Alguns activistas da Microsoft-Free Life abandonaram recentemente esta associação depois de debates intensos quanto ao seu futuro. Fundada nos anos 80, esta associação bateu-se pela necessidade de criar alternativas aos produtos da todo-poderosa Microsoft. Somaram-se sucessos à medida que alternativas como as diversas distribuições Linux, os sistemas da Apple ou aplicações como o Open Office ganharam algum terreno. Contudo, depois de tantos sucessos, a associação entra em crise em resultado de uma “divergência de visões”, como afirmou um dos dissidentes. Em causa está o Google.
Os membros mais activos da MFL começaram a defender a necessidade de lutar por um mundo sem Google, com o objectivo de criar alternativas — daí a sigla proposta para a nova associação: Google-Free Life. Outros membros, contudo, discordam da estratégia: “agora que estamos a ganhar pontos no combate à Microsoft”, defendeu um dos seus mais antigos membros, “não faz sentido dispersar energias contra o Google”. Esta não é, contudo, a opinião do fundador da MFL, que defende a fundação da Google-Free Life: “parece hoje tão irrealista lutar contra o predomínio do Google quanto o parecia lutar contra o predomínio da Microsoft; no entanto, as vitórias da MFL mostram que o que parece irrealista pode tornar-se realidade”.
Os críticos afirmam que é pura e simplesmente impossível viver sem o Google usando a Internet. Não se trata apenas de o Google oferecer vários serviços populares usados por milhões de pessoas em todo o mundo, como o Google.com e o Gmail; a dificuldade de viver sem o Google é que a maior parte das páginas na Internet têm anúncios publicitários do Google. Efectivamente, esta empresa controla cerca de 40% do mercado publicitário online (nos EUA), e todo o seu modelo de negócio se baseia na publicidade (98% dos seus lucros provêm da publicidade, que só na primeira metade de 2007 renderam nos EUA quase quatro mil milhões de dólares). Torna-se por isso praticamente impossível, e não apenas irrealista, pugnar por uma vida sem o Google, a menos que se deixe de usar a Internet.
Os defensores do GFL, contudo, não se deixam desencorajar. “O Firefox foi a nossa mais recente vitória: mostrámos que um grupo de voluntários determinados poderia fazer frente ao Internet Explorer da todo-poderosa Microsoft; faremos o mesmo com o Google.” Esta posição, contudo, é vista como risível por parte dos críticos, pois o sucesso do Firefox deveu-se precisamente ao apoio do Google, que só em 2007 pagou 66 milhões de dólares à Mozilla Foundation, que controla o Firefox. “A única alternativa seria apoiar os mais directos concorrentes do Google: o Yahoo e a Microsoft”, explica um crítico da GFL, “mas isso não é conducente ao que se deseja, que é um mundo com várias empresas independentes a concorrer em vez de poucos gigantes a controlar.”
quinta-feira, 30 de abril de 2009
O “eclipse” de Einstein em Portugal
Post recebido de António Mota de Aguiar, cuja oportunidade resulta de, em 29 de Maio próximo, passarem 90 anos após o famoso eclipse solar na ilha do Príncipe que serviu para estabelecer a Teoria da Relatividade (na foto lápide comemorativa da presença de Eddington numa roça em S. Tomé no ano de 1919):
Num post anterior realcei que a Teoria da Relatividade teve audiência em Portugal num grupo restrito da comunidade científica. Décio Martins, físico da Universidade de Coimbra, referiu o desinteresse pela Relatividade em Portugal na década de 20: “Alguns trabalhos sobre este assunto, apenas esparsamente publicados nos anos 20, deixam transparecer uma notória indiferença inicial ao tema na comunidade científica portuguesa. [1]”
De facto, a indiferença que a comunidade científica revelou com a Relatividade soma-se à sua indiferença com Einstein quando este passou por Portugal. Numa viagem à América do Sul em 1925, Einstein passou no nosso país duas vezes, na ida a 11 de Março e na volta a 27 ou 28 de Maio, mas, nos dois casos, a sua estadia passou despercebida em Portugal, um facto tanto mais surpreendente quando ele era já uma figura muito conhecida, pois, além de Prémio Nobel, que recebera em 1922, vira a Teoria da Relatividade ser sustentada com as observações do eclipse do Sol de 29 de Maio de 1919, no Príncipe e no Brasil.
Aliás, a Royal Society of London, na pessoa de Arthur Eddington, astrónomo responsável pela missão britânica à ilha do Príncipe, manteve, ainda na Inglaterra, correspondência com a Sociedade de Geografia de Lisboa e com o Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), com os então director e vice-director, Campos Rodrigues e Frederico Oom [2], sobre os aspectos logísticos da missão.
Um só astrónomo português mostrou interesse em ir à ilha do Príncipe: Manuel Peres, director nessa altura do Observatório Campos Rodrigues de Lourenço Marques e posterior defensor da Relatividade. Porém, por razões burocráticas, não conseguiu autorização. Nos jornais portugueses da época só há uma curta referência num jornal sobre tão flamejante evento científico.[3] Acontece que a Teoria da Relatividade era mundialmente conhecida em 1925 e já nessa altura se antevia a sua futura relevância.
Mais significativo é o facto de Frederico Oom, desde 1920 director do OAL - Campos Rodrigues morrera em Dezembro de 1919 -, não ter dedicado um só artigo, quer à comprovação da Relatividade na ilha do Príncipe quer à passagem de Einstein por Lisboa. Sobre o primeiro caso, Elsa Mota argumenta o seguinte:
“A partir do início do século XX, o interesse principal das observações de eclipses solares totais passou a pertencer fundamentalmente ao domínio da astrofísica. Este facto ajuda-nos a perceber a razão pela qual Frederico Oom (1864-1930), promovido a director do Observatório de Lisboa em 1920, nunca se referiu à ocorrência da expedição, dos seus objectivos e finalidades, apesar de ter sido um dos astrónomos portugueses que, entre 1917 e 1920, mais artigos de divulgação científica publicou, em revistas como The Observatory e Astronomische Nachrichten. Aliás, ele próprio foi activo participante na observação de outros eclipses.[4]”
Num país subdesenvolvido como o nosso, onde todos estão de acordo sobre o atraso científico, o argumento de que as “observações de eclipses solares totais passou a pertencer fundamentalmente ao domínio da astrofísica” parece ser irrelevante. A nosso ver, é incompreensível que o Director do OAL não tenha divulgado tamanho acontecimento científico e não tenha, junto da comunidade científica portuguesa, preparado uma recepção a Einstein. Ele próprio tinha escrito um artigo n’O Instituto de 1917, no qual se referia ao futuro eclipse:
“Em 29 de Maio de 1919 haverá um eclipse total do Sol, em que a trajectória da sombra atravessa a América, de Arica a Paranaíba, bem como a África, de Libreville a Quionga. Ao percorrer o golfo da Guiné, essa trajectória passa pela nossa Ilha do Príncipe, e torna-se portanto, de interesse especial para nós, convindo-nos saber, desde já, em que condições se poderá ver ali êsse maravilhoso fenómeno, tão impolgante para simples curiosos como digno de atenção e estudo para os homens da ciência. (…) é provável que esta formosa ilha seja escolhida , como estação adequada, por muitos dos astrónomos que a esses fenómenos especialmente consagram a sua atenção (…). [5]”
Oom avançava, portanto, em 1917 a hipótese da expedição e da observação do eclipse solar ocorrer no Príncipe dois anos depois. Alguns meses mais tarde troca correspondência com Eddington. É, de facto, estranha a não divulgação posterior de um acontecimento tão marcante... O Director do OAL não só não escreveu sobre a ida ao Príncipe da missão inglesa e a comprovação da Relatividade, como ainda, seis anos depois, não disse uma palavra sobre a passagem de Einstein por Lisboa, ele que escrevia amiúde artigos em jornais portugueses e estrangeiros. Estranhamos o seu silêncio!
Acrescentamos uma achega. Em virtude de Portugal ter entrado na 1ª Grande Guerra Mundial contra a Alemanha, e ainda por várias outras razões políticas, a Alemanha não tinha entre nós uma boa reputação; veja-se, por exemplo, o que Costa Lobo escrevia em 1918: “A Alemanha é um elemento perigoso para a harmonia mundial…” “A Alemanha não possue as qualidades scientíficas e artisticas que pretende possuir, e muito menos o Estado prussiano que domina e só prevalece pelo valor militar… [6]”
Ter-se-á Oom sentido constrangido pelo facto de Einstein ser alemão, ele próprio ter raízes germânicas (a sua árvore genealógica tinha raízes em Hamburgo) e a Alemanha não gozar naqueles tempos de boa reputação entre nós? Ou seria ele anti-semita? Ou ter-se-ia sentido incomodado com as ideias anti-militaristas de Einstein? Por que não escreveu sobre a comprovação da Relatividade no Príncipe? Por outro lado, se não teve conhecimento da passagem em 1925 de Einstein por Lisboa, no regresso, depois do sucesso que Einstein alcançou no Brasil, não a podia ter ignorado...
Em História convém esclarecer os hiatos, porque às vezes eles nos revelam situações relevantes para o conhecimento dos factos históricos.
António Mota de Aguiar
NOTAS:
[1] Décio R. Martins, Einstein Entre Nós, p. 59, Coord. C. Fiolhais, Imprensa da Universidade, Coimbra, 2005
[2] Elsa Mota, A Expedição ao Príncipe em 1919, tese de mestrado, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2006
[3] O Século , 15 de Novembro de 1919
[4] Elsa Mota, Einstein Entre Nós, ibid., p. 52
[5] Frederico Oom, O Eclipse do Sol em 29 Maio de 1919, O Instituto, (64) 1, Coimbra, 1917
[6] F. Costa Lobo, Portugal na Guerra e na Paz, O Instituto, (65) nº 1, p.14-15, 1918.
Terá Darwin ressuscitado Deus?
Post convidado de Paulo Trincão, o autor de "O português que se correspondeu com Darwin" (Gradiva, 2009):
“Terá Darwin morto Deus?” foi o título escolhido pelo professor António M. de Frias Martins, da Universidade dos Açores, para a intervenção que fez a 21 de Abril no Centro Cultural e de Congressos de Aveiro, no âmbito do ciclo de conferências “Biologia na Noite”, que este ano tem como tema central Darwin. Este título serve-me de pretexto para falar um pouco sobre uma das questões que tornam a figura de Darwin polémica e mediática: as relações da sua teoria com Deus.
Realmente, se for feita uma análise linear e um pouco acrítica, dizer que os seres vivos evoluíram implica necessariamente aceitar a ideia que algo que evolui é porque não é perfeito. Evoluir segundo a definição do dicionário da Porto Editora significa, “passar por uma sucessão gradual de transformações; passar para uma situação melhor”.
Assim sendo, não há grandes dúvidas que a perfeição do responsável pela Criação era posta em causa e, se Deus não morria, era pelo menos ferido. Vale a pena saber como evolui a interpretação da visão humana sobre a obra de Deus (ou de quem poderá ter sido responsável por haver formas de vida).
Um dos primeiros pensadores cujas ideias sobrevieram até aos nossos dias foi Empédocles de Agrigentum (495 a.C - 435 a.C). Dizia este grego que a vida vegetal surgiu primeiro após a formação da Terra e que a animal “desabrochou” das plantas. As plantas não produziam animais inteiros, mas partes deles: braços, olhos, pernas, cabeças, de todo tipo de animais e até humanas... Estas componentes individualizadas uniam-se e criavam criaturas extraordinárias e maravilhosas: centauros, monstros de duas cabeças e vários olhos, e todo o tipo de criaturas estranhas. Dizia Empédocles que as formas monstruosas que não conseguiam encontrar parceiros para se reproduzirem desapareciam rapidamente, extinguiam-se como hoje dizemos, sobrevivendo somente as formas cujas várias componentes do seu corpo funcionavam harmoniosamente.
