terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Um argumento contra todos os argumentos

No postPorquê Deus, se Tenho Ciência?”, o Alfredo defende não ser possível provar que Deus existe nem que não existe. Contudo, o seu argumento não funciona. Vejamos porquê.

Trata-se de um argumento por reductio. Os argumentos por reductio têm a seguinte estrutura: aceita-se uma dada hipótese absurda H, dela deriva-se uma contradição ou uma impossibilidade, e concluímos então que H é falsa. Há uma diferença importante entre derivar uma contradição e derivar uma impossibilidade, mas não interessa para a nossa discussão. A hipótese absurda do Alfredo é que temos uma prova ou da existência ou da não existência de Deus. E daqui ele retira a consequência de que tal prova teria de usar uma linguagem humana, e que tal linguagem “se aplica apenas aos seres e fenómenos do universo espaciotemporal em que vivemos”.

Contudo, é falso que a nossa linguagem se aplique apenas aos seres e fenómenos do universo espaciotemporal em que vivemos. Afinal, podemos falar de números, por exemplo, que não são seres e fenómenos do universo espaciotemporal em que vivemos; podemos falar de universais, como a brancura, que os realistas quanto aos universais (como Platão ou Russell) defendem não serem seres e fenómenos do universo espaciotemporal em que vivemos; e podemos falar de meras possibilidades, como o filho que Salazar poderia ter tido mas não teve, que também não é um ser e fenómeno do universo espaciotemporal em que vivemos: é um ser meramente possível, que nunca existiu nem existirá, mas poderia ter existido.

Não se deve confundir a linguagem com que nos exprimimos com as realidades que exprimimos com a linguagem. Falamos da neve, em português, usando uma certa palavra, "neve", e esta palavra é apenas um conjunto de linhas num papel ou um conjunto de sons no tempo; mas tal palavra, que nada tem a ver com a neve, refere a neve. É essa a natureza da semântica: consiste em usar a linguagem para falar do mundo e seja qual for o mecanismo da referência, este não depende, em geral, de a linguagem ter a mesma natureza das coisas de que falamos. A palavra "neve" não é fria, nem branca, nem feita de H2O, mas refere a neve sem qualquer problema. Analogamente, do facto de o nosso pensamento estar localizado espaciotemporalmente nada se segue quanto à possibilidade ou não de pensarmos sobre coisas que não estão espaciotemporalmente localizadas. Pensar isso seria como pensar que para a palavra "neve" referir a neve, teria de ser branca e fria e feita de H2O.

Logo, o argumento é improcedente: baseia-se numa premissa falsa.

Quando um argumento não é sólido (quer por ser inválido quer por ter uma ou mais premissas falsas), isso não significa que a sua conclusão é falsa; significa apenas que tais premissas não justificam tal conclusão. Pode muito bem ser verdade que é impossível provar que existe Deus e que é impossível provar que não existe. Mas este argumento não justifica tal crença.

Na verdade, seria surpreendente que se conseguisse provar tal coisa em algumas linhas. Isso significaria que todos os filósofos que hoje e ao longo de séculos discutem seriamente argumentos a favor e contra a existência de Deus são algo tolos, pois não viram uma prova tão simples. Pior: significaria que tudo o que qualquer teólogo ou padre ou crente escreve e pensa e sente sobre Deus seria puro delírio, dado que a linguagem humana não poderia aplicar-se a tal ser.

Muitos filósofos crentes, tanto actuais como do passado, pensam que há bons argumentos a favor da existência de Deus. Filósofos como Tomás de Aquino, Leibniz, Descartes, Richard Swinburne, Alvin Plantinga, e tantos outros, do passado e do presente, elaboraram argumentos sofisticados a favor da existência de Deus, respondendo também aos argumentos contra a existência de Deus. E este é um aspecto central do debate em filosofia da religião.

Outros filósofos, contudo, defendem uma posição como a de Alfredo Dinis, como é o caso de Kierkegaard e de Pascal. Wittgenstein parece pensar algo na mesma linha. Há dois aspectos importantes quanto a esta posição, mas isso fica para outro post, que este já vai longo e a vida não é só blogs.

38 comentários:

Anónimo disse...

Desidério, você é o Maradona da filosofia. Este post está fantástico!

Anónimo disse...

Esta discussão anda em torno de quê afinal?

