sábado, 4 de julho de 2009

O futuro do país não pode ser entregue só a políticos, economistas e gestores


(Clique nas imagens para aumentar. Em cima, discurso do reitor da UTL. Em baixo, à direita, o reitor da UTL, o presidente cessante, Carlos Matos Ferreira, e o novo presidente, António Cruz Serra. Na imagem à esquerda, João Sentieiro, presidente da FCT, entre os membros do Conselho de Gestão)

Ontem, durante o discurso de tomada de posse do novo presidente do IST, eu, de amarelinho na foto de baixo à esquerda, e o João Sentieiro, de ar perplexo e braços cruzados, ficámos a saber que o ministro das Finanças cativou 2 milhões de euros da verba inscrita para a contratação dos doutorados do programa Ciência 2008 - que, numa manifestação que só posso considerar de esquizofrenia aguda, foi lançado pelo mesmo Governo a que pertence Teixeira dos Santos. Ou seja, por um lado, via FCT e MCTES, o governo lança um programa louvável a todos os níveis, pelo lado do MF, corta metade do financiamento para esse mesmo programa, pelo menos no Técnico.

Não sei se o ministro das Finanças não fala com o seu colega Mariano Gago ou se este não lhe conseguiu explicar quão fulcral é este programa não só para a renovação dos quadros das Universidades e escolas públicas como em particular para dar alguma esperança de futuro aos muitos e bons bolseiros de investigação que ainda vamos tendo.

Quiçá esta falta de diálogo inter-ministerial seja igualmente a responsável pela manutenção de uma «regra surreal» (ipsis verbis do discurso do António) inventada pela então ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite para tentar controlar o défice - regra de «efeito nulo ou negativo e que ninguém teve vontade (ou visão) de revogar». Estou a falar da regra do equilíbrio orçamental que na prática serviu para MFL (e seus sucessores) se apoderar dos saldos transitados das Universidades públicas sem perceber que esses saldos, pelo menos no caso do Técnico, não tinham nada a ver com dinheiros públicos mas sim com verbas próprias angariadas através de projectos de investigação e desenvolvimento plurianuais.

Ou seja, Manuela Ferreira Leite - e aparentemente Teixeira dos Santos também, mas MFL foi ministra da Educação e tinha obrigação de saber mais - não percebem que as verbas dos projectos de investigação não só têm calendários próprios para serem gastas como, a menos dos overheads, só podem ser utilizadas para os fins inscritos no projecto de candidatura. Contrariamente ao que pensam, não podemos utilizar o dinheiro de projectos para suprir o corte de financiamento público às Universidades - disfarçado habilmente através do aumento das despesas com pessoal que no Técnico corresponde a um corte de quase 20%.

Por exemplo, os 800 mil euros de um projecto europeu que o Centro de Fusão ganhou recentemente têm mesmo de ser utilizados na construção de um protótipo para o reactor experimental de fusão nuclear - isto se o CFN não recusar o projecto porque não o consegue executar no prazo estabelecido com as exigências esquizofrénicas do CCP - e não podem ser utilizados para tapar o buraco de 5 milhões de euros que o aumento de 11% na contribuição para a CGA acarreta para o Técnico.

A aposta de futuro que urge para Portugal passa necessariamente pelas Universidades, já que implica a resolução do problema estrutural da nossa economia, que se nada for feito permanecerá mesmo depois de varridos os ventos conjunturais da crise financeira internacional. Em particular, passa pelas escolas de ciência e tecnologia que são as incubadoras da reforma do tecido produtivo que urge igualmente para Portugal. Se se estrangulam essas escolas, continuaremos a fingir que somos muito «progressistas» tecnologicamente com aquilo a que o Carlos chama tecnologias chave na mão aplicadas em fábricas caixa preta para que só é necessária mão-de-obra não qualificada. Ou seja, andamos há um ror de anos a investir muitos milhões de euros - é verdade que na sua maioria provenientes de fundos europeus - na formação de mão-de-obra altamente qualificada que na prática não é aproveitada nem serve o país porque é obrigada pelas circunstâncias a procurar lá fora o que não encontra cá dentro.

O ponto alto do discurso do António ontem*, para mim pelo menos, que a Lusa resumiu como uma vontade de o Técnico ter «uma voz activa sobre políticas do ensino superior, mas também sobre as políticas públicas», deixou-me no entanto na dúvida sobre a disponibilidade dos nossos políticos para nos ouvir. Será que José Sócrates, que aparentemente ainda não se apercebeu que, no Portugal de hoje, é impossível dissociar o ensino superior público da investigação e desenvolvimento, está finalmente sensibilizado para os graves problemas que vivem as universidades portuguesas decorrentes da forte aposta em C&T, que agradecemos, conseguida às custas do desinvestimento no primeiro, que deploramos?

