terça-feira, 8 de setembro de 2009

DIÁLOGO SOBRE "PORTUGAL DESIGUAL"

O meu artigo "Portugal Desigual" publicado no "Público" e também neste blogue publicou a seguinte reacção do leitor António de Andrade Tavares, que ele me autoriza a reproduzir aqui (evito que fique perdido no fundo de uma caixa de comentários):

"Transmito-lhe uma pequena reflexão sobre o artigo "Portugal Desigual", que li com interesse.

Em minha opinião faz sentido que nos interroguemos da razão de tamanha desigualdade social existente em Portugal. Será que a sua causa está, como parece, no egoísmo dos privilegiados?

A despesa do Estado representa, grosso modo, 50% do PIB, e seguramente muito mais de 50% do RNB (o PIB que fica no País após pagarmos os juros e dividendos daquilo que os estrangeiros “investiram” em Portugal) com base no resultado financeiro obtido pelo nivelamento induzido pela cobrança pública de impostos, outras taxas e das contribuições para a Segurança Social (11% + 23,75% dos salários).

Tendo em conta esta enorme parte que o Estado gere, julgo ser legitimo interrogarmo-nos se "a verdadeira razão do problema não estará na péssima gestão pública" dessa metade da riqueza produzida.

Quanto a desigualdades sociais, será caso para perguntar se o resultado seria melhor se o Estado não gerisse apenas os 50% do PIB, que em grande medida desbarata, mas tivesse a seu cargo a gestão duma maior percentagem, a retirar suplementarmente ao sector produtivo.

Atrevo-me a imaginar qual seria a igualdade obtida se viéssemos a permitir que o Estado gastasse, a seu gosto, não 50%, mas a totalidade da riqueza produzida e/ou consumida?

Para usar um conceito expresso por Marx, não estará o Estado com a conivência irresponsável de todos nós, a apropriar-se em auto consumo e a delapidar "a mais-valia" criada pela parte do país que é produtiva, que gera rendimento e poupança e é, provavelmente, tida por egoísta?

Quanto à alusão que faz ao "sector da educação" não resisto a pedir-lhe que me acompanhe num cálculo elementar:

Para calcularmos o gasto público por aluno (do pré-escolar ao fim do secundário) do Ministério da Educação, teremos que dividir 6652 milhões € por 1,477 milhões de alunos (usei documentos oficiais), o que dá cerca de 4500 € por aluno.

Atrevo-me a pedir-lhe que compare este custo com o preço das melhores escolas privadas em Portugal. E repare que estamos a comparar não um custo com um custo, mas um custo com um preço!

Estamos a esquecer o valor da construção das escolas públicas e cada um reflectirá sobre a qualidade do ensino, comparando as escolas públicas com as privadas.

Será que o “cheque educação” não seria a verdadeira forma de permitir a todos uma verdadeira igualdade de acesso a boas escolas - públicas ou privadas - segundo a escolha de cada um?"

Respondi:

"Agradeço muito o seu texto e peço desculpa da minha resposta tardia devido a sobrecarga de tarefas. Sim, concordo que o nosso Estado gere mal a "res publica", por vezes mesmo muito mal. Mas já não lhe sei responder se o cheque-educação seria um remédio. Mesmo encontrando alguns méritos na solução, não penso que possa ser uma panaceia. Até porque o problema não se resume à dimensão económica. Interrogo-me de resto por que razão outros países europeus têm sido tão pouco lestos como nós a adoptar uma solução desse tipo. Eu sei que o mercado funciona, em geral, bem, mas tem tempos e sectores em que não funcionará tão bem... E desculpar-me-á se eu recear a competição desenfreada que poderá estabelecer-se entre escolas privadas para receber os ditos cheques."

Em réplica, Andrade Tavares acrescentou:

"Efectivamente o mercado não é perfeito e no curto prazo pode permitir situações indesejáveis, o ajustamento muitas vezes só acontece no médio, longo prazo.

Mas, para responder a essa dificuldade, a regulação é sempre um meio disponível, se dirigida por entidade mais sábia que os milhares, neste caso 1,4 milhões que teriam que escolher, como escolhem coisas quase tão importantes como a educação: a casa, a alimentação, a profissão, o frigorífico, o cinema, o restaurante, ou mesmo o cônjuge. Certamente cometendo muitos erros, que procuram corrigir na próxima oportunidade.