De comprovar ou negar a evidência do SER -- ou, como já alguém muito bem exprimiu em língua inglesa "Be-Ness"(tal como defendido pela Filosofia Budista, Vedanta, Taoísmo, entre outras)?

De tentar provar ou negar a existência de um Deus antropomórfico (tal como o idealizado pelo cristianismo literalista e muitas outras concepções religiosas ortodoxas)?

Os Vedantinos advaítas referem-se à Realidade Última como AQUILO (sendo imensamente mais humildes e sábios do que muitos pensadores ocidentais)...

Afinal, que "Deus" estão a falar ao longo destes comentários aos posts anteriores???

É que podem existir diferentes concepções e não uma única como parecem, por vezes, assumir alguns comentadores...!

E já agora Desidério, por curiosidade, o que tem a dizer a filosofia contemporânea sobre esta profunda questão? Ou persistem alguns em rodear as questões em cículos conceptuais porque perderam o fio condutor que guiava (ou ainda guia) todos os "amantes da sabedoria"...? Eu não acredito... acho talvez, podendo estar a errar e a ser injusto, que se têm concentrado ultimamente apenas em menoridades...

É que por vezes as "águas ficam tão turvas" que deixamos de ver o "objecto" da questão...!

Unknown disse...

Um post simplesmente fabuloso :)

A única coisa boa que os posts do Alfredo Dinis fizeram foi promover a escrita deste post.

Muito obrigado, Desidério. Por este post e por nos ajudar a pensar com mais clareza!

Unknown disse...

Quim:

Esse Be Ness não será mais do tipo Loch Ness?

Anónimo disse...

Caro Desidério,

O Alfredo Dinis falou-me sobre esse argumento: "Quando me refiro à incapacidade da linguagem humana em provar a existência de Deus, não quero dizer que não possamos levantar questões acerca de Deus, nem que não possamos dizer porque sentimos a sua necessidade na nossa vida. A linguagem poética, por exemplo, exprime tanto a beleza como o drama da existência humana, não para provar que há beleza e drama nessa existência. Os poetas questionam muitas vezes a insatisfação humana perante a experiência dos seus limites e finitude. Todas estas interrogações têm a ver também com a experiência religiosa. A abertura a Deus pode fazer-se através da consciência da finitude humana. Para alguns esta finitude é como um beco sem saída que aceitam sem lágrimas. Para outros não. Creio que há que respeitar as opções de cada um (...)A relação com Deus vai na linha do amor e não da superstição. Neste sentido, esta relação não se fundamenta em última análise na linguagem verbal, tal como acontece na experiência do amor humano (...)"

cumprimentos...

Anónimo disse...

Desiderio, deixe-me colocar a questao desta forma: existem exemplos de demonstracao, atraves da aplicaocao da razao pura e sem recorrer a resultados empiricos, da existencia seja do que for?

Fernando Dias disse...

Desidério Murcho,

Mas a neve em si mesma também não existe. A neve tal como dizemos que existe resulta do encontro de “algo” com outro “algo” que é o observador. Se for assim, as “coisas” só existem no plano fenomenológico, do qual não nos podemos descartar. Portanto temos sempre o mesmo problema, quer deitemos a linguagem fora, quer ignoremos o domínio fenomenológico. Temos sempre um problema de incoerência de domínios.

Anónimo disse...

Voçês são uns tristes! Disfarçam a vossa agenda anti-católica em nome de uma pretensa divulgação “científica” mas não passam de uns TRSITES E PATÉTICOS ateus!

E dobrem a língua quando falam de uma pessoa do gabarito do senhor padre e professor Alfredo Dinis. Um bocadinho de boa educação não fica mal a ninguém, nem a uns miseráveis ateus!

Anónimo disse...

"Um post simplesmente fabuloso :)

A única coisa boa que os posts do Alfredo Dinis fizeram foi promover a escrita deste post.

Muito obrigado, Desidério. Por este post e por nos ajudar a pensar com mais clareza!"

Aqui está o exemplo de um profundo pensamento crítico. Ainda por cima não entendeu nem um décimo do que o filósofo Desidério escreveu.

Anónimo disse...

Prof. Desidério

Já agora podia proporcionar ao povo simples (onde me incluo) alguns conhecimentos sobre filosofia da religião, colocando online os argumentos de Richard Swinburne, por exemplo, que considero de grande elegância, sobre a existência de Deus.

Desse modo, mostraria ter uma função pedagógica que todos aplaudiriam.