É possível, entre uma barafunda de ideias estranhas, mitos e lendas da época, encontrarmos a ideia velada da noção que a evolução envolve a selecção natural, onde as formas mais adaptadas (as que tinham capacidade de se reproduzirem) é que sobreviriam.
Aristóteles (384 a.C - 322 a.C) citou Empédocles dizendo que ele foi o primeiro a dizer que as formas de vida melhor adaptadas poderiam ter aparecido por acaso e não por planificação (obviamente divina). Apesar dessa citação, a sua posição era claramente oposta. Foi Aristóteles que apresentou uma escada “evolutiva” em que ia das criaturas marinhas mais simples aos peixes, aos animais terrestres e no sentido ascendente, até à humanidade. “A Natureza não faz nada sem um objectivo. Está sempre a esforçar-se para alcançar a maior beleza possível”. Parecia assim aos filósofos da época que a humanidade se considerava como a perfeição divina, sendo o Homem a forma mais bela que a Natureza poderia alcançar. Aí estava a obra de Deus!
A ironia é que, na verdade, uma combinação das ideias de Empédocles sobre o acaso e a sobrevivência dos mais adaptados, em conjunto com a ideia de Aristóteles da evolução gradual, desde as formas mais simples de vida às formas mais complexas (embora não através de uma escada de perfeição crescente) é a base de uma versão exequível que consideramos ser a teoria de Darwin.
Nos séculos imediatamente posteriores ao nascimento de Cristo, algo notavelmente parecido com a moderna visão da evolução, mas baseada nas ideias veiculadas por Aristóteles e na noção da luta da Natureza para alcançar a perfeição, foi aceite e ensinada por alguns dos pais fundadores da Igreja Cristã. Gregório de Nissa (331-396) ensinou que a criação era potencial: Deus provia a matéria das suas leis e propriedades fundamentais mas que os objectos e formas completas do Universo desenvolviam-se posteriormente ao seu próprio ritmo, do caos primordial. Santo Agostinho (353-430) foi ainda mais claro dizendo que os germes originais das coisas vivas surgiram em duas formas, uma colocada pelo Criador nos animais e plantas e uma segunda variedade espalhara-se através do meio ambiente, destinada a tornar-se activa apenas sob as condições adequadas. A sua interpretação do registo bíblico da Criação não deveria ser literal como ocupando seis dias, mas sim seis unidades de tempo. Santo Agostinho liga a Criação ao crescimento de uma árvore a partir da sua semente, a qual tem o potencial para se tornar uma árvore. Deus criou o potencial para os céus e a terra e para a vida mas, neste enquadramento, os detalhes geravam-se a si mesmo de acordo por leis definidas por Deus (que não eram claramente do seu conhecimento). Não era necessário que Deus criasse individualmente cada espécie. Em vez disso o Criador fornecia as sementes do Universo e da vida e deixava-as desenvolver ao seu próprio ritmo. Em todos os aspectos com excepção da mão de Deus para iniciar o Universo a teoria de Santo Agostinho era uma teoria de evolução.
São Tomás de Aquino (no século XIII) aprova a ideia de que Deus pôs o Universo em movimento e depois foi descansar. Estas teorias foram aceites na Igreja até meados do século XVI. A partir desta altura a ideia de Criação Especial – a noção de cada forma de vida na Terra foi individualmente criada por Deus e tem permanecido inalterável desde a sua Criação - tornou-se a sabedoria aceite pela Igreja cristã e foi o padrão da Igreja até meados do século XIX. Francisco Suarez (1548-1617), jesuíta espanhol cuja educação religiosa o tornou particularmente hostil aos ensinamentos muçulmanos, emerge como um dos fundadores deste interpretação da Criação Especial.
Não posso neste contexto aprofundar esta questão, mas é importante lembrar que foi a partir de fontes muçulmanas que muitos textos clássicos gregos chegaram aos nossos dias, e que não é improvável que alguma mistura de ideias entre os textos clássicos e o pensamento muçulmano, pudesse ter tido influência no abandono da posição de Aquino.
Gostaria ainda de referir a posição de Francis Bacon (1561-1626) que sustentava que tanto a Bíblia como a Natureza eram obras de Deus e, portanto, o estudo da Natureza (obra de Deus) era tão importante quanto o estudo da Bíblia (palavra de Deus) para compreender Deus.
Poderei então concluir que Darwin não matou Deus, mas fez ressuscitar o Deus de Agostinho e Tomás.
Paulo Trincão
Deus de tudo e do nada, se existes,
uno e trino, suprema omnisciência,
trabalhaste seis dias e resistes
impassível do céu, com paciência;
se em vez da criação numa semana
tivesses operado um mês a eito,
esculpisses o barro com mais gana
e fizesses um mundo mais perfeito;
(repara, por exemplo, vê o homem
que se diz ser à tua semelhança
e que mata e devasta e cria a fome,
em nome do poder e da abastança);
perdoa-me a pergunta impertinente:
existes como O Ser, ou como ente?
Domingos da Mota
NOTA: Informações recolhidas no livro “Darwin” de Michael White & John Gribbin (Europa-América).
PORTUGAL PÕE TELESCÓPIOS AO SOL
Informação recebida da organização do Ano Internacional da Astronomia em Portugal:
A tradição já não é o que era nos típicos terraços do Algarve. Que o diga o Centro de Ciência Viva (CCV) de Faro, que este fim-de-semana vai dar início a mais uma maratona de observações astronómicas de uma forma sui generis. No dia 3 de Maio (domingo), Dia Internacional do Sol, a organização do Ano Internacional da Astronomia (AIA 2009) desafia os curiosos a juntarem-se na açoteia do CCV algarvio para observarem o sol através de telescópios especiais. A iniciativa terá lugar das 11h30 às 12h30.
Faro marca assim o arranque de mais um ciclo de observações do Sol e de Saturno e dos seus anéis, procurando recriar as observações que o famoso astrónomo Galileu Galilei fez há precisamente quatro séculos. A iniciativa faz parte do mega-projecto do Ano Internacional da Astronomia "E agora eu sou Galileu".
Depois de Faro, os olhos portugueses voltam a centrar-se no Sol no dia 13 de Maio às 11 horas, desta feita no MadeiraShopping, no Funchal, uma cortesia da Universidade da Madeira. No dia 17 de Maio às 16 horas, é a vez do NUCLIO, Núcleo Interativo de Astronomia, apontar os telescópios à estrela mais próxima da Terra, no Centro de Interpretação Ambiental da Ponta do Sal, em Cascais.
Depois do Sol, é a vez de Saturno e os seus anéis desfilarem perante os telescópios nacionais. A 16, a 29 e a 30 de Maio, o segundo maior planeta do Sistema Solar é a estrela das observações da iniciativa "E agora eu sou Galileu", que se realizam em Lisboa, na Praça do Império, em frente ao Planetário Calouste Gulbenkian (sempre às 21 horas, uma organização da Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores), e na Tapada da Ajuda (dias 16 e 30 de Maio, às 20h30, da responsabilidade do Observatório Astronómico de Lisboa).
Nos mesmos dias, Saturno e os seus anéis estarão ainda sob a mira nocturna dos telescópios de Mira, no Jardim do Visconde (excepto no dia 29), e de Coimbra, no Parque Verde do Mondego. As duas iniciativas estarão respectivamente a cargo do Observatório Astronómico de Mira e do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra.
As lentes insulares também estarão de olhos postos no planeta gigante. A Universidade da Madeira organiza uma sessão de observação de Saturno no dia 29 de Maio às 22 horas na freguesia dos Prazeres, na Calheta.
A Sul, a açoteia do CCV de Faro volta também a ser invadida pelos telescópios no dia 23 de Maio. Desta vez, Saturno será o principal protagonista da observação nocturna.
Ao longo do mês, os interessados são convidados a consultar a página do AIA 2009 para actualização das datas e locais destas iniciativas, que deverão continuar a multiplicar-se de Norte a Sul do país.
O Ano Internacional de Astronomia é organizado em Portugal pela Sociedade Portuguesa de Astronomia, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), da Fundação Calouste Gulbenkian, do Ciência Viva, do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra e da European Astronomical Society (EAS).
quarta-feira, 29 de abril de 2009
Vale a pena ler
O Culto do Amador, de Andrew Keen
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, 208 pp.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, 208 pp.
What you may not realize is that what is free is actually costing us a fortune,” Mr. Keen writes. “The new winners — Google, YouTube, MySpace, Craigslist, and the hundreds of start-ups hungry for a piece of the Web 2.0 pie — are unlikely to fill the shoes of the industries they are helping to undermine, in terms of products produced, jobs created, revenue generated or benefits conferred. By stealing away our eyeballs, the blogs and wikis are decimating the publishing, music and news-gathering industries that created the original content those Web sites ‘aggregate.’ Our culture is essentially cannibalizing its young, destroying the very sources of the content they crave.” Recensão no NYT.
terça-feira, 28 de abril de 2009
ARTE, RELIGIÃO E CIÊNCIA
Recentemente participei com o Arquitecto Souto Moura e o Padre Jorge Cunha num debate organizado pelo "Porto Cidade de Ciência" sobre o triângulo "Arte - Religião - Ciência". Eis o resumo da minha intervenção:
O triângulo arte- religião - ciência, apesar de ter vértices bem definidos (a arte ligada à emoção, a religião à revelação e a ciência à razão), tem lados mal definidos: pode-se ir de um para outro vértice por um ou por outro caminho. Os vértices comunicam entre si de várias maneiras. Õ físico Albert Einstein compreendeu a unidade e virtuosidade desse triângulo, quando escreveu: “Todas as religiões, artes e ciências são ramos da mesma árvore. Todas elas são aspirações direccionadas ao enobrecimento da vida humana, elevando-a acima da esfera dam era existência física e conduzindo o indivíduo a um estado de maior liberdade”.
Vejamos em primeiro lugar o caminho que vai da religião para a arte ou vice-versa. São profundas as relações entre religião e arte. Basta tomar, por exemplo, a arquitectura: as catedrais são obras de arte que, na feliz expressão de um outro físico de ascendência judaica, tal como Einstein, Julius Robert Oppenheimer, pretendem “fazer chegar as torres até à altura de Deus, enquanto as portas permanecem da altura dos homens”.
Será preciso ter fé para projectar um tempo? A história da arquitectura mostra que não. Se há arquitectos extremamente crentes como Antoni Gaudí, autor da Igreja da Sagrada Família em Barcelona (um grupo de seus admiradores está a tentar até a sua beatificação e, se o conseguir, será a primeira vez que um arquitecto se torna beato), outros há que são ateus como Le Corbusier e Oscar Niemeyer (disse este arquitecto brasileiro: “Não acredito em nada. Acredito na Natureza: tudo começou não se sabe quando nem como. Eu bem que gostaria de acreditar em Deus".) Mas isso não impede que a religião tenha uma forte influência na arte. O arquitecto Daniel Libeskind (também judeu tal como Einstein e Oppenheimer), quando interrogado sobre o papel da arquitectura na religião, afirmou: "O primeiro nome que vem à mente é, obviamente, Antoni Gaudí. Mas em alguns aspectos, é demasiado óbvio. Eu sempre me fascinei com a inescapável espiritualidade de uma pessoa considerada um herege, como Le Corbusier, ou um místico, como Mies van de Rohe, que lêem São Tomás e Santo Agostinho e têm os seus livros na cabeceira. Gostaria de concluir dizendo que não houve um grande arquitecto, que não tenha tido um forte elemento de espiritualidade".