E que pensa sobre o tema Manuela Ferreira Leite, a nossa ministra no tempo em que os estudantes universitários eram a geração rasca? Será que também pretende «rasgar», «repudiar» e «romper» todas as políticas de aposta forte em ciência e tecnologia, que só pecam por não terem sido acompanhadas de um reforço equivalente para o Ensino Superior? Fico preocupada quando leio o que debita a líder do PSD sobre políticas de Educação, porque parece pensar que esta, a educação, se resume ao ensino básico e secundário, não obstante mencionar que recolheu contributos de professores do ensino superior para o programa eleitoral do PSD na área da Educação. Não sei quem são os seus conselheiros para o ensino superior, mas espero sinceramente que não sejam os que consideram uma «bordoada» no ensino superior acabar com a figura do assistente de carreira, um anacronismo que advém daquele atraso estrutural imposto pelo Estado Novo que conseguimos finalmente ultrapassar.

*Mas, acima de tudo, é necessário fazer ouvir a voz do Técnico fora da Escola. Temos de intervir e tomar posição, não só em relação às políticas de Ciência e Ensino Superior, mas também em relação a outras políticas públicas, relativamente aos grandes investimentos públicos e à necessidade de não paralisar, por motivos políticos circunstanciais, o desenvolvimento do país. É um assunto demasiado importante para o futuro do país para ser entregue só a políticos, economistas e gestores.

4 comentários:

Anónimo disse...

PROPOSTA DE LEITURA,

http://escriativar.blogspot.com/

Poucos autores do activismo, à excepção talvez de Noam Chomsky, se mostram tão completos como a jornalista canadiana Naomi Klein. O seu livro de 2000, No Logo (Relógio D’Água) traça um retrato minucioso de como o grande capital está a tomar conta do espaço público e a restringir a Liberdade de Expressão dos cidadãos. Com efeito, se antes nos podíamos manifestar num mercado público, hoje, esse direito constitucional não nos é permitido dentro de um centro comercial, ou às suas portas. Tente, para comprová-lo, protestar frente a um hipermercado contra quaisquer políticas laborais menos correctas seguidas por este, e cedo se verá rodeado de seguranças, e até polícias.

Klein analisa ainda a forma como é criada à nossa volta a ilusão de escolha. Isto é, o processo através do qual uma corporação ou sinergia cria marcas que muito embora aparentem ser concorrentes entre si pertencem aos mesmos donos. Ficamos a perceber também como uma t-shirt Nike, ou GAP, por ex., é fabricada na Indonésia ou nas Filipinas por 0,5 cêntimos e vendida no ocidente por dezenas e mesmo centenas de euros. Uma trabalhadora destas fábricas não recebe o suficiente para provir à sua subsistência, embora trabalhe longas horas extraordinárias sem quaisquer regalias sociais. Podemos dizer que isto se passa noutro mundo, que aqui, no ocidente, estamos a salvo. Mas como, se há fábricas a abandonarem o nosso país em busca desta mão-de-obra a preços de saldo, deixando atrás de si um lastro de desemprego e precariedade?

Escolas, universidades, consultórios médicos, hospitais, nada está para além da interferência do grande capital. Nas universidades, investigadores científicos são pagos para fazerem estudos que publicitem a “eficácia” de medicamentos que na verdade provocam doenças. Os que se opõe são trucidados por exércitos de advogados comerciais. Nas escolas do ensino básico, na América do Norte, as cantinas são patrocinadas pela McDonalds e outras empresas de fast-food, e os seus placards publicitários forram as paredes dos refeitórios, inoculando no aluno uma consciência de marca desde praticamente o berço. Não satisfeitos com tudo isto, os missionários neo-liberais conseguiram introduzir nas salas de aula uma rede de televisão, supostamente com fins educativos, que passa anúncios publicitários de 5 em 5 minutos.

Qualquer semelhança com Admirável Mundo Novo, de Huxley, ou 1984, de Orwell, é pura coincidência. Será? Qual é o futuro do espaço público, da Liberdade de Expressão e dos outros direitos que custaram ao mundo séculos de lutas e de sangue derramado a conquistar? Klein aponta o problema, disseca-o, mas não se fica por aí. Fala-nos também daquilo que poderemos fazer para o combater. Viajando por dezenas de países do mundo e falando com inúmeras pessoas, ela busca também o exemplo positivo, as expressões criativas dos seres humanos que se cansaram do velho sistema e, não esperando por qualquer governo ou messias, se empenharam a reformá-lo.

Madalena Madeira

Anónimo disse...

Em Portugal, julgo que a importância e o estatuto dos engenheiros é menor do que há 40 anos.

Para isso poderá ter contribuído uma grande desindustrialização que se verificou, assumindo os engenheiros profissionalmente funções cada vez com menor conteúdo técnico e mais de gestão, no que ficam, regra geral a perder, em relação aos profissionais dessas áreas.

Outro factor que também poderá ter contribuído é que a formação incial já não é de 6 anos, como antes da reforma de Veiga Simão.

Paulo Soares disse...

Puxar o lustro ao apagado brio de uma classe profissional fica muito bem num discurso mas pode servir apenas para isso. Nos últimos anos, o IST tem sido a melhor imagem da submissão acéfala da universidade portuguesa perante o poder político que tudo pode e tudo manda. Pode-se até dizer que foi uma ponta-de-lança de um ministro da casa que apenas sofreu um amargo revés na questão da fundação. Espero que a 'nova' equipa directiva possa mudar de rumo mas, fora o discurso, parece-me que de novo pouco tem.

Anónimo disse...

Espero que o texto tenha ficado nao Jugular...é que fica lá melhor...

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