O receio do mercado faz-me lembrar - permita-me a comparação - o receio da democracia. E esta, às vezes, funciona mal; acontece é que é sempre (muito) arriscado tentar uma alternativa...

A competição é, em geral, muito desagradável para quem tem que competir, sem nisso ter gosto. É, normalmente, muito vantajosa para quem é disputado, por exemplo como consumidor.

Não seria mal recordar que foi apenas a competição, com momentos de alguma sorte (cuja relevância se esbate ao longo de milhões de anos de evolução), que permitiu a maravilha da vida na Terra e o aparecimento da inteligência.

Julgo que na Europa, como por cá, se endeusou a escola pública como notável contraponto à "não-escola", esquecendo a alternativa da "escola-livre" com autonomia e com exames nacionais, única forma efectiva de verdadeira medida dos resultados. "Escola-livre", pelas mesmas razões que a universidade livre e autónoma.

A muitos professores não agrada a competição, compreendo-os perfeitamente! E está provado que é muito difícil reformar em oposição aos profissionais assumidamente organizados na defesa do seu interesse, mesmo que profundamente egoísta e interesseiro."

Pensei que este debate, em vez de ser privado, pode ser público...

16 comentários:

Anónimo disse...

Já agora, se me permitem entrar no debate, sobre um pequeno ponto peço um esclarecimento ao Andrade Tavares: e então quem é que fazia os ditos exames nacionais? Abria-se um concurso público entre as empresas de educação? E quem é que escolhia (uma vez que o estado não teria quaisquer obrigações educativas, só se deveria limitar a passar cheques)? Era automaticamente escolhida a que apresentasse proposta mais baixa?
Já agora, acrescento, sobre o cheque-ensino: a questão do ensino privado vs. ensino público que lhe subjaz é uma falsa questão, já que tem a ver muito mais com o perfil social dos alunos de um e de outro do que com a excelência do ensino ministrado (e eu gostava de ver esses colégios em cabeça de ranking a abrir sucursais na Brandoa ou na Quinta da Fonte, e isto mesmo contando com cheques de 4500 euros à cabeça; mas também, por que haveriam de abrir? Não seria essa uma iniciativa mais própria das Misericórdias?). Desculpe a ironia, mas essa do cheque-ensino não me entra.

De resto, e de forma geral, a sua argumentação parte de uma afirmação de princípio (que é um opinião, respeitável, mas opinião): a de que o Estado gere mal os recursos de que dispõe. Na verdade, a mim parece-me que o mercado deu recentemente eloquentes mostras de não gerir muito melhor, a fazer fé na crise que para aí vai.
Quanto ao artigo inicial do Carlos: sendo certo que o ministério é tentacular, se calhar seria interessante não se falar tanto genericamente de escola pública e falar mais das escolas públicas: na verdade, no ensino público as situações são tão díspares que não é justo metê-las todas no mesmo saco (como, aliás, acontece no privado, mas aqui a atenção tende a ser a inversa)
GL

Américo Oliveira disse...

Talvez fosse bom lembrar que a liberdade de escolha sempre existiu para os mais abastados.
O que está em discussão é a possibilidade de essa liberdade ser alargada a todos e aí parece que há quem não goste. O que, aliás, é defensável, mas convém dizê-lo.

Anónimo disse...

Desculpem lá mas esta comparação é completamente ridícula, ou então o Andrade é um génio.
Basta ver as estatísticas da OCDE para verificar que qualquer país decente gasta mais na educação do que Portugal, com alguns a gastar o dobro, como os EUA, que até são os tais com as melhores escolas e universidades privadas...
Vejam:

http://stats.oecd.org/viewhtml.aspx?queryname=18167&querytype=view&lang=en

Cliquem no gráfico da coluna da direita para comparar Portugal com outros países.

É mais que evidente que as contas não são assim tão simplistas como dividir o dinheiro pelo número de alunos! Isso não é assim! É que há que pôr dinheiro para o ministério da educação funcionar (ainda não é privado), para equipamento e investigação (que os privados não fazem, é muito cara, só gostam de alguma coisa de direito e línguas), etc, etc.
Ó Fiolhais, esse espírito crítico, próprio dos físicos?, anda muito distraido!
Não levem a mal, mas não pode estar toda a gente errada, incluindo os americanos e... eu!
luis

Fartinho da Silva disse...

Só não me agradou nada, mas mesmo nada o facto de afirmar que: "...a muitos professores não agrada a competição..."

