O "Poema para Galileu" de António Gedeão, lido por vários cientistas portugueses, encontra-se aqui. Uma excelente ideia e um excelente trabalho do jornalista do "Público" António Granado.
Vale a pena reler o texto do poema:
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileu! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios).
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria...
Eu sei... Eu sei...
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileu Galilei!
Olha. Sabes? Lá na Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileu,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar - que disparate, Galileu!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileu?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileu,
daquela cena em que tu estavas centado num escabelo
e tinhas à tua frente
um guiso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando um perigo
para a Humanidade
e para a civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscava os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma
Ai, Galileu!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andava a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilômetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileu Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso, estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto enacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão direta dos quadrados dos tempos.
Antônio Gedeão
terça-feira, 25 de novembro de 2008
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4 comentários:
"Aliás, quem leva Galileu à Inquisição, quem o denuncia, são os seus «colegas» de ofício. São eles que o denunciam. A provocação, o correr o risco e o ter sucesso sempre originou inveja. E era ideia prevalecente nos seus «colegas» da altura que não se podia conhecer a verdade utilizando lentes. Ora Galileu, pasmem, usava um telescópio para observar e descrever o Universo.»
em «Ontem, um Anjo disse-me», de Carvalho Rodrigues e Luis Ramos(pag 60)
A história de Copérnico e de Galileu é das páginas mais negras das várias páginas negras da ciência; mas a Ciência está hoje no papel de vencedora e como todos os vencedores reescreve a história a seu bel prazer.
Se não fosse a Inquisição
havê-lo qiestionado,
a sua reputação
em nada tinha ficado!
JCN
De todos os sentimentos
que o ser humano acalenta
nenhum deles apresenta
contornos mais peçonhentos
que o sentimento da inveja
em qualquer forma que seja!
JCN
Belíssimo e sensato poema apesar de meu suposto e ignorante gosto desta a tranqüila estima por outrem que pouso perceber através desta distante palavra o sentido lato da angústia daqueles dias a sufocar era ciência dos homens; outrora o representara poesia o afã o gosto desta natureza tão pura e distante.
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