Quanto às críticas ao Prof. Alfredo Dinis, esperemos pela resposta que, na minha humilde opinião, não deveria ser remetida para as catacumbas do De Rerum Natura porque mereceria a dignidade de um post.

Quanto aos crentes mais exaltados, acalmem-se. Se o post do Prof. Desidério abala a fé de alguém então é porque a fé é fraca. Ninguém se converte ou desconverte com uma simples discussão filosófica (desculpe, Prof. Desidério, pela franqueza). Isto não é um jogo de futebol em que há vencedores ou vencidos.

Desidério Murcho disse...

Caros leitores

Obrigado a todos pelos simpáticos comentários.

Parente, tens toda a razão numa coisa importante: o debate sobre filosofia da religião é mal entendido precisamente porque as pessoas têm tendência para pensar que se trata de tentar converter as pessoas a uma dada religião ou, pelo contrário, tentar dissuadi-las de ser religiosas. Penso que é por isso que as pessoas se ofendem e são tão irracionais neste debate.

Só que o debate nada tem a ver com isso. Tem apenas a ver com a questão da justificação da crença religiosa. Mesmo que se prove que a crença religiosa tem plena justificação qualquer pessoa continuará a ter o direito de ser ateia; e o mesmo inversamente.

Este é um debate intelectual, não é, como dizes e bem, um jogo de futebol. Cada um sabe de si, se quer ser crente sem razões ou não, ou se quer ser ateu sem razões ou não. Tudo o que estamos a discutir são as próprias razões e não as opções de cada um.

Quanto ao Swinburne, aconselho toda a gente a ler o livro que publiquei dele aí em Portugal, na Gradiva: Será Que Deus Existe?

PS: Podemos tratar-nos por tu? :-)

afhahqh disse...

Olá, quero apenas dizer que não sabemos se existem abstracta (os números podem ser objectos mentais); que pode não existir a brancura; que pessoas possíveis são objectos concretos possíveis.

Cumprimentos,
Nuno Maltez.

Marco Oliveira disse...

RESULTADO FINAL:
Alfredo Dinis - 8
Desidério Murcho - 0

Anónimo disse...

Caros,
Vou meter mais uma dica, pelo menos para quem ainda não contactou com o livro do Swineburne. O livro que o Desidério menciona se para mais não servir, serve para nos mostrar que há bons e maus argumentos em favor da existência de deus e bons e maus a favor da não existência. Já agora aproveito para quem dá umas pinceladas com a língua inglesa, existem livrinhos muito simples e muito bons que nos introduzem ao debate, um pouco como o Desidério consegue fazer com os seus bem vindos posts. Um dos últimos que conheci é uma espécie de guia para quem quer discutir o problema, mas não quer estar a leste, sem qualquer informação, ainda que não a um nível muito especializado: é de Mel Thom Thompson e chama-se philosophy of religion, da colecção (tope-se o nome) Teach Yourself, uma espécie da velhinha Que sais je? francesa (acho que era assim o nome), mas muito mais actualizada. Pode ser que alguma editora portuguesa se interesse em traduzir este livrinho. Em breve no meu blog falarei deste útil livro. Em inglês é muito baratito, pelo menos no amazon. É uma edição de bolso tipo a nossa Europa America.
Abraço
Rolando Almeida

Anónimo disse...

Marco
aproveito para lhe dizer que a sua classificação é desonesta. Fê-la porque é crente e não porque sustente alguma argumentação racional. Esta minha observação decorre depois de ter espiado um dos seus blogs e ter observado que é precisamente o que fez com o livro de Sam Harris, que foi insultar o livro. Mas, Marco, para insultar não são necessários miolos e, ao que parece, pelo argumento de Alfredo Dinis, para acreditar em deus também não precisamos deles.
Até breve
Rolando Almeida

Anónimo disse...

Caro Desidério

Claro que nos podemos tratar por tu. :-)

Julgo que a maioria das pessoas não percebe que quando falas de religião pretendes colocar a questão no campo do debate filosófico e não na área da apologética do ateísmo.

Pouca gente sabe que foste o responsável pela tradução para português de um pequeno livrinho intitulado "Será que Deus existe?" de Richard Swinburne, um filósofo que acredita na existência de Deus e que justifica racionalmente a sua crença, e que o site Crítica na Rede tem uma colecção interessantissima de artigos sobre filosofia da religião com pontos de vista diversos.