São estes lugares comuns que têm feito com que cada vez mais pessoas se interroguem sobre as verdadeiras intenções dos liberais da economia!

Será possível que não saibam que a tal "competição que não agrada a muitos professores" já existe e quase completamente desregulada entre Politécnicos públicos, privados, Pniversidades públicas e privadas? Será possível que não percebam que esta competição existe há pelo menos 12 anos e que levou à existência de LICENCIATURAS como: "Engenharia da Hortofloriocultura, Animação sócio-cultural, Comunicação e Relações Económicas, BioInformática,..." etc., etc.

As ideias liberais são deveras interessantes, mas só funcionam com um Estado que regule BEM! Se o Estado que temos não é capaz de regular o funcionamento de 4 empresas de energia, como iria regular o funcionamento de milhares de escolas, infantários, politécnicos e universidades?

Anónimo disse...

O Luis tem toda a razão. O Ensino privado em Portugal não tem ensino experimental quase nenhum, tem professores em situação laboral precária (logo menores custos)e que ganham muitissimo menos (em média) do que os do ensino público, tem um conjunto de alunos que potencialmente degrada menos o espaço escolar e toda a sua manutenção torna-se mais barata, além de que são menos por estabelecimento, o que facilita na disciplina e em todos os custos inerentes à mesma (estou a falar de custos de pessoal para vigilância e de auxilio educativo,os quais são inferiores, por aluno, aos do público). E nem sequer ainda abordei a parte administrativa da escola...

Em suma, essas divisões de custos por alunos e o cheque educação, são frases ditas da boca para fora sem uma análise séria comparativa. Aliás, é inacreditável que se continue a abordar estes assuntos no nível da retórica e no "diz-que-disse" e não se analise a sério e com profundidade. Tenta-se sempre enviesar o debate para um pensamento preso a um ideal próprio, que nºao tenta compreender a realidade e confrontar a sua própria ideia com a verdade subjacente àquela.

António Silva

NCD disse...

A ideia de ver a educação como um mercado é saber o que querem os consumidores. Uns quererão exigência e qualidade, outros facilitismo. Neste domínio, penso que o cheque-ensino traria mais capacidade de escolha para todos, mas sobretudo para os que querem exigência e qualidade, porque é essa a oferta mais limitada - e mesmo impedida - na escola pública.
Ou seja, nós temos uma escola pública orientada para a mediocridade e não para a qualidade. Neste sentido, a escola privada é um contributo importante, disponível só para quem a pode pagar. O cheque-ensino seria, pois, um bom contrinuto em termos de mobilidade social.

NCD disse...

Ainda um outro ponto: o da liberdade na educação.
Da mesma forma que deixámos de ter um único manual escolar, para permitir maior liberdade de expressão, de pensamento e de educação - sendo certo que os programas são os mesmos, para todos os manuais e que muitos deles ficam aquém dos conteúdos que deviam ter e muito além nas opiniões que não deviam ter - da mesma forma, dizia, a livre escolha, pela família do ambiente escolar em que esses programas serão leccionados parece-me um ponto positivo. Também aqui o cheque-ensino poderá ajudar.
Não é pois que o cheque-ensino seja uma panaceia, mas é uma medida que vai no bom caminho, porque nos trará maior liberdade na educação dos nossos filhos, permitirá maior exigência no ensino e uma maior mobilidade social, contribuindo para a democratização activa e participada do ensino e não esta democratização à força, obrigatória e imposta para que a escola pública tem contribuído.

Anónimo disse...

A educação não pode ser vista como um mercado per si.

É um processo demasiado complexo e humanista para ficar constrangido a fenómenos de oferta e procura. Mais uma vez se pensa em economês e esquece-se o processo. É no processo que o ensino necessita de um bom rearranjo ou algumas mudanças.

Não o é totalmente até nos US, como é que o poderia ser num país como o nosso, com um mercado com várias distorções?

Além disso, está longe de ser factual que o ensino privado é melhor do que o público. Existem boas escolas públicas, escolas boas com maus alunos, escolas más com bons alunos. E várias privdas só são boas porque certamente porque controlam a origem da sua população escolar e porque o nível socio-cultural dos pais assim o permite. O seu comentário volta a confundir o ensino como um sistema de serviços e volta a dar-me razão no sentido em que a sua opinião segue uma ideia sua sobre aquilo que pensa que acontece,não aquilo que a realidade realmente apresenta.