Com efeito, o ateísmo de Le Corbusier não o impediu de construir a bela, embora estranha, Chapelle de Notre Dame du Haut, em Ronchamp, assim como o Convento Dominicano de La Tourette, perto de Lyon. Por sua vez, o ateísmo de Niemeyer não o impediu de construir a bela igrejas como a de S. Francisco de Assis, em Belo Horizonte. As opções estéticas são individuais. Ao contrário de Le Corbusier e de algum modo à semelhança de Gaudi, Niemeyer privilegia a linha curva em relação à recta, invocando a ciência: "Não é o ângulo recto que me atrai, nem a linha recta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país. No curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein."
O lado do triângulo, necessariamente curvo, entre ciência e arte, é muito rico. Que é possível ser simultaneamente cientista e artista mostra o caso de Abel Salazar (é conhecida a sua recusa positivista, ou melhor neo-positivista, da religião). No livro “Que é a Arte” chamou a atenção para a dupla leitura que se fazer de uma linha, seja esta recta ou curva, uma leitura científica e uma leitura estética, uma leitura racional e uma leitura emotiva: “A linha, pelas suas propriedades geométricas e analíticas é um ser autónomo, que pertence integralmente ao campo matemático: é um ser matemático. Mas, pela sua propriedade ’forma’, ela entra em relação com a emoção...: e é a síntese da ‘forma’ e da ‘emoção’ que estabelece a ligação entre a arte e a ciência.”
Para reconhecer que a ciência tem implicações na arte basta lembrar o caso da arquitectura, uma arte que muito deve à ciência, nomeadamente a procura de novos materiais e técnicas construtivas. Mas o mesmo podemos reconhecer se se analisarmos as tentativas, tão antigas como a ciência e de sucesso muito irregular, de cientifização da arte, nomeadamente a busca que se tem feito desde os antigos Gregos da matematização da estética. A chamada “razão dourada” é um bom exemplo da ligação entre ciência e arte. No Renascimento esse tema foi retomado no livro de há exactamente 500 anos, de Fra Luca de Pacioli, De Divina Proportione. E, desde então, os rectângulos e triângulos dourados têm sido procurados nos mais diversos edifícios (o Parténon de Atenas), esculturas (a Vénus de Milo, que para Álvaro de Campos era "tão bela como o binómio de Newton") e pinturas (a Gioconda, de Leonardo da Vinci, que aliás ilustrou o livro de Pacioli). Este tema da preferência humana pela razão dourada parece ser, por vezes, algo forçado: o belo contém sempre um lado que escapa à razão.
Le Corbusier foi um dos adeptos da razão dourada. Procurou usá-lo nos seus edifícios, nomeadamente na Unité d’Habitation à Marseille. Escreveu mesmo um livro teorizando essa proporção (“Le Modulor”). Em 1945, discutiu o assunto com Einstein em Princeton e foi este quem lhe disse que a escala de proporções, procurada pelo arquitecto, era “a que tornava o mau difícil e o belo fácil.” Einstein tinha abandonado a sua casa em Berlim antes da Segunda Guerra Mundial. Também já não ia visitar a estranha Torre Einstein, um observatório astronómico que o arquitecto Erich Mendelsohn tinha construído em Potsdam, nos arredores de Berlim, inspirado nas ideias relativistas. Ali a torre procurava subir não para Deus, mas para as estrelas, enquanto a porta ficava do tamanho do homem. Um tempo profano, portanto.
Menos conhecida que a influência da ciência na arte é a influência da arte na ciência. Einstein (que, apesar da sua ascendência judaica, não cultivava a religião dos seus avós, professando antes uma crença panteísta na Natureza, à la Espinosa, o judeu herege de origem portuguesa, e que, entre todas as artes, mais do que a arquitectura, apreciava a música) declarou: “Fazemos ciência quando reconstruímos na linguagem da lógica o que vimos e experimentámos; fazemos arte quando comunicamos por formas cujas ligações não são acessíveis à mente consciente mas, no entanto, reconhecemos intuitivamente nelas algum sentido.” As duas são bem diferentes, mas gostam de se relacionar. A busca da ciência é até muitas vezes informada por critérios estéticos: por vezes, as equações são escolhidas por serem ou parecerem mais bonitas...
As relações entre ciência e religião são também vastas. A crença religiosa muitas vezes precedeu a ciência. E, mesmo quando largou a religião, a ciência sempre precisou de crenças: os cientistas, religiosos ou ateus, acreditam, por exemplo, na existência de leis universais e acreditam no primado da lógica. Mas há, evidentemente, uma diferença entre a crença justificada racionalmente da ciência e as muitas crenças mais ou menos injustificadas que encontramos fora dela.
O que têm, enfim, em comum ciência, arte e religião? As três, cada uma a seu modo, poderão servir para elevar o homem, mas as três, também cada uma a seu modo, servem decerto para penetrar o mistério. Citemos de novo Einstein:
“A coisa mais bela que podemos experimentar é o mistério. É a emoção fundamental que está no berço da verdadeira arte e da verdadeira ciência. Aquele que desconhece essa emoção, aquele que deixou de se maravilhar, que deixou de admirar, é como se estivesse morto, é uma vela apagada. Foi a experiência do mistério que... originou a religião. Saber que existe algo que não podemos captar, a percepção da razão mais profunda e da beleza mais radiante, que só são acessíveis à nossa mente nas suas formas mais primitivas – é a experiência dessa emoção que constitui a verdadeira religiosidade: e, neste sentido, e só neste sentido, sou um homem profundamente religioso.”
A FÍSICA E AS PESSOAS: UM MUNDO MELHOR
Em breve se vaio iniciar a campanha do "Pirilampo Mágico", uma grande iniciativa de solidariedade social para a promoção e criação de condições de defesa dos interesses e direitos das pessoas, em especial crianças, com deficiência mental ou multideficiência. A Fenarceci (Federação Nacional das Cooperativas de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas) pediu-me um texto para a revista que vai lançar agora no início da campanha e eu, porque a causa é boa, não me fiz rogado e escrevi o seguinte:
Em 2009 celebra-se, sob o lema “Imaginar-Criar-Inovar”, o Ano Europeu da Criatividade e da Inovação. Um dos desafios que a União Europeia propôs consiste em “assegurar que as competências em matemática, ciência e estudos de tecnologia promovem e estimulam a inovação”. De facto, a ciência e a tecnologia, que usam a linguagem da matemática, estão na base do mundo moderno e o mundo só será mais moderno se conseguirmos que a ciência e tecnologia, incluindo não só os seus produtos mas também a sua compreensão, cheguem a mais pessoas.
Vou falar da Física, a ciência que desde novo abracei e que é um bom exemplo das disciplinas científicas que estão na base da tecnologia e, portanto, das nossas vivas. A Física, tal como a conhecemos hoje, começou quando o italiano Galileu Galilei, há cerca de 400 anos, começou a usar o método experimental para descobrir o mundo à sua volta, isto é, o mundo à volta de todos nós. Na Terra ele observou movimentos de vários objectos, em particular a queda dos corpos, e nos céus ele observou os movimentos dos astros (foi há exactamente 400 anos que ele dirigiu pela primeira vez um telescópio para o céu) . Serviu-se da linguagem matemática pois, segundo ele, o “Livro da Natureza” está escrito em caracteres matemáticos.
Os avanços da Física nestes quatro séculos foram impressioantes. E foi com base nesses avanços que conseguimos uma vida melhor, por exemplo, assegurando melhores transportes na Terra e enviando sofisticadas naves para o espaço. O bom funcionamento dos transportes na Terra, sejam por automóvel, comboio, barco ou avião, só são possíveis porque compreendemos bem a mecânica que Galileu fundou. E os satélites artificiais, que permitem previsões meteorológicas, telecomunicações (telefones, rádio e televisão), localização geográfica, etc., também só são possíveis graças a essa mesma compreensão, já que os movimentos no céu obedecem as mesmas leis que os movimentos na terra. Para chegar à situação do mundo de hoje desde o tempo de Galileu foram precisos muitos processos de “imaginação-criatividade-inovação”. E mais vão ser precisos ainda, muitos mais, porque nenhum dos componentes desses processos tem limite...
A Física é feita por pessoas, como Galileu e tantos outros depois dele, e é feito para as pessoas. As pessoas, todas as pessoas, de uma maneira ou de outra beneficiam dos progressos da Física e irão beneficiar mais no futuro à medida que esses progressos se forem alargando. Mas, para que tais progressos se concretizem é preciso que haja físicos e engenheiros que saibam inovar, sendo a escola indispensável para a sua formação. Por outro lado, como os cientistas são apenas uma pequena porção da humanidade, interessa que os cidadãos em geral compreendam o que é a ciência em geral e a Física em particular. Além de um óbvio conforto material, o conhecimento da Física e dos seus processos, proporciona um conforto intelectual. Viveremos todos melhor no mundo – e o mundo será melhor – se compreendermos esse mundo e se também compreendermos o modo como ele é compreendido.
Quando digo todas as pessoas, quero mesmo dizer todas. Estou a pensar também nas pessoas portadoras de deficiência (seja qual for o tipo de deficiência, física ou mental), a quem devem ser proporcionadas, tanto quanto possível, as mesmas oportunidades que às outras pessoas.
Alguns cientistas têm deficiências que não os impedem de produzir ciência. Galileu ficou deficiente no final da sua vida, pois a sua visão se deteriorou de forma irreversível, mas isso não o impediu de ver com os olhos da mente aquilo que os olhos físicos não lhe permitiam ver. O seu último livro “Discursos e Demonstrações Matemáticas Acerca de Duas Novas Ciências”, que criou de facto duas novas ciências, foi escrito em condições de grande deficiência. Um dos grandes descendentes de Galileu, o astrofísico britânico Stephen Hawking, é um deficiente físico profundo, por ser portador de uma grave doença do foro neurológico (a doença de Lou Gehrig ou esclerose lateral amiotrófica). Preso a uma cadeira de rodas, não consegue sequer falar, servindo-se para comunicar de um sistema de voz computadorizada. Mas isso não o impede de ser um dos físicos mais conceituados a nível mundial, por ter imaginado, criado e inovado mais que muitos dos seus colegas de profissão. E não o impede de ter escrito livros científicos notáveis pela sua criatividade e inovação e livros de divulgação científica de grande circulação como “Uma Breve História do Tempo”.
Por sua vez, numerosas pessoas com deficiência, jovens ou não, aprendem hoje ciência na escola (ensino formal) ou fora dela (ensino informal), ultrapassando dificuldades, por vezes poderosas, que outros não conhecem. Para eles deve ir toda a ajuda que lhes pudermos dar, toda a integração que lhes conseguirmos proporcionar. O mundo só será melhor se formos solidários uns com os outros...
segunda-feira, 27 de abril de 2009
Crença, opinião e desejo
Imagem: Guiding Lights, de James Jordan
O termo português “crença” é por vezes usado com uma certa liberdade de linguagem como sinónimo de crença religiosa — mas não é realmente sinónimo porque nesse caso esta expressão seria um pleonasmo e não o é. Por crença entende-se qualquer representação, mais ou menos sofisticada, da realidade. Assim, tanto a crença de que a Lua é menor do que a Terra como a crença de que o céu é azul são crenças, apesar de a primeira ser bem mais sofisticada do que a segunda. Evidentemente, as crenças religiosas são um tipo de crença entre muitas coisas — como as crenças científicas, matemáticas, históricas, etc.