Saberão os comentadores deste blogue que no Crítica na Rede existe um artigo de Jónatas Machado? E saberão que ao lado de Jónatas Machado estão teístas e ateístas como Keith Ward, Richard Dawkins, Swinburne e Ruse? E saberão que hoje no Crítica na Rede promoveste um livro sobre o pensamento filosófico de Santo Agostinho?

Não sei se muita gente entendeu que o ponto central do teu post é rebater o argumento de Alfredo Dinis - não é possível provar que Deus existe nem que não existe - afirmando que não funciona. Se este não funciona poderão existir outros que funcionem, nada é definitivo.

Penso que muita gente parou por aí e não leu mais adiante que é possível ter argumentos a favor ou contra a existência de Deus.

Muitos comentadores reagiram emocionalmente porque ou sentiram conforto no post pensando que o seu ateísmo estava justificado ou sentiram-se postos em causa nas suas convicções.

Nos debates intelectuais todos podem sair beneficiados. Quando toda a gente interiorizar isso as caixas de comentários dos blogues mudarão.

Desidério Murcho disse...

Palavras lúcidas, Parente. Nem mais.

Anónimo disse...

Realmente, Marco, isso faz lembrar os tempos da escola primária. Eu acho que é mais

Alfredo Dinis: Infinitos
Desidério Murcho: Infinitos vezes infinitos

alfredo dinis disse...

Caro Desidério,
Obrigado pelo teu texto. Parece-me que vale a pena continuar ainda um pouco o debate. Deus não é em geral concebido pelas religiões como um ser espaciotemporal, isto é, que existe no nosso universo ao lado de outros seres espaciotemporais. A linguagem humana só pode apresentar boas razões para a existência de seres espaciotemporais. Os 'objectos' matemáticos, os universais, etc., existem apenas no nosso mundo espaciotemporal. São entes de razão que têm uma existência mental. A actividade mental tem lugar no espaço e no tempo. Os entes matemáticos e os universais existem no nosso mundo, embora não do mesmo modo que os objectos materiais.
A tradição cristã inclui a chamada 'teologia negativa' que parte do pressuposto de que acerca de Deus só se pode dizer o que ele não é. Por outro lado, Tomás de Aquino não fala em demonstrações nem provas da existência de Deus, mas apenas de 'vias'. E ele mesmo estava convencido, como tantos outros autores cristãos, medievais, modernos e contemporâneos, de que apenas podemos 'balbuciar' palavras quando falamos de Deus.
Agradeço o teu texto, mas continuo a pensar que a proposição 'pode-se provar que Deus existe ou que não existe' esbarra com o absurdo de se querer apresentar razões acerca de Deus, um ser que não é espaciotemporal, com uma linguagem que se refere a seres espaciotemporais. Como disse, mesmo os entes universais existem no nosso universo.
Finalmente, se fosse possível demonstrar quer a existência, quer a não existência de Deus, por que razão nenhum ateu se converte com base num bom argumento que prove essa existência? Por que razão os crentes que abandonam uma crença não o fazem com base numa demonstração lógica da não existência de Deus? Se fosse possível provar quer a existência, quer a não existência de Deus, por que razão depois de dois mil anos de cristianismo, e de muitos mais de filosofia ocidental, a questão não foi ainda definitivamente esclarecida? Não faltam pessoas inteligentes de um lado e de outro. Não te parece que há aqui um enigma? Acreditas que alguém aderiu ao cristianismo com base nos argumentos de Tomás de Aquino, Leibniz, Descartes, Richard Swinburne, Alvin Plantinga? Eu não creio nisso.
E tu, meu caro Desidério, queres explicar-me em que argumentos válidos fundamentas o teu ateísmo? Obrigado.
Um abraço.

Frank disse...

Colegas,

não se pode confundir a questão sobre a possibilidade ou impossibilidade de dizer O QUE (ou QUEM) Deus é, caso ele exista (questão relacionada às teologias catafática, apofática e superlativa; questão relacionada aos supostos limites de expressividade) com a questão sobre a possibilidade ou impossibilidade de dizer SE Deus existe (que pode não depender de tais supostos limites de expressividade); por exemplo, a segunda questão é respondida positivamente nos capítulos iniciais do Proslogion de Santo Anselmo, enquanto que a primeira questão é respondida negativamente somente no Capítulo XV da referida obra.
Abraço.
Frank Thomas Sautter.