Anónimo disse...

Só mais uma coisinha para rematar!
Agora não me apetece fazer uma busca no google, mas quem quiser saber, faz uma busca para ver os muitos biliões que as universidades privadas (merecia umas aspas) americanas recebem do estado.
Mais, se alguém pensa que as escolas e universidades portugesas não recebem nada do estado, estão completamente enganados.
Como a internet portuguesa é muito fraca, só encontrei um artigo a falar dos milhões que o estado dá à Universidade Católica.

http://www.fcee.lisboa.ucp.pt/resources/documents/marketing/SE22092006_14935470.pdf

A frase está lá no meio do texto. De certeza que as outras também recebem.
E as escolas de certeza que recebem algo, é só ir investigar.

Também encontrei esta:
"O Estado português investiu, em 2007, menos 20% que a média da EU para o Ensino Superior"
http://www.rupturafer.org/spip.php?article187

Ó Fiolhais, então você não está metido neste meio e não sabe destas coisas?

Quanto aos 50% do PIB, vão ver outros países e verificarão como os valores são identicos, ou superiores, como em França. Estou a escrever de memória, foi algo que já vi há muito tempo.
luis

Alexandre Wragg Freitas disse...

[Comentário escrito na madrugada do dia 9]
[Parte 1/3]

Estou tão em desacordo com tantos pontos... Vejamos se consigo fazer um apanhado simples.

- O "egoísmo do privilegiados" e as desigualdades económicas.

Bom, de um certo ponto de vista sim, essa é uma causa do problema. Se os "privilegiados" repartissem com os demais os seus privilégios de forma a terem todos o mesmo, certamente acabariam as desigualdades. Isto parece-me uma verdade de La Palice. Não defendo o egoísmo. Não me parece uma coisa bonita para ser defendida. E no entanto o nosso sistema económico não funciona sem ele. E funciona bem porque, infelizmente, o egoísmo está mesmo muito bem repartidinho. Aqui em Portugal gostamos de idolatrar os ricos e sonhamos em ser como eles, mesmo que sejam eles que nos pagam mal e nos exigem horários contra-natura. Mas a verdadeira questão não é esta. A questão é saber o que está antes e depois. Isto é, saber o que gera a desigualdade, e o que aconteceria se todos tivessem os mesmos rendimentos e o mesmo património. E isto são questões económicas e socias mais profundas cuja discussão não tem aqui cabimento.

- Se a verdadeira causa das desigualdades é a "péssima gestão pública".

Existe um bolo que já é à partida desigualmente repartido pelos convidados. Tiram-se bocados de bolo a cada um dos convidados, geralmente bocados maiores dos convidados que têm mais bolo. Baralham-se estes bocados todos e atiram-se ao ar, numa manifestação de "péssima gestão pública". E o resultado é necessariamente um aumento das desigualdades na repartição desse bolo?... Parece-me um pouco duvidoso e a requerer uma explicação um pouco mais detalhada.

- Qual seria a igualdade se o Estado gastasse a seu gosto (não sei o que este "a seu gosto" está aqui a fazer na frase) a totalidade da riqueza?

Bom, isso claramente dependeria do que "o Estado" fizesse com essa riqueza. Acho interessante pressupor que "o Estado" geraria ainda maiores desigualdades. Algo que talvez também merecesse uma melhor explicação. Mas, vá, talvez haja alguma razão nisso, porque "o Estado", na realidade, são pessoas. Pessoas que têm o poder de decidir onde vão buscar o bolo e o que fazer com ele, e finalmente todos nós, que temos o dever cívico de fiscalizar e sancionar essa actividade. E infelizmente as pessoas d'"o Estado" não são assim tão diferentes das demais. Passa-se por lá o mesmo que em qualquer outro lado. O egoísmo, assim como várias outras qualidades e defeitos das pessoas, feliz ou infelizmente encontram-se sempre muito bem disseminados. A diferença mais significativa é simplesmente que o sector privado está sujeito à concorrência (já falaremos mais disso) e o sector público nem por isso.

Alexandre Wragg Freitas disse...

[Parte 2]

- O Estado, o "auto-consumo" e o sector produtivo.