Ao contrário do conhecimento, as crenças podem ser verdadeiras ou falsas: podemos acreditar que a Lua é do mesmo tamanho da Terra sem que isso seja verdade, mas não podemos saber tal coisa se isso não for verdade.
Essencial à crença, precisamente por ser uma representação da realidade, é almejar à verdade, ou pretender alinhar-se com a verdade, ou dirigir-se à verdade. Mas almejar não é conseguir, e porque não somos omniscientes nem cognitivamente perfeitos, falhamos muitas vezes e albergamos crenças falsas.
A crença distingue-se do desejo ou da esperança no que respeita ao alinhamento com a verdade. Ao passo que na crença a direcção do ajuste é da realidade para a crença — isto é, procuramos ajustar a nossa representação da realidade à realidade — no desejo, esperança e outras atitudes análogas faz-se o contrário: o ajuste é do desejo para a realidade — isto é, procuramos ajustar a realidade ao nosso desejo. Quando temos a crença de que a Lua é menor do que a Terra, procuramos alinhar a nossa crença com a realidade, o que implica mudar a primeira se não representar correctamente a segunda. Mas quando desejamos acabar com a pobreza no mundo, procuramos mudar a realidade para que esta passe a alinhar-se com o nosso desejo.
A confusão entre crença e desejo provoca vícios epistémicos. Os activistas têm precisamente tendência para fazer isto — sejam eles ecologistas, criacionistas, ateístas, partidários da Religião Nova Era Digital, etc. Querem mudar a realidade de acordo com os seus desejos. Mas acabam por confundir desejo com crença e passam a acreditar que o mundo é como gostariam que fosse, ou passam a acreditar que o mundo tem as propriedades que lhes permitirá dar-lhe só mais um empurrão para passar a ser como desejam. A falsidade, a argumentação tendenciosa, o truque rasteiro, tornam-se então instrumentos cruciais para fingir que a realidade é como desejaríamos que fosse, e perde-se o interesse cognitivamente central de tentar alinhar as nossas crenças com a realidade. Falácias óbvias como a supressão de provas tornam-se comuns: todas as migalhas que militam a favor da causa favorecida são aproveitadas, e todos os dados e argumentos contrários são pura e simplesmente ignorados.
É preciso moderar a ânsia de empurrar o mundo numa dada direcção, porque a história mostrou repetidas vezes que muitos dos empurrões mais honestos e sinceros provocaram desastres. É preciso pensar outra vez, para ver se os nossos desejos se baseiam em crenças sólidas, ou se pelo contrário estão a toldar as nossas crenças, fazendo-as perder o alinhamento com a realidade. Uma parte importante da sabedoria consiste em fazer os nossos desejos responder às nossas mais sólidas crenças, e impedir os nossos desejos de contaminar as nossas crenças.
"Reabilitam-se os Galileus do passado e condenam-se os de hoje"
Vale a pena ler aqui a entrevista com o título de cima que o jornal espanhol "El Pais" publicou no sábado passado a Juan Masiá, padre jesuíta e professor de Bioética na Universidade Católica de Osaka, Japão.
Um extracto:
Pregunta. Sostienen ustedes que la Iglesia católica está cometiendo "ridículos mayores que los del caso Galileo".
Respuesta. Galileo tenía razón en su intuición sobre el movimiento de los astros, pero no la tenía en sus argumentos. En cambio, hoy la ciencia suministra datos que la curia romana prefiere desconocer: por ejemplo en problemas referentes al inicio y al fin de la vida. La consecuencia es que la proclamada síntesis entre fe y razón se ve así puesta en entredicho. Hay que evitar nuevos casos Galileo. Es muy cómodo rehabilitar a los Galileos del pasado mientras se condena a los de hoy. La Inquisición ha de extinguirse. La Congregación para la Doctrina de la Fe, que presidió Ratzinger tantos años, debería haber desaparecido.
Um extracto:
Pregunta. Sostienen ustedes que la Iglesia católica está cometiendo "ridículos mayores que los del caso Galileo".
Respuesta. Galileo tenía razón en su intuición sobre el movimiento de los astros, pero no la tenía en sus argumentos. En cambio, hoy la ciencia suministra datos que la curia romana prefiere desconocer: por ejemplo en problemas referentes al inicio y al fin de la vida. La consecuencia es que la proclamada síntesis entre fe y razón se ve así puesta en entredicho. Hay que evitar nuevos casos Galileo. Es muy cómodo rehabilitar a los Galileos del pasado mientras se condena a los de hoy. La Inquisición ha de extinguirse. La Congregación para la Doctrina de la Fe, que presidió Ratzinger tantos años, debería haber desaparecido.
PORTUGAL SOB "GRAVE RISCO" DE INVASÕES BIOLÓGICAS
Informação recebida do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra:
Não conhecem leis nem fronteiras e causam, por todo o mundo, prejuízos superiores a cinco por cento do PIB global. As plantas invasoras estão a multiplicar-se cada vez mais depressa. Mas em Portugal já têm cadastro.
Portugal está mais susceptível a invasões biológicas, com prejuízos graves para a economia e para a saúde. O alerta é das biólogas Helena Freitas, Elizabete Marchante e Hélia Marchante, autoras de um novo guia sobre as plantas que ameaçam o território continental. O "Guia Prático para a Identificação de Plantas Invasoras de Portugal Continental" é lançado na próxima terça-feira, dia 28 de Abril, às 17 horas no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (UC).
A apresentação do livro, especialmente pensado para o público em geral, contará ainda com a presença de João Loureiro, do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), e de Jorge Paiva, do Departamento de Botânica da UC, que explicarão por que é que as invasões biológicas devem ser uma preocupação política e científica.
Segundo Helena Freitas, presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia, Portugal está sob "grave risco" de invasões biológicas, com consequências para a economia nacional e para a saúde pública. De resto, um estudo publicado esta semana na revista Frontiers in Ecology and the Environment, citado pelo jornal Público, refere que só na Europa são gastos 10 mil milhões de euros no combate às espécies invasoras. Ao nível mundial, o Global Invasive Programme (GISP) estima que o prejuízo causado por estas plantas ascenda ao equivalente a 5 por cento do PIB global.
"Entre as plantas invasoras que suscitam mais preocupação estão as acácias (a mimosa, por exemplo), o chorão-das-praias, a erva-das-pampas (ou penacho), a háquea-picante e o jacinto-de-água (na figura), mas há certamente mais", reconhece Elizabete Marchante, investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC. Para a bióloga, "uma das grandes dificuldades associada ao problema das invasões biológicas é que cada pessoa, não consciente do problema, pode contribuir para o agravar, quer introduzindo novas espécies (intencional ou acidentalmente), quer utilizando espécies invasoras nas suas actividades profissionais ou mesmo no seu jardim. É fundamental investir nesta divulgação, pois só reconhecendo as espécies invasoras é que se pode evitar a sua utilização".
As plantas utilizadas na decoração são elas próprias, frequentemente, espécies de risco. "Estas espécies podem vir de qualquer local do mundo. Chegam acidentalmente, por exemplo através de sementes misturadas com mercadorias, mas também intencionalmente, por exemplo para o mercado ornamental", explica Elizabete Marchante.
Nem todas as plantas exóticas são nocivas, sublinha Helena Freitas. Contudo, como explica o guia, algumas destas espécies "além de superarem as barreiras geográficas, conseguem superar barreiras bióticas e abióticas", podendo tornar-se numa "ameaça para os ecossistemas naturais, para a produção de alimentos e, mesmo, para a saúde humana e para a própria economia".
"Da Terra ao Universo" a dois passos de casa
Informação recebida da organização do Ano Internacional da Astronomia:
Exposição do Ano Internacional de Astronomia marca presença em várias cidades do país
Já é possível vir a descobrir a Nebulosa da Cabeça de Cavalo ou a Galáxia Whirlpool a caminho de casa, do trabalho ou da escola. O Ano Internacional de Astronomia (AIA2009) surpreende o público com um encontro invulgar com a ciência: durante todo o ano, nas paragens de autocarros, nos jardins, museus, centros comerciais, nas estações de metro ou nos parques públicos, a estonteante beleza do Universo mostra-se de Norte a Sul de Portugal continental e nas regiões autónomas. A iniciativa está aberta a todas as câmaras que quiserem participar, sendo também solicitada a participação do público, através de registos fotográficos originais da exposição.
Chama-se "Da Terra ao Universo" ("From Earth To The Universe" no resto do mundo). É uma exposição fora de comum, que quer dar a conhecer alguns dos mais belos elementos do nosso universo. Não tem local marcado, mas já conquistou diversas câmaras do país que resolveram apoiar o Ano Internacional de Astronomia, ao colocar vários posters nos abrigos de autocarro e outros mobiliários urbanos das suas cidades. Está à espera de todos nós, mesmo ao virar da esquina.
Para chamar a atenção do público, a organização do AIA2009 em Portugal (o evento é promovido a nível nacional pela pela Sociedade Portuguesa de Astronomia, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), da Fundação Calouste Gulbenkian, do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, do Ciência Viva e da European Astronomical Society (EAS)) seleccionou um conjunto de 10 imagens astronómicas de grandes dimensões, captadas por telescópios em terra ou no espaço.
MUPIs (Mobiliário Urbano para Informação) apresentando, entre outros, o relevo da Lua, uma protuberância solar, a Galáxia de Andrómeda, a Nebulosa da Lagoa e o remanescente de Supernova da Vela vão, por exemplo, ser visíveis nas cidades do Porto, de Évora, de Coimbra, de Sintra, de Portimão e no Faial, entre outros, sendo a iniciativa aberta a todos os municípios que desejarem vir a receber esta exposição, bastando para tal enviar uma mensagem para o secretariado executivo do AIA2009, através do e-mail aia2009@mat.uc.pt.
O projecto "From Earth To The Universe" (FETTU) foi apresentado na sede da UNESCO em Paris, em Janeiro passado, por ocasião da abertura internacional do AIA2009. Perto de 50 países estão neste momento envolvidos na exposição. "Pretendemos com esta mostra de grande escala expor a astronomia ao público em geral, de uma maneira inesperada mas, contudo, acessível a todos", revelam os responsáveis de um dos projectos-chaves do Ano Internacional da Astronomia. Se "Da Terra ao Universo" visa por um lado confrontar o público com as maravilhas do cosmos, quer também, num contexto alargado de ciência, arte e cultura, levar o público a perceber o conhecimento científico que se esconde por trás dessas magníficas imagens.
Ainda no âmbito da exposição "Da Terra ao Universo", o Ano Internacional de Astronomia desafia todos os amadores de fotografia a sair para a rua e a "imortalizar" a presença inédita dessas imagens astronómicas no quotidiano das nossas cidades. As mais belas fotografias do certame serão publicadas online pelo AIA2009 (aqui). Para participar, basta enviar a fotografia escolhida por e-mail (daterraaouniverso@gmail.com), indicando o nome do autor e a localidade onde foi tirada.
Câmaras participantes até hoje: Águeda, Bragança, Coimbra, Constância, Espinho, Estarreja, Évora, Faial, Figueira de Castelo Rodrigo, Montijo, Oeiras, Pombal, Portimão, Porto, Sintra, Torres Novas, Torre de Moncorvo, Viana do Castelo e Vila Nova de Gaia.