Desidério Murcho disse...

Caro Frank: obrigado pela importantíssima distinção, que eu aliás deveria ter feito no meu post.

Caro Alfredo: Os universais não são entidades mentais, se existirem; isso é uma posição filosófica entre outras. O realista sobre os universais não defende que são entidades mentais, mas antes entidades independentes da nossa mente e sem localização espaciotemporal.

E mais gritante ainda é os chamados possibilia, como o filho possível de Salazar, que certamente não tem localização espaciotemporal e contudo podemos falar dele (eu acabei de o fazer).

Estás a confundir o nosso pensamento acerca de números com os números em si, ou a pressupor sempre uma posição nominalista. Mas mesmo o nominalismo não é defendido com base na ideia de que a nossa linguagem não pode falar senão do que tem localização espaciotemporal. Olha, vou falar de coisas que não têm localização espaciotemporal: "há coisas que não têm localização espaciotemporal". Pronto. Acabei de o fazer. Tal como tu mesmo o fazes quando dizes que Deus é amor, quando tens emoções relativamente a Deus, etc. Esta parte da tua posição é insustentável, a meu ver, e é até incompatível com outras afirmações que fazes sobre Deus.

Mas é a segunda parte do teu comentário que é mais relevante; a isso eu responderei noutro post. Tem a ver com a tua ideia de que há limites da linguagem e da racionalidade, mas que são superados, pelo menos parcialmente, por coisas como o sentimento religioso, a poesia ou as artes.

Posso para já dizer três coisas.

Primeiro: uma prova pode existir, mas ser complexa e difícil, tornando-se assim inacessível à generalidade das pessoas. Na verdade, a maior parte das pessoas só aceita por autoridade que houve Big Bang, por exemplo, ou que a água é H2O. E não há qualquer problema com isso. Os filósofos crentes que pensam que há bons argumentos a favor de Deus sabem perfeitamente que a generalidade das pessoas não pode sequer compreender tais argumentos sem um estudo adequado. Uma razão ou prova para X não é aceitável apenas se for causalmente responsável pela crença das pessoas que acreditam em X. Isto é absurdo. As pessoas acreditam nas coisas pelos mais diversos motivos, muitos deles maus; não é isso que estamos a discutir. Estamos a discutir as razões e não os motivos.

Segundo: do facto de ser possível provar X não se segue que as pessoas estejam dispostas a aceitar tal prova; diabo, é possível provar que as homeopatetices são homeopatetices, mas nem os homeopatas vão aceitar tais provas nem os seus seguidores. A capacidade humana para a duplicidade mental não é desprezível.

Terceiro: quase todo o argumento a favor da impossibilidade de provar algo baseado no insucesso de prova até ao momento é falacioso. Mesmo que seja verdade que até hoje ninguém provou que X é verdade, não se segue nem que é impossível provar tal coisa nem que não vamos conseguir provar tal coisa amanhã.

Eu compreendo, ou penso compreender, as raízes da tua posição. Mas é bom deixar claro duas coisas.

Primeiro, que não concordo com ela: penso que se pode ser crente sem aceitar essa coisa da inefabilidade, e muitos filósofos são crentes e não aceitam isso. Mas é claro que sei que a generalidade dos crentes são crentes sem terem razões boas a favor da sua crença, mas isso é irrelevante. Não é isso que se discute em filosofia da religião. Isso é uma discussão para a psicologia da religião.

Segundo, e mais importante, as pessoas devem ter conhecimento de que as tuas posições são... sui generis. Muitos filósofos crentes escrevem livros sobre a natureza de Deus, os seus atributos, e estão convencidos de que há argumentos poderosos a favor da sua existência. Outra coisa diferente, mais moderada, é defender que ALGUNS atributos de Deus são ininteligíveis para nós.

Zurk disse...

