segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A Viagem do Beagle. Um diário

Darwin embarcou num brigue da armada britânica, o H.M.S. Beagle, para uma viagem de circum-navegação que deveria durar dois anos e acabou por durar seis. A experiência vivida esses anos, a possibilidade de conhecer e explorar regiões quase completamente desconhecidas para os ocidentais e seguramente para a ciência, foram decisivos na mudança radical de pensamento – usando a terminologia kuhniana: na verdadeira ruptura de paradigma científico – que se operou em Darwin durante a viagem e nos dois anos subsequentes ao seu regresso a Londres.


Nas suas palavras: “A viagem do Beagle foi, de longe, o acontecimento mais importante da minha vida e determinou toda a minha carreira; contudo, ela dependeu de uma circunstância tão pequena como o meu tio oferecer-se para viajar comigo 30 milhas até Shrewsbury, o que poucos tios fariam, e de uma trivialidade como a forma do meu nariz.”

Fitzroy era um discípulo de Lavater (1741-1801) e acreditava que o carácter de uma pessoa podia ser desvendado a partir das suas características faciais. E não gostou do nariz de Darwin por achar que revelava falta de determinação. É, sem dúvida, graças a esta escolha quase fortuita que Darwin produziu uma das maiores revoluções científicas de todos os tempos.

O objectivo da expedição era terminar o levantamento cartográfico da Patagónia e a costa da Terra do Fogo, iniciada pelo Capitão King entre 1826 e 1830, das costas do Chile, Perú e algumas ilhas do Pacífico, e regressar a Inglaterra por oriente, circum-navegando o globo. Efectuar ainda uma série de medições precisas de determinação da longitude dos locais de paragem, das condições meteorológicas e das marés.

Darwin foi convidado por ser um jovem naturalista idóneo, e também por ser rico, pois não só o trabalho não era remunerado como era exigido que pagasse uma renda por mês durante a viagem. Foi escolhido depois de alguns outros naturalistas não se terem mostrado dispostos a uma viagem tão longa.

Muitos foram os contratempos da partida, prevista para Setembro de 1831. Darwin aproveitou o tempo para se abastecer de livros e instrumentos e dar as últimas instruções ao envio contínuo para Inglaterra do material que seria recolhido. Após ter sido adiada por duas vezes, a partida do navio Beagle do porto de Plymouth, Devonport, fez-se finalmente a 27 de Dezembro de 1831.

Como forma de comemorar esta prodigiosa odisseia intelectual, vou elaborar alguns posts a propósito de datas significativas da viagem, começando pelo dia 7 de Setembro de 1832.

7 de Setembro de 1832

"Neste dia aportaram ao ancoradouro de Puerto Belgrano, depois de na véspera terem chegado a Baía Blanca. Aí, uma escuna que navegava para sul para ir caçar focas ofereceu-se para conduzir o Beagle a um bom ancoradouro e à Feitoria. Ao chegarem depararam-se com um grupo de recepção, composto pelo comandante da feitoria, gaúchos com roupas exóticas, soldados não regulares armados e índios prisioneiros, julgando que o Beagle transportava alimentos de Buenos Aires, o que não era o caso.

No dia seguinte, Darwin iniciou uma das mais importantes expedições científicas pelo interior da Patagónia. Nas suas expedições terrestres, fazia-se sempre acompanhar por um pequeno volume de poesia, o "Paraíso Perdido" de Milton. Ainda em Setembro escreve:

“O mar, na sua extrema luminosidade, tinha uma aparência luminosa e muito bonita; todas as partes da água, que de dia são vistas como espuma, brilhavam com uma luz pálida. O navio levava à frente da proa dois biliões de fósforo líquido, e a sua esteira era uma caminho leitoso. Até onde a vista alcançava, o topo de todas as ondas era brilhante e, da luz reflectida, o céu acima do horizonte não era tão escuro quanto o resto. Era impossível contemplar essa planura, como se estivesse derretida e consumida pelo calor, sem me lembrar da descrição de Milton sobre as regiões do Caos e da Anarquia.”


(Continua)

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