Mais informações: aqui.
Novas regras de acesso ao ensino superior
Novo post de Rui Baptista:
“No meu tempo não era possível. Afinal no passado nem tudo era mau” (Expresso, Aníbal Cavaco Silva, 25/04/2009)
Reporta-se esta frase, com o “saber de experiência feito”, do Presidente da República, proferida no recente Roteiro da Ciência, dedicado à Matemática, ao facto de haver candidatos que entram em cursos de engenharia sem terem feito a disciplina de Matemática como condição “sine qua non” de ingresso. Aliás, este mesmo diagnóstico foi feito pelo bastonário da Ordem dos Engenheiros, que detém a competência de sancionar a qualidade dos cursos conducentes ao título profissional de engenheiro. Lamentavelmente, esta prerrogativa foi retirada às ordens a serem criadas no futuro. Mas isto são contos largos com génese no não reconhecimento de um dos cursos e diploma de engenharia que se tornou notícia nos média.
Em medida digna de aplauso, embora pecando por tardia, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, José Mariano Gago (na figura), resolveu tomar medidas que deixam na boca o travo da fome pela sua escassez. Refiro-me às “Regras mais duras para o superior” (título de notícia no Expresso). Refere-se a notícia à estratégia de “algumas instituições, a maioria privada e do ensino politécnico, que eliminam provas de ingresso que se têm revelado particularmente difíceis para os alunos, na tentativa de atrair mais candidatos”). Sintomaticamente, Mariano Gago, quiçá devido à sua formação científica, estabelece essas regras para os curso ditos científicos deixando de fora as humanidades, as quais despreocupam um país em que a cultura literária continua parente pobre, um país onde os textos literários dos maiores vultos da nossa literatura deixado de ser dados ou, quando muito, passaram a ser ministrados em sinopses de poucas folhas. E o que dizer da filosofia, tão necessária ao pensamento racional em ciências, letras ou qualquer outro ramo do conhecimento, que deixaram de ter os exames nacionais que punham saudavelmente a cabeça à roda à juventude? Nesta perspectiva de despreocupação por um ensino exigente, Platão torna-se, ainda hoje, incómodo quando, ao ser confrontado com a dificuldade das crianças do seu tempo contarem ou distinguirem os números pares dos ímpares, manifestou o seu repúdio: “Quanto a mim, parecemo-nos mais com porcos do que com homens e sinto-me envergonhado não só de mim, mas de todos os gregos.”
As recentes medidas teriam toda a razão de ser não fosse a utopia em compaginar a dureza destas regras com a blandícia do “acesso ao ensino superior para maiores de 23 anos”. Sem querer beliscar sequer o respeito que nos deve merecer todo aquele que, em ingente esforço próprio, se valoriza culturalmente (e ao qual o extinto exame “ad-hoc” dava o devido aval), não posso deixar de sorrir com a definição espirituosa dada a “autodidacta” pelo poeta e jornalista brasileiro Mário Quintana: “Ignorante por conta própria”.
Dando-me conta desta situação escrevi, tempos atrás, no jornal “Público” um artigo de opinião, intitulado “Exame de Aptidão à Universidade, porque não?” Pela actualidade de que ainda se reveste, aqui deixo breve extracto desse meu texto:
“Num sistema educativo abrindo brechas por todos os lados, por ausência dos alicerces de uma boa ‘instrução primária’ e sólidas paredes dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, e em que o ensino secundário é, ainda, um pilar sólido, o acesso ao ensino superior não pode deixar de ser posto em causa ao dar guarida a ignorantes vítimas das muitas reformas no sector da Educação que se vão sucedendo em operações de simples cosmética, a exemplo do carmim para disfarçar a alvura que empalidece a tez de anémica donzela.
O sociólogo António Barreto, com a autoridade de prestigiado académico dos fenómenos sociais, não se exime em declarar publicamente o seu desacordo ‘em se transmitir à população a ideia de que o acesso à universidade é um direito de todos, tal como a protecção na doença e na velhice’ ” ( Público, 5/09/2005).
Como bem alerta o autor Stephen Covey, sobre a necessidade de um arrepiar de caminho que se aplica a papel químico ao percurso que o sistema educativo português tem seguido, ”se continuarmos a fazer o que estamos a fazer, continuaremos a conseguir o que estamos a conseguir”.
Rui Baptista
domingo, 26 de abril de 2009
O dever de educar para a Música
Décima segunda sessão do ciclo O dever de educar, no próximo dia 28 de Abril, pelas 18h15, na Livraria Minerva Coimbra.
Mudando um pouco a rota deste ciclo, propomo-nos, agora, pensar no dever de educar em áreas específicas do saber.
Começamos pela Música, um dos primeiros ensinamentos da escola, e delineamos algumas perguntas para a próxima sessão: Como tem sido encarado esse ensinamento ao longo do tempo? Para que serve? Que ligações estabelece com outras aprendizagens? Qual o seu lugar nos nossos currículos? O que se pode fazer para se educar musicalmente as crianças e os jovens?
O convidado é Manuel Rocha, músico com formação clássica e carreira diversificada, é membro da Brigada Victor Jara e professor de violino no Conservatório de Música de Coimbra. A sua cultura musical e o seu empenho na aprendizagem da Música, têm-no envolvido em vários projectos educativos.
Local: Livraria Minerva (Rua de Macau, n.º 52 - Bairro Norton de Matos), em Coimbra.
Próxima sessão: 12 de Maio.
As sessões deste ciclo são quinzenais e estão abertas ao público.
Mudando um pouco a rota deste ciclo, propomo-nos, agora, pensar no dever de educar em áreas específicas do saber.
Começamos pela Música, um dos primeiros ensinamentos da escola, e delineamos algumas perguntas para a próxima sessão: Como tem sido encarado esse ensinamento ao longo do tempo? Para que serve? Que ligações estabelece com outras aprendizagens? Qual o seu lugar nos nossos currículos? O que se pode fazer para se educar musicalmente as crianças e os jovens?
O convidado é Manuel Rocha, músico com formação clássica e carreira diversificada, é membro da Brigada Victor Jara e professor de violino no Conservatório de Música de Coimbra. A sua cultura musical e o seu empenho na aprendizagem da Música, têm-no envolvido em vários projectos educativos.
Local: Livraria Minerva (Rua de Macau, n.º 52 - Bairro Norton de Matos), em Coimbra.
Próxima sessão: 12 de Maio.
As sessões deste ciclo são quinzenais e estão abertas ao público.
sábado, 25 de abril de 2009
"A poesia está na rua"
Muitos são os artistas que ligaram o seu nome à data que hoje se comemora. Maria Helena Vieira da Silva e Sophia de Mello Breyner Andersen são dois desses nomes. Da primeira reproduzo uma pintura - com frase de Sophia: A poesia está na rua -, e da segunda um poema - Pranto pelo dia de hoje.
Nunca choraremos bastante quando vemos
O gesto criador ser impedido
Nunca choraremos bastante quando vemos
Que quem ousa lutar é destruído
Por troças por insídias por venenos
E por outras maneiras que sabemos
Tão sábias tão subtis e tão peritas
Que nem podem sequer ser bem descritas
in Livro Sexto, 1962.
Nunca choraremos bastante quando vemos
O gesto criador ser impedido
Nunca choraremos bastante quando vemos
Que quem ousa lutar é destruído
Por troças por insídias por venenos
E por outras maneiras que sabemos
Tão sábias tão subtis e tão peritas
Que nem podem sequer ser bem descritas
in Livro Sexto, 1962.
sexta-feira, 24 de abril de 2009
Mudanças na universidade portuguesa
O excelente artigo de Carlos Fiolhais sobre os problemas de financiamento das universidades portuguesas recebeu hoje mesmo uma resposta do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Professor Dr. Mariano Gago.
O novo plano de financiamento exige que as universidades despeçam a generalidade dos seus professores, não sem antes gravar as suas aulas em vídeo de alta definição, que será disponibilizado gratuitamente na Internet, numa parceria com o YouTube. Deste modo, o professor recebe apenas pelas aulas que efectivamente deu, mas não pela sua repetição, ano após ano. Os alunos podem assim assistir às aulas sem que o estado tenha de pagar os ordenados a tantos professores. A avaliação pode facilmente ser realizada pelos próprios alunos, num sistema democrático de auto-avaliação. Isto permite diminuir brutalmente os custos.
Quanto à investigação, o professor será pago apenas à peça. Cada professor pede financiamento ao grande público, usando uma plataforma Web desenvolvida em parceria com o Google. Se as pessoas tiverem curiosidade sobre os resultados da investigação, dão donativos. Se esses donativos não chegarem ao montante estabelecido pelo professor, este não realizará a sua investigação.
Alguns responsáveis sindicais protestaram já, temendo que o grande público não financie os professores, mas o Ministro garantiu que os professores que não tiverem o apoio popular poderão trabalhar na limpeza das universidades, pagos à semana. “Desse modo”, afirmou o Ministro, “elimina-se também o elitismo de os professores se recusarem a lavar sanitas. Afinal, se todos as usamos, por que razão não podemos todos lavá-las?”
Esta medida revolucionária de financiamento está a ser seguida atentamente por algumas das mais prestigiadas universidades do mundo, como o MIT, Harvard, Princeton e NYU. “A poupança prevista por este modelo de financiamento é inegável”, afirmou um responsável de Princeton. “E se realmente podemos ter o mesmo mais barato, por que haveremos de ter o mesmo mas mais caro?”
Alguns professores da Universidade de Coimbra firmaram já contratos de publicidade com algumas agências. Vestindo t-shirts a marcas como a Mercedes ou a Nestlé, e inserindo anúncios publicitários no meio das suas aulas, os professores esperam assim complementar o pagamento das aulas oferecido pelo estado. “O mundo mudou”, refere um professor vestido com as cores da Coca-Cola, “e temos de nos adaptar aos novos tempos, tal como aconteceu com a introdução das linhas de montagem ou das máquinas de costura.”
O novo plano de financiamento exige que as universidades despeçam a generalidade dos seus professores, não sem antes gravar as suas aulas em vídeo de alta definição, que será disponibilizado gratuitamente na Internet, numa parceria com o YouTube. Deste modo, o professor recebe apenas pelas aulas que efectivamente deu, mas não pela sua repetição, ano após ano. Os alunos podem assim assistir às aulas sem que o estado tenha de pagar os ordenados a tantos professores. A avaliação pode facilmente ser realizada pelos próprios alunos, num sistema democrático de auto-avaliação. Isto permite diminuir brutalmente os custos.
Quanto à investigação, o professor será pago apenas à peça. Cada professor pede financiamento ao grande público, usando uma plataforma Web desenvolvida em parceria com o Google. Se as pessoas tiverem curiosidade sobre os resultados da investigação, dão donativos. Se esses donativos não chegarem ao montante estabelecido pelo professor, este não realizará a sua investigação.
Alguns responsáveis sindicais protestaram já, temendo que o grande público não financie os professores, mas o Ministro garantiu que os professores que não tiverem o apoio popular poderão trabalhar na limpeza das universidades, pagos à semana. “Desse modo”, afirmou o Ministro, “elimina-se também o elitismo de os professores se recusarem a lavar sanitas. Afinal, se todos as usamos, por que razão não podemos todos lavá-las?”