É interessante o reconhecimento do Prof. Alfredo Dinis, de que só mesmo as elites das elites Teológicas, estão em condições de enquadrar devidamente a questão do espaço que deve ocupar a religião e a ciência.
Mas o que me parece é que a história foi desmentindo aquilo que eram boas explicações religiosas (e simultaneamente científicas, à luz do conhecimento da época) para a realidade. Ao longo dos séculos foram-se sucessivamente subtraindo argumentos. Percebemos que a Terra não era o centro do Universo; percebemos que girávamos à volta do sol assim como os restantes plantes; percebemos que o nosso sol estava num cantinho recôndito e irrelevante da via Láctea sendo nela uma estrela média, das cerca de 400 mil milhões; percebemos que a nossa galáxia era insignificante em milhares de milhões de outras galáxias; sabemos também que o ser humano existe há uma ínfima parte dos 4,5 mil milhões de anos de existência da Terra e sabemos que temos algum material genético comum ao de uma amiba. Tudo isto reduz a nossa centralidade e devia anular a nossa presunção e arrogância de querermos ter um Deus pessoal. Mas a verdade é que há aqui uma atitude completamente incompreensível. É como se fossemos retirando sucessivamente os argumentos e quando se esperava que a conclusão fosse uma e óbvia, afinal fica tudo na mesma. Ao menos quando se evoca o dogma, quando se defende a fé e a revelação como mistério, há uma construção em cima de premissas que pode ser erradas mas que encerram alguma complexidade que lhe dá coerência.

Se até as próprias escrituras sagradas são reconhecidas como metafóricas (pelos menos pelos tais teólogos mais informados), o que pergunto é porque é que continuam a falar do Adão e Eva, do Dilúvio e outros episódios metafóricos, como fossem a realidade. Numa aula de catequese é o que acontece e nunca ouvi uma alta hierarquia da igreja dizer para não se ensinar como se fosse verdade.

Onde estão então os argumentos?

Anónimo disse...

Caro Desidério,

1 - o seu argumento está errado porque os exemplos que dá de seres que nao existem são pensados no espaço e no tempo: o filho que Salazar nao teve foi pensado no espaço e no tempo; as fadas, os duendes que nao existem também são pensados no espaço e no tempo. Por aqui a sua argumentação começou manifestamente mal.

A questão dos números é mais complexa, mas também não se compara à transcendência de Deus, porque nós abarcamos tudo o que o número é e abstraimos os números a partir de realidades no espaço e no tempo, com Deus não acontece isso. Assim, o seu argumento cai pela base.

2 - Por outro lado, esteve bem ao dizer que «pode muito bem ser verdade que é impossível provar que existe Deus e que é impossível provar que não existe. Mas este argumento não justifica tal crença». Da mesma forma que não justifica a crença que Deus não existe, trata-se portanto de uma forma de encarar a vida e a existência.

Parece-me que esteve mal ao dizer que «Filósofos como Tomás de Aquino, Leibniz, Descartes, Richard Swinburne, Alvin Plantinga, e tantos outros, do passado e do presente, elaboraram argumentos sofisticados a favor da existência de Deus». Parece mal pelo seguinte: por estes argumentos de vários filósofos tudo no mesmo saco, é falta de objectividade que fica mal a qualquer professor universitário. Para além disso, quando fala por exemplo em São Tomás, tem de compreender qual é o conceito dele de prova e argumento (estamos no século XII) e para quem ele escreveu esses argumentos, quais eram os seus objectivos.

Agradeço o nível que procurou manter, lamentando os comentários de baixo nível que persistem neste blog.
cordiais saudações

alfredo dinis disse...