Imaginemos que o Estado é uma sanita. Bom, nesse caso o consumo do Estado não será muito bom para as pessoas de um país, que vêm os seus bens e serviços a irem pelo esgoto abaixo. Mas, pergunto eu, quando esse Estado, entidade misteriosa, "consome" 1 euro, será que esse euro vai pelo esgoto abaixo? Parece-me a mim que, conforme disse atrás, o Estado é constituído por pessoas e não existe mais nada que consuma a não ser as pessoas. De cada vez que o Estado consome 1 euro, esse euro vai evidentemente para o bolso de alguém. Portanto, o "auto-consumo" do Estado significa que as pessoas consomem o que produzem. Não estou bem a ver qual é o problema disso... Talvez uma melhor explicação ajude. Ou será que se está a tentar dizer, por confrontação com aquilo que se denomina de sector produtivo, que uma parte da sociedade produz para que outra parte consuma? Se assim for, parece evidente a reacção do tipo "ah, malandros... preguiçosos, que andam a roubar o que é dos outros!...". Reacção compreensível apenas a quem não entender os fundamentos da economia. Explicar esses fundamentos aqui também me parece descabido. Mas vá, apenas duas palavritas. Imaginemos que eu quero fazer um bolo e tenho comigo dinheiro para isso. Com o dinheiro compro tudo o que necessito para fazer o bolo. Bolo feito e dinheiro distribuído pelos meus fornecedores, aparece o Estado, essa entidade misteriosa, e diz aos fornecedores: passem para cá o dinheiro porque vocês já têm muito e vamos antes dar o dinheiro a este velhinho aqui que tem pouco. O velhinho fica então habilitado a adquirir o bolo e a consumi-lo. De onde a reacção natural "ah, malandro..."? Mas então o velhinho é o Estado? Onde é que está aqui o "auto-consumo"?... Se o dinheiro é retirado aos fornecedores não para dar ao velhinho, mas sim para dar a um professor (que presumo esteja incluído na noção de "Estado" do autor da mensagem original), onde está aqui o "auto-consumo" ou o malandro da história? Continuo a não ver bem. Finalmente, se o dinheiro vai parar às mãos de quem não fez absolutamente nada e tinha condições para fazer (e talvez seja esta a insinuação do texto original), então estamos de acordo que ele poderia ser melhor aplicado...

- A comparação entre as escolas públicas e as privadas em termos de qualidade de ensino e de eficiência económica.

Parece-me uma comparação excessivamente simplista. A começar pelo que se entende por "qualidade" e por "eficiência". Mas admitamos que as escolas públicas são de facto menos eficientes que as privadas, de acordo com um qualquer critério. Qual é a conclusão disso? Que isso contribui para o aumento das desigualdades em Portugal? Não estou a ver a relação directa... nem indirecta! Que o ensino público devia ser banido? Também não estou bem a ver... Talvez a resposta seja tão simplesmente: se as escolas públicas são ineficientes, então há que fazer os possíveis para torná-las mais eficientes! E quanto à qualidade, há uma coisa em que as escolas públicas hão-de sempre ser melhores que as privadas: o contacto dos alunos com realidades sociais e económicas diferentes da sua. Que valor se atribui a isso? E que importância pode isso ter na diminuição das desigualdades de um país?

- Sim, tal como com a democracia (qual?), livremo-nos de procurar alternativas ao mercado!... De facto, todos sabemos que isto não é nada bom, mas é assim e não há nada a fazer... é algo divino!... (Perdoem-me a ironia e a blasfémia)

Alexandre Wragg Freitas disse...

[Parte 3]

- "A competição é, em geral, muito desagradável para quem tem que competir, sem nisso ter gosto."

Esta frase é gira. Vejamos: a actividade X é, em geral, muito desagradável para quem tem que a fazer, sem nisso ter gosto". Pois, em geral quando não se tem gosto numa coisa, ela torna-se desagradável. Agora vejamos o lado muito sério desta questão. Eu posso gostar ou não gostar de jogar à bola, e posso jogar ou não à bola. Posso gostar ou não gostar da competição, mas quer queira quer não tenho de competir (será mais uma obra divina?)
Como é que alguém acaba por não gostar da competição? Esta também me parece bastante simples de responder... No rugby os jogadores confrontam-se de corpo e alma, mas no final juntam-se todos, vencedores e vencidos, para a terceira parte no bar. Na economia, bem pelo contrário, quem perde, perde mesmo. Mas que grande graça é que a competição há-de ter para quem já sabe que tem menos hipóteses de vencer?

- "foi apenas a competição [...] que permitiu a maravilha da vida na Terra e o aparecimento da inteligência."