Esta medida revolucionária de financiamento está a ser seguida atentamente por algumas das mais prestigiadas universidades do mundo, como o MIT, Harvard, Princeton e NYU. “A poupança prevista por este modelo de financiamento é inegável”, afirmou um responsável de Princeton. “E se realmente podemos ter o mesmo mais barato, por que haveremos de ter o mesmo mas mais caro?”
Alguns professores da Universidade de Coimbra firmaram já contratos de publicidade com algumas agências. Vestindo t-shirts a marcas como a Mercedes ou a Nestlé, e inserindo anúncios publicitários no meio das suas aulas, os professores esperam assim complementar o pagamento das aulas oferecido pelo estado. “O mundo mudou”, refere um professor vestido com as cores da Coca-Cola, “e temos de nos adaptar aos novos tempos, tal como aconteceu com a introdução das linhas de montagem ou das máquinas de costura.”
O fulaninho de Cartago
Informação recebida do Grupo de Teatro Clássico Thíasos, do Departamento de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Convite para a estreita da peça: O fulaninho de Cartago
Autor: Plauto
Tradução e encenação: José Luís Brandão
Estreia: 28 de Abril de 2009, às 21.30horas
Local: Faculdade de Letras, Teatro Paulo Quintela
A entrada é livre
O texto
Antecedentes da acção. Um menino de sete anos foi raptado de Cartago. O pai deste definhou de desgosto e deixou os seus bens a um primo. Um velho misógino de Cálidon, na Etólia, comprou o rapaz, sem saber que ele era filho de um hóspede, adoptou-o e, antes de morrer, nomeou-o seu herdeiro. Foram depois também raptadas duas primas do jovem juntamente com a ama. Lico, um alcoviteiro, comprou-as a uns piratas e trouxe-as para a vizinhança do rapaz.
A acção. Agorástoles – assim se chama o jovem – anda perdido de amores por uma das moças, Adelfásio, sem fazer ideia de que é sua prima; e o alcoviteiro tortura o enamorado com delongas. Este com a ajuda de Milfião, o escravo matreiro, monta-lhe uma armadilha: deste modo, o proxeneta é, na presença de testemunhas adestradas para o efeito, implicado num suposto roubo e arrisca-se a ser arrastado diante do pretor. Mas o desenlace é precipitado por um reconhecimento. Chega à cidade um velho cartaginês, esperto e manhoso, que descobre que o jovem é o filho do falecido primo e reencontra as filhas que havia perdido.
O contexto. Tendo em conta as referências históricas que figuram na peça, nem sempre claras, foram propostas datas para a composição que vão de 197 a 188 a.C. Uma fala das Testemunhas (vv. 524-525) sobre a paz civil e os inimigos aniquilados pode conter uma alusão à derrota de Aníbal, no final da segunda guerra púnica (202 a.C). Mas podem estar implícitas outras guerras, concluídas ou em curso (com Filipe V da Macedónia, derrotado na batalha de Cinoscéfalas, em 197 a.C.; com Nábis, tirano de Esparta, tomada em 195 a.C.; com Antíoco da Síria, derrotado em Magnésia, em 189 a.C.). Seja como for, a escolha do tema não será inócua: na altura da primeira representação, ainda estaria bem fresca a memória das pesadas derrotas que Aníbal infligiu a Roma (218 - 216 a.C.), sobretudo a de Canas, a que se seguiu o supremo desespero de ver Hannibal ad portas – penas agravadas pelos danos irremediáveis, causados pela longa permanência (até 204 a.C.) em terras itálicas de um exército tão numeroso e heterogéneo. Era ainda recente a derrota do terrível inimigo, seguida da paz com Cartago, em 201.
A reacção dos romanos aos cartagineses está patente em algumas tiradas proverbiais sobre a perfídia púnica e comentários jocosos à indumentária exótica (elementos úteis para estudiosos e encenadores), mas não vai além disso. Contrariamente ao que seria de esperar, e que o título parece sugerir, Plauto não se centra no ataque ao inimigo mortal dos romanos. O cartaginês Hanão, talvez por determinação da peça grega que Plauto, no prólogo, diz traduzir, é retratado não como um monstro abatido, mas como modelo de virtudes ancestrais (de onde se evidencia a pietas) e de dignidade. De tal modo que nos parece haver algo de terenciano nesta personagem marcada pelo sofrimento. No final, Hanão é o grande triunfador que traz o prémio para os bons e a ruína para os perversos. Além disso, as raparigas cartaginesas, apesar da situação em que se encontram – estão prestes a ser iniciadas na prostituição –, lutam para manter a dignidade da sua condição (sobretudo Adelfásio). E são salvas no último momento, como salienta a ama: quando se preparavam já para se submeterem ao destino. Daí a esfuziante alegria, por reencontrarem o pai, há tanto tempo esperado.
A acção decorre no dia das Afrodísias, a festa de Vénus.
As personagens
Agorástocles não se afasta do que é de esperar do jovem enamorado, egoísta e cruel. Acrescenta-se a avareza, pois, apesar de ser emancipado, ainda não resgatou a amada.
Milfião é o típico escravo matreiro, de resposta pronta, apreciador mais do vinho que de mulheres, como ele próprio diz. Não poupa as palavras de troça ao seu amo apaixonado.
Adelfásio é uma jovem raptada, destinada a ser meretriz. Nota-se, nesta personagem, uma certa contradição de carácter psicológico: ora se apresenta consciente da dignidade da sua origem nobre, ora parece agir como uma vulgar cortesã.
Anterástilis é irmã da anterior, raptada juntamente com ela. Revela-se mais mundana do que a irmã.
Lico (em grego, «lobo»), o alcoviteiro, é ávido de dinheiro até à impiedade. Mas ele apenas cumpre o seu mester. No final, é um homem destruído, e a sua resignação em reconhecer que perdeu e em aceitar a sorte que lhe está destinada quase provoca a comiseração.
Antaménides é o típico soldado fanfarrão plautino. A proclamação da sua gesta, a vitória sobre os homens voadores, não fica atrás, na fantasia, das façanhas de Pirgopolinices em O Soldado Fanfarrão.
As Testemunhas funcionam como um raro exemplo de coro na comédia romana. Não são testemunhas isentas, pois vão prestar juramento numa acusação que sabem ser uma farsa.
Colibisco é o caseiro de Agorástocles que, para enganar o alcoviteiro, faz o papel de mercenário de Esparta foragido.
Sincerasto, escravo do alcoviteiro, não partilha os valores do seu amo; lamenta-se da decadência do lupanar e prontifica-se a contribuir para a ruína do patrão.
Hanão, o cartaginês, procura continuamente as suas filhas raptadas. Entra em cena a falar púnico, o que mostra que os espectadores romanos entenderiam alguma coisa da língua do inimigo. Apesar de o termo Hanão estar consagrado em português, como nome de várias pessoas gradas de Cartago, adoptámos para a representação a forma (também legítima) de Hánon, para evitar equívocos da linguagem oral e pela sonoridade exótica.
Gídenis é a ama de Adelfásio e Anterástilis e chave para o reconhecimento imediato de Hanão.
Finalmente, um Escravo do séquito de Hanão é filho da ama Gidénis.
José Luís Lopes Brandão
Convite para a estreita da peça: O fulaninho de Cartago
Autor: Plauto
Tradução e encenação: José Luís Brandão
Estreia: 28 de Abril de 2009, às 21.30horas
Local: Faculdade de Letras, Teatro Paulo Quintela
A entrada é livre
O texto
Antecedentes da acção. Um menino de sete anos foi raptado de Cartago. O pai deste definhou de desgosto e deixou os seus bens a um primo. Um velho misógino de Cálidon, na Etólia, comprou o rapaz, sem saber que ele era filho de um hóspede, adoptou-o e, antes de morrer, nomeou-o seu herdeiro. Foram depois também raptadas duas primas do jovem juntamente com a ama. Lico, um alcoviteiro, comprou-as a uns piratas e trouxe-as para a vizinhança do rapaz.
A acção. Agorástoles – assim se chama o jovem – anda perdido de amores por uma das moças, Adelfásio, sem fazer ideia de que é sua prima; e o alcoviteiro tortura o enamorado com delongas. Este com a ajuda de Milfião, o escravo matreiro, monta-lhe uma armadilha: deste modo, o proxeneta é, na presença de testemunhas adestradas para o efeito, implicado num suposto roubo e arrisca-se a ser arrastado diante do pretor. Mas o desenlace é precipitado por um reconhecimento. Chega à cidade um velho cartaginês, esperto e manhoso, que descobre que o jovem é o filho do falecido primo e reencontra as filhas que havia perdido.
O contexto. Tendo em conta as referências históricas que figuram na peça, nem sempre claras, foram propostas datas para a composição que vão de 197 a 188 a.C. Uma fala das Testemunhas (vv. 524-525) sobre a paz civil e os inimigos aniquilados pode conter uma alusão à derrota de Aníbal, no final da segunda guerra púnica (202 a.C). Mas podem estar implícitas outras guerras, concluídas ou em curso (com Filipe V da Macedónia, derrotado na batalha de Cinoscéfalas, em 197 a.C.; com Nábis, tirano de Esparta, tomada em 195 a.C.; com Antíoco da Síria, derrotado em Magnésia, em 189 a.C.). Seja como for, a escolha do tema não será inócua: na altura da primeira representação, ainda estaria bem fresca a memória das pesadas derrotas que Aníbal infligiu a Roma (218 - 216 a.C.), sobretudo a de Canas, a que se seguiu o supremo desespero de ver Hannibal ad portas – penas agravadas pelos danos irremediáveis, causados pela longa permanência (até 204 a.C.) em terras itálicas de um exército tão numeroso e heterogéneo. Era ainda recente a derrota do terrível inimigo, seguida da paz com Cartago, em 201.
A reacção dos romanos aos cartagineses está patente em algumas tiradas proverbiais sobre a perfídia púnica e comentários jocosos à indumentária exótica (elementos úteis para estudiosos e encenadores), mas não vai além disso. Contrariamente ao que seria de esperar, e que o título parece sugerir, Plauto não se centra no ataque ao inimigo mortal dos romanos. O cartaginês Hanão, talvez por determinação da peça grega que Plauto, no prólogo, diz traduzir, é retratado não como um monstro abatido, mas como modelo de virtudes ancestrais (de onde se evidencia a pietas) e de dignidade. De tal modo que nos parece haver algo de terenciano nesta personagem marcada pelo sofrimento. No final, Hanão é o grande triunfador que traz o prémio para os bons e a ruína para os perversos. Além disso, as raparigas cartaginesas, apesar da situação em que se encontram – estão prestes a ser iniciadas na prostituição –, lutam para manter a dignidade da sua condição (sobretudo Adelfásio). E são salvas no último momento, como salienta a ama: quando se preparavam já para se submeterem ao destino. Daí a esfuziante alegria, por reencontrarem o pai, há tanto tempo esperado.
A acção decorre no dia das Afrodísias, a festa de Vénus.
As personagens
Agorástocles não se afasta do que é de esperar do jovem enamorado, egoísta e cruel. Acrescenta-se a avareza, pois, apesar de ser emancipado, ainda não resgatou a amada.
Milfião é o típico escravo matreiro, de resposta pronta, apreciador mais do vinho que de mulheres, como ele próprio diz. Não poupa as palavras de troça ao seu amo apaixonado.
Adelfásio é uma jovem raptada, destinada a ser meretriz. Nota-se, nesta personagem, uma certa contradição de carácter psicológico: ora se apresenta consciente da dignidade da sua origem nobre, ora parece agir como uma vulgar cortesã.