Caro Desidério, não posso deixar de pensar que seja o que for que digamos ou pensemos só existe e tem sentido no universo espaciotemporal em que vivemos. Não posso aceitar que os universais não sejam apenas entidades mentais e que todo o conteúdo mental, qualquer que seja a filosofia da mente que adoptemos, é um produto cerebral. Não estou a identificar ontologia com psicologia e com actividade neuronal. Quando falamos de pessoas, não as podemos reduzir ao cérebro, um erro comum entre muitos neurocientistas, sendo António Damásio uma honrosa excepção. Considera as leis da física, que têm em geral uma estrutura matemática. Para algumas pessoas essas leis existem em si mesmas e, por isso, há leis que ainda não foram descobertas mas que já existem algures, estão só à espera de serem descobertas. Mas isso não é evidente, e muitos cientistas e filósofos da ciência não o aceitam. E não são apenas os nominalistas. O universo de Newton em que o espaço e o tempo eram absolutos não existia antes de ele o descobrir. De facto, nunca existiu. O facto de ainda hoje alguém poder continuar a falar de um universo que não existe e nunca existiu não dá ao seu discurso nem a esse universo nenhum interesse especial. É irrelevante.
Por outro lado, os argumentos válidos convencem, pelo menos algumas pessoas. Considera o célebre silogismo: “Todo o ser humano é mortal, Sócrates é um ser humano, logo Sócrates é mortal.” Eu posso não saber quem é Sócrates, e nem acreditar na sua existência, mas não posso recusar o silogismo. Isso seria de facto irracional. Mas é precisamente uma tal prova que eu digo que não existe. Se existisse, todos nós, para sermos racionais, teríamos que a aceitar, mesmo que não nos comprometêssemos existencialmente com o seu conteúdo. Mas isso não se dá com qualquer pretensa prova da existência de Deus. Não estou aqui a confundir os dois planos que referes no teu post: o da racionalidade da prova e o da adesão da fé ao conteúdo da prova. Mas de facto, as pessoas que porventura consideram que há provas da existência de Deus e aceitam alguma delas, já eram crentes antes de aceitarem a racionalidade dessas provas. Neste sentido, racionalidade e crença dificilmente se separam. Conheces alguma excepção? Foi o que aconteceu, por exemplo, com Santo Anselmo. Ele não se converteu em virtude do argumento ontológico que elaborou. Além disso, se o argumento ontológico fosse uma das provas da existência de Deus que se pudessem exprimir em argumentos válidos, então todas as pessoas que quisessem ser racionais teriam que as aceitar. Mas isso não acontece. E não acontece, não por falta de engenho humano, mas porque seria uma contradição pretender ‘dizer Deus’ do mesmo modo que se diz tudo, e apenas, ‘o que não é Deus’. É verdade que os filósofos e teólogos cristãos recorrem ao conceito de ‘analogia’ para falarem de Deus recorrendo a uma linguagem que não se aplica directamente a Deus mas apenas analogicamente. Mas todos afirmam igualmente que quanto maior é o nosso conhecimento de Deus por analogia maior é a nossa ignorância acerca dele.
Com muita estima.

Anónimo disse...

Desiderio, faco esta pergunta para tentar entender algo desta discussao.

Quais sao os criterios que uma demonstracao de existencia deve obedecer?

1) Sao os mesmos que se aplicam na matematica - e.g. a demonstracao de existencia de uma solucao para uma equacao? Uma demonstracao a partir dos axiomas? (se assim e', nao se obtem uma regressao infinita devido 'a necessidade de validar os axiomas? por que partir de tais axiomas, e nao de outros?)


2) A razao pura descrita em 1) e' suficiente? Ou e' tambem necessario satisfazer um criterio empirico para validar as conclusoes e/ou os axiomas?

alfredo dinis disse...

Caro João, obrigado pelo seu comentário, que levanta três questões que considero realmente importantes:
1- Se o progresso científico tem vindo a desfazer muitas das concepções científicas associadas à religião, pelo menos ao cristianismo, por que motivo existem ainda crentes? A célebre frase atribuída ao cardeal Barónio, contemporâneo de Galileu: ‘A Bíblia não nos diz como é o céu, mas como se vai para o céu’ é, apesar da sua ingenuidade, uma boa resposta. De facto, o que o progresso científico tem eliminado são concepções científicas que no passado se pensou, de modo errado, estarem necessariamente associadas ao cristianismo. Ao eliminar essas concepções, o progresso científico tem estado a contribuir para a clarificação do que é o cristianismo.
2- Isso significa que não tem ficado tudo na mesma. Como afirmei no meu recente post, é graças ao progresso científico que os cristãos não continuam a acreditar que o céu está por detrás das estrelas, ou que o inferno está no centro da Terra, ou que o movimento dos corpos celestes é causado por um exército de anjos. Estas crenças foram abandonadas a partir do século XVII graças aos progressos em astronomia. O mesmo acontece com o contributo do evolucionismo. Hoje, não é possível continuar a acreditar que os seres vivos foram criados instantaneamente, ou que existiram Adão e Eva como seres individuais, de natureza imortal, que cometeram o pecado original comendo um fruto de uma árvore realmente existente no paraíso entendido como um local realmente existente no início do mundo. O evolucionismo não deixou tudo na mesma. Hoje a narração dos três primeiros capítulos do Génesis é interpretada de forma metafórica e moral, o que não lhe retira importância, antes lhe dá um sentido que estava antes oculto pela interpretação literal.
3- Por que razão se continua então a falar na catequese, e talvez em algumas homilias, de Adão e Eva como se eles realmente tivessem sido criados individual e instantaneamente? A resposta é simples: estas mudanças com as quais o progresso científico contribui para que o cristianismo se redefina cada vez mais naquilo que lhe é específico, só lentamente vão chegando aos cristãos. Creio que há aqui muita mudança a ser efectuada, quanto mais depressa melhor. Eu próprio publiquei no JN do dia 9 deste mês um artigo sobre esta e outras questões, no seguimento da famosa e recente mensagem do Papa aos Bispos portugueses. Estou presentemente a considerar os meios adequados com o objectivo de contribuir para não deixar esquecer este desafio.
Cordiais saudações.

