sexta-feira, 3 de julho de 2009
ANÓNIMOS, PRIVADOS E DESCONHECIDOS
Minha crónica no Público de hoje:
O prestigiado prémio Príncipe de Astúrias de Investigação Científica e Técnica foi, neste ano, atribuído ex aequo aos engenheiros norte-americanos Raymond Tomlinson, que, em 1971, propôs o símbolo @ para os endereços de correio electrónico, e Martin Cooper, que, em 1973, patenteou o primeiro telemóvel e realizou do meio de uma rua de Nova Iorque a primeira chamada usando aquele aparelho. O modelo que foi posto à venda pesava um quilograma e custava quatro mil dólares.
Dada a sua evidente utilidade, tanto o correio electrónico como o telemóvel não pararam desde então de crescer e de se multiplicar. Não podemos hoje viver sem eles. Mas, como não há bela sem senão, com eles apareceu também o correio não desejado, o spam (o nome vem de uma marca americana de carne de porco enlatada), e as chamadas telefónicas indesejadas. O inventor do @ nunca terá imaginado que, poucos anos volvidos, haveria hordas de anónimos, com endereços estranhos, fictícios ou mesmo sem endereço, que tentam inundar a nossa caixa do correio electrónico (90 por cento do email mundial é spam). E o inventor do telemóvel nunca terá pensado que haveria hoje inúmeros privados e desconhecidos que nos tentam infernizar a vida com chamadas de voz e texto.
À praga dos anónimos no email, contra a qual existem eficazes programas de inteligência artificial, somou-se recentemente uma outra, a dos anónimos que inundam as caixas de comentários nos portais ou nos blogues e para os quais ainda não foram inventados filtros automáticos. A grande maioria desses comentários – basta ler o PÚBLICO on-line – não passa de exibição despudorada de estupidez natural, contra a qual a inteligência, sob qualquer forma, parece vã.
Portugal, que costuma estar no fundo das tabelas, está na vanguarda europeia no uso de telemóveis, juntamente com países como a Grécia e a Itália. Em 2005 passámos a ter mais telemóveis do que habitantes e, no final de 2008, tínhamos 14,9 milhões de cartões activos. Diz-se que esta nossa dianteira se deve à invenção nacional do serviço pré-comprado, que fez disparar o consumo. Mas, quanto a mim, e atendendo à nossa companhia no pódio, o fenómeno pode ter mais a ver com a improvisação que é típica dos países do Sul da Europa. Precisamos de telemóvel para, com frequência, desmarcar encontros e remediar os desencontros. Precisamos também de telemóveis para, constantemente, saber onde páram os nossos familiares e amigos (de uma mini-investigação empírica, admito que pouco científica, concluí que uma das coisas que mais se dizem ao telemóvel é “onde estás?”). E precisamos ainda de telemóvel simplesmente para o mostrar, pois ele dá identidade e estatuto.
Que fazer com os privados e desconhecidos que nos telefonam? Em tempos idos, e por natural curiosidade, atendia as chamadas deles: revelou-se tempo perdido, pois ou era a TV Cabo que queria vender um novo pacote de canais ou era um banco que queria vender “fundos de valorização” (uns fundos que comprei, incauto, revelaram-se, na realidade, de desvalorização, pois o dinheiro foi ao fundo!). Dantes as chamadas indesejáveis eram invariavelmente à hora do jantar, mas agora são a qualquer hora. Muito gostam eles de me telefonar quando estou, imóvel, próximo de um telefone fixo, que é muito melhor do que o móvel, mas de que eles, por qualquer motivo, não gostam tanto... Numa das últimas vezes que atendi fiquei a saber que o privado que me telefonava era, afinal, um organismo público. Como quase não há defesa pública do consumidor, tem de ser o consumidor a defender-se. Deixei, como é óbvio, de atender esse tipo de telefonemas. Se o meu número é público e conhecido, por que diabo é que hei-de atender números de privados e desconhecidos? Por que é que os privados e desconhecidos não se entretêm a telefonar uns aos outros, deixando o resto do mundo em paz?
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17 comentários:
«a dos anónimos que inundam as caixas de comentários nos portais ou nos blogues e para os quais ainda não foram inventados filtros automáticos»
Claro que foram. Os princípios até são os mesmos dos filtros de spam no email exceptuando a análise dos cabeçalhos do email como é claro.
Uma "exibição despudorada de estupidez natural" o não compreender que os dois problemas são quase equivalentes e como tal os métodos para colmatar um servem para o outro.