Isto é, tanto quanto se sabe, profundamente errado. Mas isso nem sequer é o ponto. Porque afinal, se somos inteligentes, não temos de nos confinar à obra do acaso (provavelmente nem à de Deus!). Se, por algum acaso estranho, julgarmos que a cooperação é uma melhor solução para os seres humanos que a competição, temos o poder para alterar isso.

- Quanto às questões sobre professores, e embora já tenha sido um e também tenha opiniões, penso que outros comentários surgirão...

Finalmente, se ainda alguém me acompanha neste texto, gostava de deixar apenas uma achega sobre este fenómeno da desigualdade económica tão elevada em Portugal.

As histórias de sonhos norte-americanos de gente em ascensão a partir de situações muito desfavoráveis costumam, nesse e noutros países, servir para remediar a questão das desigualdades. Enquanto houver uma qualquer pessoa que tenha concretizado tal sonho (que, diga-se de passagem, pode não ter nada de belo), isso significará que essa ascensão é possível e logo que se alguém não o consegue é por culpa própria.

Bom, mesmo que isso seja assim, certamente nunca será justo.

Mas a realidade é que isso não é assim. Vamos lá à demonstração. Se as pessoas não são à nascença todas iguais, se as desigualdades entre elas podem ser modificadas indelevelmente pelas vivências e se as qualidades necessárias para singrar num ambiente competitivo são muito semelhantes, obrigatoriamente umas irão singrar melhor e outras pior. Quando as pessoas vêem uma pessoa que faz pouco ou faz lentamente dizem "preguiçoso". Mas, se essa pessoa for realmente preguiçosa, que espaço há nesta sociedade para abarcar esse comportamento ou maneira de ser? Nesta sociedade que, diga-se, gosta muito de apregoar o respeito pela diferença… Provavelmente irão recomendar a essa pessoa que beba muitos cafés e irão fixar-lhe prémios e sanções e mais sei lá o quê para que ela passe a ter um comportamento semelhante aos demais. Ou isso ou vão simplesmente deixar que morra num canto qualquer…

Alexandre Wragg Freitas disse...

[Parte 4]

Acerca disso, gosto sempre de ouvir os filhos de pais ricos, a quem a vida sempre sorriu, dizer lá para o final das suas vidas qualquer coisa como "eu trabalhei muito para conseguir isto… agora esses preguiçosos…". É bom poder escolher quando se quer trabalhar ou não, no que se quer trabalhar, ter o poder de pôr e dispor… É bom, não é? E os louros?... Mais que muitos, não? O senhor fulano "fez" um hospital e "fez" uma fábrica e "fez" isto e aquilo. Homem muito trabalhador, muito "empreendedor". Agora o desempregado inscrito no centro de emprego, com que legitimidade é que esse preguiçoso ousa recusar a oferta de emprego mal paga e estupidificante que lhe é feita?...

Os mecanismos que promovem automaticamente o aumento do abismo entre ricos e pobres são mais que muitos e não é necessário descrevê-los aqui. A questão não é portanto a de saber por que razão a desigualdade é elevada em Portugal, mas sim a de saber por que é menos elevada noutros países. Talvez respondendo a essa questão pudéssemos saber por onde começar aqui na nossa terra.

Porque a desigualdade sempre me pareceu mais a obra da competição, do acaso, da natureza, e a igualdade uma obra da inteligência, da sensibilidade, da empatia, da filantropia.

[Fim]

Alexandre Wragg Freitas

António de Andrade Tavares disse...

