina convencionada.
2. No meu post faço referência ao sistema estatizado de saúde cubano fazendo-me, até, porta-voz da sua apregoada e reconhecida eficiência. Aí refiro, outrossim, que ele se não harmoniza com a realidade do nosso Serviço Nacional de saúde que tenta cumprir com o brio profissional dos seus mais directos agentes(médicos e enfermeiros)o melhor que é possível em países com orientações políticas diferentes porque diferente é o socialismo que tem vigorado em Portugal e em Cuba. Aliás, o exemplo referenciado dos médicos dentistas é bem a prova disso, a não ser que seja demonstrado que em Cuba essa especialidade não está integrada no respectivo sistema de saúde sendo necessário o recurso ao cheque-dentista numa acção que não cobre todos os grupos etários dos cidadãos do nosso país.
3. Por mais serpejantes que sejam os caminhos seguidos no referido comentário, nunca estas perspectivas constituíram o durame das questões por mim levantadas e no debate político entre Sócrates e Francisco Louçã na TVI no que se refere à proposta de retirada de deduções para efeitos de IRS nas consultas prestadas nos consultórios privados e que tanto enredou o discurso palavroso do líder do Bloco de Esquerda.
"...diferente é o socialismo que tem vigorado em Portugal e em Cuba"
A propósito desta comparação (se ela é possível) com Cuba falava a semana passada com um amigo Brasileiro sobre o SNS Português e o Brasileiro e ele "anedoticamente" contou-me a história de Cubanos, que exilados no Brasil (que após um determinado período de tempo não podem regressar ao páis de origem)sentem saudades da Educação e Saúde Cubanas, arrenpendidos da renúncia à mãe Cubana.
Salvo rasgos revolucionários, impossíveis numa sociedade modernizada como a Portuguesa, o nosso sistema político não mudará (ainda bem, mas obviamente que temos de solucionar um meio termo entre "ditaduras Socialistas" e democracias modernas e liberais, promotoras do mercado livre. Preferimos ser "comandados" autoritariamente, separados umbilicalmente da nossa liberdade, ou preferimos dormir com a casa em chamas, "otários" subsirvientes de um poder que reclama a liberdade de expressão, direito ao mercado privado, em que convivem-mos diariamente com "milhões gastos em derrapagens de obras públicas", milhões perdidos em investimentos da Segurança Social", milhões dos contribuintes para salvar bancos privados (coitadinhos, todos nós cometemos erros, vamos lá ajudá-los com uns milhõeszinhos), milhões gastos em subsídios de emprego forjados e rendimentos mínimos de inserção fictícios e coitadinho do empresário de futebol, vamos lá perdoar-lhe dois milhões de IVA (prescreveu, que se há-de fazer?
"Introspectando-me" já tive muito mais certo da minha resposta à opção entre os dois extremos anteriores. Actualmente ainda acredito numa democracia. Mas esta não pode permitir que Portugal seja dos países da UE em que os patrões mais ganham comparativamente aos operários e em que estes recebem dos salários mais baixos. nESTE CONTEXTO, como é que um partido dito Socialista, com maioria, recusa um imposto sobre as grande Fortunas? ("1% sobre a fortuna de Amorim são 25 000 000 €"!)
Nós Portugueses, orgulhosos da Nossa Pátria mãe, com um sangue gloriosos dos nossos antepassados temos de olhar o Futuro e decidir, porque a democracia somos todos nós, se queremos continuar a dormir com a casa em chamas!
ACORDEM!
Caro anónimo (16 de Setembro de 2009, 11:07):
Encontrei no seu comentário a virtude de me obrigar a reflectir sobre ele . Embora sem procuração, atrevo-me a julgar que o mesmo sucederá com os leitores se libertos de um fanatismo maniqueísta que não admite qualquer forma de pensamento que não seja totalmente preto ou branco. E muito menos que se não identifique com a sua maneira de pensar ou o botequim político que frequentam.
O seu texto fala por si, dispensando-me, como tal, de tecer comentários pessoais. Mas se me é permitida a excepção, sobre "a recusa de um imposto sobre as grandes Fortunas" , Peter Vries (novelista satírico americano, nascido no ano da implantação da República Portuguesa) disso se dá conta quando escreve: "Os ricos não são como nós: pagam menos impostos".
Separa-nos dos Estados Unidos (berço do seu autor) geograficamente o Atlântico mas irmana os dois países no vício tributário português, para além do ano do respectivo falecimento em 1993.
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