Anterástilis é irmã da anterior, raptada juntamente com ela. Revela-se mais mundana do que a irmã.
Lico (em grego, «lobo»), o alcoviteiro, é ávido de dinheiro até à impiedade. Mas ele apenas cumpre o seu mester. No final, é um homem destruído, e a sua resignação em reconhecer que perdeu e em aceitar a sorte que lhe está destinada quase provoca a comiseração.
Antaménides é o típico soldado fanfarrão plautino. A proclamação da sua gesta, a vitória sobre os homens voadores, não fica atrás, na fantasia, das façanhas de Pirgopolinices em O Soldado Fanfarrão.
As Testemunhas funcionam como um raro exemplo de coro na comédia romana. Não são testemunhas isentas, pois vão prestar juramento numa acusação que sabem ser uma farsa.
Colibisco é o caseiro de Agorástocles que, para enganar o alcoviteiro, faz o papel de mercenário de Esparta foragido.
Sincerasto, escravo do alcoviteiro, não partilha os valores do seu amo; lamenta-se da decadência do lupanar e prontifica-se a contribuir para a ruína do patrão.
Hanão, o cartaginês, procura continuamente as suas filhas raptadas. Entra em cena a falar púnico, o que mostra que os espectadores romanos entenderiam alguma coisa da língua do inimigo. Apesar de o termo Hanão estar consagrado em português, como nome de várias pessoas gradas de Cartago, adoptámos para a representação a forma (também legítima) de Hánon, para evitar equívocos da linguagem oral e pela sonoridade exótica.
Gídenis é a ama de Adelfásio e Anterástilis e chave para o reconhecimento imediato de Hanão.
Finalmente, um Escravo do séquito de Hanão é filho da ama Gidénis.
José Luís Lopes Brandão
Microsoft anuncia reestruturação radical
Num comunicado lacónico à imprensa, a Microsoft anunciou ontem uma inversão radical de estratégia e intervenção no mercado de software. Não só o código do sistema operativo Windows, usado em cerca de 90% dos computadores, passará a ser aberto, como também o popular Office, que integra o Word, o processador de texto mais usado no mundo, ficará acessível a quem quiser estudá-lo ou modificá-lo a partir do próximo mês de Junho.
Esta medida deixou perplexa a comunidade Open Source, cujo rosto mais visível é o popular navegador Firefox, os sistemas operativos Linux e o Open Office. Numa reacção comedida, o CEO da Mozilla Foundation, responsável pelo Firefox, declarou tratar-se de "um momento histórico e uma vitória para os princípios da arquitectura aberta e do software gratuito".
No comunicado da Microsoft lê-se que "os produtos da Microsoft poderão agora ser usados por todas as pessoas que os quiserem usar, sem pagar, e poderão ser livremente modificados pelos programadores." O que o comunicado refere de passagem, contudo, é o que mais tem dado que falar nas bolsas de valores: o despedimento de quase 80 mil trabalhadores da Microsoft em todo o mundo. As projecções financeiras permitem concluir que os accionistas e dirigentes passarão a ganhar bastantes mais dividendos do que agora, precisamente porque a empresa passará a contar apenas com cerca de 10 mil trabalhadores. É que, como acontece com produtos como o Firefox ou o Open Office, só um reduzidíssimo número de programadores da Microsoft passará a ser pago; os restantes trabalharão voluntária e gratuitamente.
No final do comunicado, a Microsoft refere que "muitos utilizadores de PC preferem um sistema operativo aberto e gratuito, e a Microsoft está atenta às suas necessidades." Esta declaração tem sido interpretada pelo mercado de software como um ataque directo ao Linux, Open Office e outros produtos gratuitos de Open Source, pois pensa-se que a motivação que a generalidade das pessoas tem para usar estas alternativas é precisamente o facto de serem gratuitas e de código aberto. Com esta medida, é previsível que a Microsoft terá uma percentagem bastante maior de mercado do que actualmente, apesar de com isso ganhar menos dinheiro. A reacção mais alarmista veio da parte da Apple e do Opera, que declararam ser preocupante esta notícia, apesar de bem-vinda, pois significa que competir com a Microsoft é agora mais difícil precisamente porque os seus produtos passam a ser gratuitos.
Esta medida deixou perplexa a comunidade Open Source, cujo rosto mais visível é o popular navegador Firefox, os sistemas operativos Linux e o Open Office. Numa reacção comedida, o CEO da Mozilla Foundation, responsável pelo Firefox, declarou tratar-se de "um momento histórico e uma vitória para os princípios da arquitectura aberta e do software gratuito".
No comunicado da Microsoft lê-se que "os produtos da Microsoft poderão agora ser usados por todas as pessoas que os quiserem usar, sem pagar, e poderão ser livremente modificados pelos programadores." O que o comunicado refere de passagem, contudo, é o que mais tem dado que falar nas bolsas de valores: o despedimento de quase 80 mil trabalhadores da Microsoft em todo o mundo. As projecções financeiras permitem concluir que os accionistas e dirigentes passarão a ganhar bastantes mais dividendos do que agora, precisamente porque a empresa passará a contar apenas com cerca de 10 mil trabalhadores. É que, como acontece com produtos como o Firefox ou o Open Office, só um reduzidíssimo número de programadores da Microsoft passará a ser pago; os restantes trabalharão voluntária e gratuitamente.
No final do comunicado, a Microsoft refere que "muitos utilizadores de PC preferem um sistema operativo aberto e gratuito, e a Microsoft está atenta às suas necessidades." Esta declaração tem sido interpretada pelo mercado de software como um ataque directo ao Linux, Open Office e outros produtos gratuitos de Open Source, pois pensa-se que a motivação que a generalidade das pessoas tem para usar estas alternativas é precisamente o facto de serem gratuitas e de código aberto. Com esta medida, é previsível que a Microsoft terá uma percentagem bastante maior de mercado do que actualmente, apesar de com isso ganhar menos dinheiro. A reacção mais alarmista veio da parte da Apple e do Opera, que declararam ser preocupante esta notícia, apesar de bem-vinda, pois significa que competir com a Microsoft é agora mais difícil precisamente porque os seus produtos passam a ser gratuitos.
UMA DESGRAÇA DE PROFETA
Minha crónica no semanário "Sol" de hoje:
O físico Niels Bohr disse que era muito difícil fazer previsões. E acrescentava: especialmente do futuro. É por isso que os profetas, sejam da desgraça ou da graça (predominam os primeiros), costumam falhar. Recentemente, falhou mais uma vez um profeta da desgraça, ao contrário do que o próprio e os média quiseram fazer crer.
Giampaolo Giuliani, técnico do Instituto Nacional de Astrofísica Italiano (trata-se de um técnico não licenciado e não de um cientista!), previu um sismo na Itália central em Março passado, baseado num aumento que detectou de emanações do gás radão do subsolo. E colocou uma carrinha na rua com um megafone a assustar as pessoas.
Face à tragédia que ocorreu em L’Aquila, no dia 6 de Abril de 2009, a imprensa de todo o mundo referiu essa previsão, afirmando ou insinuando que se poderia ter prevenido a catástrofe se o profeta tivesse sido levado a sério. Muita e boa gente acreditou na previsão, interrogando-se por que razão a ciência não tinha sido ouvida.
Acontece, porém, que não se trata de ciência. No actual “estado da arte” não podem ser previstos sismos. Esta é a conclusão da comunidade dos especialistas em sismologia. Os sinais de radão não são um bom indicador. Apesar dos numerosos estudos feitos, não há nenhuma maneira fiável de indicar que num dado sítio, num certo dia e a uma certa hora vai ocorrer um sismo. Pode-se, quando muito, indicar probabilidades, bastante incertas. Giuliani falhou redondamente, pois previu um sismo em Sulmona a 30 km a sul de L’Aquila para uma semana antes. Se a protecção civil o tivesse levado a sério, teria evacuado os habitantes de Sulmona para L’Aquila, engrossando assim as vítimas da tragédia. O Laboratório para o qual Giuliani trabalha publicou aliás um comunicado, esclarecendo que o seu objecto é a astrofísica e não a geofísica, não passando as “pesquisas” de Giuliano sobre sismos de um hobby.
Eis pois como um lunático em busca de protagonismo teve os seus quinze minutos de glória. Não foi muito, mas podia-se ter poupado esse tempo.
A UNIVERSIDADE SEM-ABRIGO
Minha crónica no "Público" de hoje (na foto, pátio da Universidade de Évora):
Confesso que não gosto de Derrida, que é demasiado pós-moderno para o meu gosto, mas li A Universidade Sem Condição (Angelus Novus, 2003), um livro do filósofo e professor universitário francês. O título contém uma ambiguidade propositada. “Sem condição” significa, por um lado, que a universidade é o sítio onde se discute tudo sem condições e, por outro lado, que essa instituição é carente (o autor fala da “fragilidade de suas defesas perante os poderes que a comandam, assediam e tentam apropriar-se”, acrescentando “porque é estranha ao poder, porque é heterogénea ao princípio do poder, a universidade é igualmente desprovida de poder próprio"). A questão do livro é: como pode a universidade ser independente, exercendo a função de livre pensamento que só ela sabe exercer, ao mesmo tempo que depende tanto dos poderes alheios?
A universidade pública portuguesa está, actualmente, “sem condições” num sentido bem mais comezinho. Os reitores chamaram a atenção do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior para a ruptura financeira que está à vista, solicitando intervenção urgente. Já não se trata apenas de investimentos (muito parcos para as gritantes necessidades) ou de despesas de funcionamento (os fornecedores esperam e desesperam), mas sim e a curto ou médio prazo do próprio pagamento dos salários. A universidade corre o sério risco de ficar sem-abrigo.
Os reitores queixam-se de estrangulamento continuado. Em quatro anos, a percentagem do PIB afecta ao funcionamento do ensino superior desceu sensivelmente. A isto acrescentaram-se a nova obrigação dos descontos para a Caixa Geral de Aposentações e os aumentos da função pública. Quatro universidades ficaram em 2007 em falência técnica e outras tantas tiveram sérias dificuldades em 2008. Este ano, com a crise económica geral, a situação está a piorar. Como o número de alunos no ensino superior tem aumentado, as conclusões quanto ao financiamento por aluno são óbvias. Parece ter-se atingido uma situação grave de degradação, que não convirá a ninguém. Como pode uma universidade na penúria cumprir a sua missão?
O que diz a tutela, palavra que vem do latim "tuere", com o significado de proteger ou defender alguém? O ministro, que tem a seu favor o facto de ter mudado o governo das universidades e também o facto de ter extinguido duas universidades privadas (uma delas, por azar, a da licenciatura do primeiro-ministro), acusa as universidades de má gestão, sem especificar quem são os maus gestores e porquê, nem os incriminar, acabando com a má gestão. E diz que as verbas para a ciência têm aumentado – tiro-lhe o chapéu por isso – ao que os reitores contrapõem que isso se tem feito à custa do ensino superior - e eu volto a pôr o meu chapéu na cabeça. Tive esperança, quando, noutro governo, se juntou o ensino superior à ciência no mesmo ministério, que esse casamento fosse em comunhão de bens adquiridos. Pelos vistos não é, o que não augura um casamento estável e feliz.