Em resposta a:
“sobre um pequeno ponto peço um esclarecimento ao Andrade Tavares: e então quem é que fazia os ditos exames nacionais? Abria-se um concurso público entre as empresas de educação? E quem é que escolhia (uma vez que o estado não teria quaisquer obrigações educativas, só se deveria limitar a passar cheques)? “
A maneira mais eficaz de desacreditar um ponto de vista é exagerá-lo: A proposta é reduzir o papel do Estado, o exagero é eliminá-lo.
São raras as pessoas que elogiam os serviços fornecidos pelo Estado, apesar disso muitos querem mantê-los achando sempre que a única mudança possível é tentar melhorar esses serviços. A que custo? Quem paga, quem controla?
As pessoas, funcionários públicos ou trabalhando na actividade privada, têm, em média, as mesmas capacidades, com uma diferença: se a actividade dessas pessoas for má, quem lhes paga o ordenado, na esfera privada, vai à falência, na esfera pública pouco se fará, porque é mais simples aumentar os impostos.
Num ambiente de mercado, através de uma competição e adaptação permanentes, ficarão aqueles que conseguirem melhores resultados. No Estado, pergunto-me se os cidadãos terão alguma possibilidade de controlar; uma vez que não têm, sequer, capacidade para escolher.
Quanto à abertura de “sucursais na Brandoa ou na Quinta da Fonte” recordo que nestes locais e suas proximidades existem seguramente outras actividades económicas que prosperam. Não injurio os seus habitantes pensando que nesses sítios apenas existe o comércio de estupefacientes.
Não penso que a educação de boa qualidade não deve chegar a estes bairros. Quando há procura (neste caso de educação) a oferta aparece, se não for proibida e for incentivada, se o Estado a pagar, através do “cheque-educação”.
Quanto à afirmação:
“que o mercado deu recentemente eloquentes mostras de não gerir muito melhor, a fazer fé na crise que para aí vai”, apenas alego que delinquentes e/ou ambiciosos sempre ouve e hão-de continuar a existir, lembrando contudo, que os “polícias” – os reguladores - em quem confiávamos, funcionaram muito ineficazmente, e eram órgãos estatais.
Em resposta a:
“Basta ver as estatísticas da OCDE para verificar que qualquer país decente gasta mais na educação do que Portugal … ”
Penso que o objectivo nunca será gastar mais (em educação ou em qualquer outra actividade), o desejável é ter a melhor educação possível com o gasto que a sociedade decidir alocar à educação.
Os bens que se adquirem não valem pelo seu custo, mas sim pelos benefícios que proporcionam.
Em resposta a:
“a tal "competição que não agrada a muitos professores" já existe e quase completamente desregulada entre Politécnicos públicos, privados, Universidades públicas e privadas? Será possível que não percebam que esta competição existe há pelo menos 12 anos e que levou à existência de LICENCIATURAS como: "Engenharia da Hortofloriocultura, Animação sócio-cultural, Comunicação e Relações Económicas, BioInformática,..." etc., etc.”
E não se terá dado, entretanto, já o desaparecimento de muitas destas licenciaturas, eliminadas (e bem) pelo mercado?
Não será função mais própria do Estado, regular, do que produzir e ter actividades empresariais?
Quantas multinacionais no mundo têm mais de duzentos mil funcionários, como tem o Ministério da Educação? Certamente poucas, e não são, seguramente, geridas de forma tão centralizada e burocrática, como o nosso Ministério!

António de Andrade Tavares

Anónimo disse...

António, não baralhes o que é simples.
Eu disse que qualquer país gasta mais do que Portugal porque tu pareces dizer que com 4500 euros se fazia muito melhor, e isso é treta porque há muitos outros gastos que tu não percebes. Mais nada, não baralhes.
Claro que se o ministério não funciona como deveria funcionar, isso é outra coisa.
Quanto aos 200 mil funcionários, se calhar estás a ser ingénuo como foste com os 4500 euros, tens que pensar que aos professores tens que adicionar os auxiliares, os da limpeza, os cozinheiros, os inspectores, a ministra, etc.
Eu não quero ter razão à força, só comentei porque não concordei, mas acho os teus raciocínios muito simplistas, ingénuos, e ignorantes. Espero que não leves a mal esta opinião.
luis

Fartinho da Silva disse...

Caro António de Andrade Tavares,

O que pretendi dizer é que com mercado ou sem mercado se o Estado não é capaz de realizar o seu trabalho, não há muito a fazer! Apenas isso.

Eu sou liberal, deixei a profissão docente do Estado porque não me revi em tanto facilitismo, em tanta burocracia, em tanta ineficácia e em tanta ineficiência! Deixei o ensino público depois de ter encontrado um colégio de qualidade. Mas posso afirmar que a grande maioria dos colégios dão à população exactamente aquilo que ela quer, ou seja: facilitismo ainda maior e ocupação dos alunos o maior número possível de horas! Gostei particularmente de um dos directores que me entrevistou confidenciar que o colégio era uma empresa e como tal oferecia apenas aquilo que os seus consumidores queriam, ou seja guardar o maior número de horas e de dias os filhos! Confidenciou que essa era a prioridade máxima do colégio e pediu-me para não o julgar, porque se não oferecesse este serviço outros o fariam e depressa fecharia portas.

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