"um em cada nove portugueses usa-os, ao passo que só um em cada quatro usa email"
Não será ao contrário? 1/9 < 1/4
Sou licenciada em Sociologia e quero dar os parabéns a este sítio. Quanto ao tema: bem, estamos a crossing the line em muitos sentidos.
Inteiramente de acordo. Há muito que adoptei o mesmo procedimento: não atendo nº privados ou ocultos pelas mesmas razões aqui apresentadas.
Uma crónica deliciosa, na sequência de um prémio pelas vantagens das novas tecnologias e onde inteligentemente se denunciam muitas situações desagradáveis no reino das novas tecnologias
"A grande maioria desses comentários – basta ler o Público on-line – não passa de exibição despudorada de estupidez natural". Proibam-se as exibições depodoradas de estupidez natural, não? Onde é que eu já ouvi isto?
"contra a qual a inteligência, sob qualquer forma, parece vã." Isto é a inteligência do signatário!!!
E já agora: deverá permitir-se que os possuidores de estupidez natural votem? As consequências de se votar errado são mais sérias.
Logo a democacia deve ser reservado para os inteligentes. E a definição válida e legal de inteligente deve ser dada por que já o é.
"pois ele dá identidade e estatuto". Deu. Agora o que dá estatuto é não o ter. Isso distingue da plebe.
Os meus parabéns. Para mim, a praga nova dos números privados, é de facto uma praga velha - a da falta de educação.
A ânsia pelo controle da Internet é de muitos, não só dos que não gostam de anónimos. Todos os que usam a Net deveriam registar-se previamente, não é? Pode isso conseguir-se em nome da promoção da qualidade (virtude) persiguição à falta de inteligência (vício)?.
Não menos interessante é a origem do @ criado pelos copistas da Idade Média, além de outros símbolos, por força da economia em papel e tinta.
A falta de gosto deveria ser proibida ou, pelo menos limitada. Como avisadamente fizeram na Roménia com uma lei que diz que 50% das notícias têm de ser positivas. Em Portugal, como somos tristonhos, ainda por cima com esta crise, as positivas, ou de bom gosto, deveriam ficar um pouco mais acima, aí uns 65%. Assim se ajudaria a ultrapassar a crise.
Os portuguese têm falta de sentido de humor, como se viu com os chifrinhos do Ministro Pinho que achei engraçadíssimos mas muita gente achou uma desgraça. A começar pelo comentador José Gil que, na Sic, fez com o Mário Crespo daquilo uma tragédia de faca e alguidar. Também ri com estes comentários. Mas eu não sou português e talvez por isso e por ser anónimo não devia meter-me nestas coisas. Mas eu gosto muito de pecar...como é gostoso ter um dever e não o cumprir...Então a coberto do anonimato eu peco pra cachorro.
Anónimo das 18h 50m:
Não se faça de besta. Vão lhe acabar com esses gozos anónimos.
Sou Mestrada em Podologia: hablo con los piés:
Hablo por mi caso: 55% de las llamadas que recibo concluien en coño, un 35% el mismo dia, un 20% el dia siguiente.
Por indesculpável lapso meu afixei uma versão não definitiva da crónica que foi publicada no Público.
As estatísticas de utilização de telemóvel e email estavam erradas no texto que já substituí. Os números certos são: cerca de 9 em cada 10 portugueses usam telemóvel e cerca de 4 em cada 10 portugueses usam email. Obrigado a quem me chamou a atenção para o erro.
Carlos Fiolhais
"Mais um erro é sempre um erro a mais. Com mais atenção podia ter sido evitado. Somos, infelizmente, obrigados a criticar um ministério que continua a permitir erros nos exames..."
Senhor Fiolhais, porque não redige um texto a comentar os seus últimos erros nas suas crónicas? É que, infelizmente, somos obrigados a criticá-lo.
Sobre a minha mensagem de 3 de Julho, 18:58, com a indicação do link sobre a história do @, há uma gafe relativamente ao nome do criador do e-mail, e respectiva data. O autor do blog indica como sendo Roy, quando é Ray, e a data, vê-se que é um lapso: 1872, em vez de 1972.
O melhor é ver aqui a informação, mais desenvolvida.
Pedro Garcia, excelente comentário e citação muito pertinente.
Se este erro tivesse sido cometido pelo Ministério da Educação tínhamos o grupinho aqui todo a dizer que era inadmissível e sinal da degradação do ensino e mais tretas histriónicas desse tipo.
Como não foi o ME, foi um lapso e está tudo fixe.
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