Seria talvez mais rentável que o país, em vez de obras públicas faraónicas, fizesse um grande investimento na nossa massa cinzenta, de modo a que surgissem entre nós uma ou mais universidades no “top 100” do “ranking” europeu. É necessária uma avaliação rigorosa das escolas superiores, incluindo nessa avaliação não só os cursos como a investigação (o ministro mandou avaliar esta em separado) e o apoio à comunidade, de modo a apostar, como contributo para a superação da actual crise, no que elas têm de melhor. O facto de a incubadora do Instituto Pedro Nunes, em Coimbra, onde surgiram empresas de grande sucesso como a Critical Software e a Crioestaminal, ter ganho há pouco tempo o segundo lugar no prémio internacional Best Science Based Incubator mostra o potencial de ajuda ao desenvolvimento que existe nas nossas universidades. Porque não, aliando intimamente o ensino superior com a ciência e a tecnologia, procurar que os sectores universitários mais competitivos entrem ainda mais nos quadros de excelência europeus e mundiais?
Ainda a falta do ensino técnico-profissional
Em complemento do seu último post, Rui Baptista enviou-nos mais outro sobre o mesmo tema (na foto, José Saramago recebe o Prémio Nobel):
“Existe uma erótica do novo, o antigo é sempre suspeito” (Roland Barthes).
Um dos comentários ao meu último post “A falta do ensino técnico-profissional”, pode ter deixado passar a ideia de ser este ensino vocacionado para cábulas ou filhos de pais de estratos cultural e económico baixos. Pelo que posso testemunhar, tomando o exemplo da minha saudosa docência na Escola Mouzinho de Albuquerque da ex-Lourenço Marques, dois professores licenciados do seu corpo docente matricularam nesta escola como escolha preferencial os seus filhos, que, posteriormente, vieram a fazer o seu percurso universitário.
Um dos males deste país, em que se confunde democratização com mediocratização, é continuar a pensar-se que, tão-só, um diploma de licenciatura é o “abre-te Sésamo” de um emprego devidamente remunerado e de elevado prestígio social, o que leva, ainda mesmo hoje, os pais de poucas posses a sacrificarem-se para terem um filho possuidor de um canudo mesmo que leve o dobro dos anos a formar-se, dando, desta forma, aval a um dito amargo do falecido Francisco de Sousa Tavares: “Estamos a formar não um país de analfabetos, como até aqui, mas um país de burros diplomados”.
Ora a expressão “burros diplomados” que Sousa Tavares usou não se dirige, certamente, apropriando-me de uma frase de um outro comentário, à “estigmatização dos alunos enviados para as escolas ‘de burros’ ” (aliás, tese rejeitada pela própria autora do comentário). Indivíduos diplomados por antigas escolas técnicas prosseguiram estudos alcançando diplomas universitários e a própria cátedra universitária. José Saramago, possuidor de um desses diplomas, chegou a Prémio Nobel da Literatura e Jerónimo de Sousa distinguiu-se no campo da política. Diplomados por antigas escolas comerciais exercem hoje a profissão de contabilistas. Muitos destes cursados, e é bom que se ponha o enfoque nisto, receberam simultaneamente uma formação cívica e moral que os autoriza a apresentarem o seu percurso escolar aos filhos como exemplo a seguir: ”Sempre tivemos capacidade de entrar em algumas brincadeiras, partidas mais ousadas, sem sequer roçar a má educação, ordinarice ou violência” (frase de ex-aluno no“site” da Escola Industrial de Lourenço Marques). E o que vemos nós hoje nas nossas escolas secundárias que preparam futuros licenciados? Má educação, ordinarice e violência por parte, muitas vezes, de alunos para quem a escola única actual nada lhes diz sendo até uma verdadeira chatice.
Sei bem que, em tempos do extinto ensino técnico, eram exigidos mais dois anos de estudo para que os seus diplomados ascendessem ao ensino superior. Pela então chamada via liceal eram impostos 4 anos de ensino primário, 2 de ciclo preparatório e 5 anos de liceu num total de 11 anos de escolaridade. Em contrapartida, no ensino técnico havia que cumprir os mesmos anos de ensinos primário e de ciclo preparatório (6 anos), mais 5 anos de curso geral industrial ou comercial, acrescidos de 2 anos de curso complementar dos referidos cursos e dos 2 primeiros anos dos antigos Institutos Industriais e Comerciais (actuais Institutos Superiores de Engenharia e Contabilidade), o que perfazia um total de 13 anos que abriam, finalmente, os portões das escolas universitárias de Engenharia ou de Economia e Finanças.
Além de restaurar a dignidade do antigo ensino técnico parece-me igualmente importante a criação de uma espécie de sistema de vasos comunicantes que possa levar o aluno, se desinserido das suas verdadeiras capacidades, por decisões parentais ou de qualquer outra natureza, a transitar directamente para um ensino do tipo do antigo liceu a partir do nono ano de escolaridade.
A verdadeira gravidade do statu quo actual do nosso ensino reside, outrosim, em assistir-se, em nossos dias de autêntica manipulação de dados estatísticos de sucesso escolar, a uma caça despudorada a diplomas de licenciatura ou até de doutoramento obtidos em escolas d’aquém e além fronteiras de duvidosa qualidade, ou mesmo de duvidosa seriedade, que apenas servem para satisfazer o ego dos seus possuidores e atestar a respectiva ignorância, numa tentativa desesperada de continuar a manter bem vivos, em imagem pessoana, “cadáveres adiados que procriam”. Até quando?
quinta-feira, 23 de abril de 2009
"Em nome de uma falsa pedagogia"
Maria do Carmo Vieira é professora de Português do Ensino Secundário. Ouvindo-a ou lendo o que escreve, percebe-se, de imediato, ser uma daquelas pessoas que ama, no sentido filosófico clássico, a literatura e o ensino.
Sabemos, no entanto, que nem sempre este duplo amor, se é mesmo amor, traz paz a quem ama.. No caso, penso que não se pode dizer que Maria do Carmo Vieira viva em paz, pois sabe bem, tem nítida consciência, que as nossas crianças e jovens estão a ser privados da beleza dos textos literários e das possibilidades cognitivas, emocionais e morais que a sua abordagem didáctica abre. Sendo que esta verdade é ainda mais verdadeira para aqueles a quem a sorte não sorriu à nascença.
O que pensa sobre este assunto reuniu-o num belíssimo livro acabado de sair pela mão da Quimera, e a que deu o título: A arte mestra da vida: reflexões sobre a escola e o gosto da leitura. Nele dá conta bem documentada da eliminação dos programas escolares de alguns dos nossos melhores escritores, que deixaram, portanto, de constar nos manuais. Dá ainda conta de pseudo-estratégias pedagógicas “para os tornar interessantes” e “úteis aos alunos no seu quotidiano”, que mais não fazem do que lhe retirar a essência.
“Em nome de uma falsa pedagogia, há quem acuse a «dificuldade dos textos literários que são entregues às crianças» (inclui-se neste rol o poema As fadas de Antero de Quental) e defenda a sua eliminação, ou a sua simplificação em ridículas adaptações e sensibilizações para a leitura de… Sei por experiência, enquanto professora e também educadora, que as crianças podem não compreender o significado de muitas palavras que ouvem, mas sentem a sua beleza e a sua musicalidade, guardam-nas como mistérios ou, curiosas, questionam o seu significado. É assim que, numa diversidade de épocas e séculos, lhe podemos ler poemas de Eugénio de Andrade, Alberto Caeiro, Pessoa (ortónimo), Cesário Verde, Guerra Junqueiro, Antero de Quental ou Luís de Camões (…).
Também a escritora e professora Luísa Dacosta pode relatar um sem-número de experiências sobre a boa receptividade dos seus alunos dos 5.º e 6.º anos a autores portugueses a autores portugueses e estrangeiros, como o Padre António Vieira, Eça de Queiróz, Cecília Meireles, Raul Brandão, Graciliano Ramos, Saint-Exupéry, Hemingway. Infelizmente, continuamos, sob orientações institucionais, a menorizar os nossos alunos, a atrofiar as suas capacidades e a negar-lhes a cultura a que têm direito, tornando-os vítimas de um ensino que os coloca ignorantes e indefesos perante uma sociedade exigente e desumanizada. Esta atitude oficializada ofende a nobreza da pedagogia, em nome da qual se permitem as mudanças mais absurdas e atentatórias da inteligência e da sensibilidade dos professores e dos alunos de todos os níveis de ensino.”
Este trabalho de Maria do Carmo Vieira está longe, porém, de ser um trabalho desencantado é, antes, uma reflexão lúcida e acutilante que nos alerta para a necessidade de (re)pensarmos os caminhos que temos traçado para a educação, de modo que, como recorda na sua página pessoal, possamos dizer: “Amanhã tudo será melhor, eis a nossa esperança” (Voltaire).
Sabemos, no entanto, que nem sempre este duplo amor, se é mesmo amor, traz paz a quem ama.. No caso, penso que não se pode dizer que Maria do Carmo Vieira viva em paz, pois sabe bem, tem nítida consciência, que as nossas crianças e jovens estão a ser privados da beleza dos textos literários e das possibilidades cognitivas, emocionais e morais que a sua abordagem didáctica abre. Sendo que esta verdade é ainda mais verdadeira para aqueles a quem a sorte não sorriu à nascença.
O que pensa sobre este assunto reuniu-o num belíssimo livro acabado de sair pela mão da Quimera, e a que deu o título: A arte mestra da vida: reflexões sobre a escola e o gosto da leitura. Nele dá conta bem documentada da eliminação dos programas escolares de alguns dos nossos melhores escritores, que deixaram, portanto, de constar nos manuais. Dá ainda conta de pseudo-estratégias pedagógicas “para os tornar interessantes” e “úteis aos alunos no seu quotidiano”, que mais não fazem do que lhe retirar a essência.
“Em nome de uma falsa pedagogia, há quem acuse a «dificuldade dos textos literários que são entregues às crianças» (inclui-se neste rol o poema As fadas de Antero de Quental) e defenda a sua eliminação, ou a sua simplificação em ridículas adaptações e sensibilizações para a leitura de… Sei por experiência, enquanto professora e também educadora, que as crianças podem não compreender o significado de muitas palavras que ouvem, mas sentem a sua beleza e a sua musicalidade, guardam-nas como mistérios ou, curiosas, questionam o seu significado. É assim que, numa diversidade de épocas e séculos, lhe podemos ler poemas de Eugénio de Andrade, Alberto Caeiro, Pessoa (ortónimo), Cesário Verde, Guerra Junqueiro, Antero de Quental ou Luís de Camões (…).
Também a escritora e professora Luísa Dacosta pode relatar um sem-número de experiências sobre a boa receptividade dos seus alunos dos 5.º e 6.º anos a autores portugueses a autores portugueses e estrangeiros, como o Padre António Vieira, Eça de Queiróz, Cecília Meireles, Raul Brandão, Graciliano Ramos, Saint-Exupéry, Hemingway. Infelizmente, continuamos, sob orientações institucionais, a menorizar os nossos alunos, a atrofiar as suas capacidades e a negar-lhes a cultura a que têm direito, tornando-os vítimas de um ensino que os coloca ignorantes e indefesos perante uma sociedade exigente e desumanizada. Esta atitude oficializada ofende a nobreza da pedagogia, em nome da qual se permitem as mudanças mais absurdas e atentatórias da inteligência e da sensibilidade dos professores e dos alunos de todos os níveis de ensino.”
Este trabalho de Maria do Carmo Vieira está longe, porém, de ser um trabalho desencantado é, antes, uma reflexão lúcida e acutilante que nos alerta para a necessidade de (re)pensarmos os caminhos que temos traçado para a educação, de modo que, como recorda na sua página pessoal, possamos dizer: “Amanhã tudo será melhor, eis a nossa esperança” (Voltaire).
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