Marco Oliveira disse...

Rolando Almeida,

Insultei o livro de Sam Harris?
O livro tem algumas ideias válidas, mas está cheio de contradições e slogans anti-religiosos perfeitamente primários. Questiono tudo isso!
Insultar significa apontar contradições? Insultar significa questionar as ideias?
Se eu insultei o livro do SH então o New Humanist e a Free Inquiry rogaram-lhe pragas!

Já agora: também critiquei um livro do Cardeal Ratzinger (e nesse livro eram raras as coisas com que podia concordar) e nunca nenhum católico ficou ofendido dizendo que eu tinha insultado o livro. Enfim... atitudes de beato há em toda a parte. Até entre ateus!

Desidério Murcho disse...

Olá, Alfredo

Continuo a pensar que estás pura e simplesmente a confundir o pensamento em si com o objecto do pensamento. O meu pensamento sobre o filho que Salazar nunca teve ocorre no tempo e no espaço, mas o filho que o Salazar nunca teve não está no tempo nem no espaço. É um mero possibilia, algo que poderia ter existido mas não existe. Ou estou a compreender-te mal?

Além disso, como tu próprio admites, não temos de ser fisicalistas acerca da mente; não temos de reduzir a mente ao cérebro. Ora, só se fores fisicalista é que um pensamento ou qualquer outra actividade mental é pura e simplesmente uma ocorrência cerebral, localizada no tempo e no espaço. Se defenderes que temos uma alma, criada directamente por Deus, por exemplo, essa alma será o locus do pensamento e não o cérebro. E por isso o pensamento poderá não ter localização física.

Quanto ao argumento válido que apresentas, estás a fazer duas confusões.

Primeiro, não se pode comparar um argumento simples e directo com uma argumenação sofisticada. Desde que tenhas uma argumentação sofisticada, como é o caso da prova de que a homeopatia é uma tolice, as pessoas pura e simplesmente não se deixam convencer se não o quiserem.

Segundo, o argumento que apresentas como exemplo não convenceria ninguém que não aceitasse previamente a conclusão! Estás a confundir a mera validade argumentativa com a cogência. Para um argumento ser cogente não basta ser válido nem basta ter premissas verdadeiras; é preciso ter premissas mais plausíveis do que a conclusão. Se não houvesse argumentos cogentes, ninguém poderia persuadir-se do que quer que fosse por via argumentativa sem primeiro aceitar a conclusão.

Finalmente, é irrelevante se Anselmo ou Tomás ou Swinburne ou Plantinga já acreditavam em Deus antes de apresentarem os seus argumentos a favor da existência de Deus. Isto é uma confusão entre psicologia e justificação. Nós já acreditávamos antes de Newton que todos os objectos caem. O objecto do trabalho crítico é analisar as nossas crenças; tanto podemos descobrir que há boas razões para elas (a queda dos objectos) como podemos descobrir que há melhores razões contra elas (que a Terra está imóvel).

Ou compreendi mal o que queres dizer? Eu compreendo que, psicologicamente, pessoalmente, uma pessoa possa estar-se nas tintas para a justificação das suas crenças. Claro. A maior parte das pessoas está-se nas tintas para saber que razões há realmente para pensar que a água é H2O. Mas daqui nada se segue quanto à relevância ou irrelevância da justificação. E o trabalho filosófico e científico é em grande parte um trabalho de procura de justificações ou razões para as nossas crenças. Quem não se interessa por tal coisa tem o direito de não se interessar por tal coisa, mas daí não se segue que esse trabalho seja irrelevante ou redutor ou seja o que for.

Anónimo disse...

Caro Alfredo Dinis

Neste momento não tenho conhecimentos de filosofia que me permitam avaliar se os seus argumentos são mais ou menos consistentes do que os do Desidério.

Isso não invalida que partilhe consigo a fé em Deus e me reconheça em muitas coisas que escreveu. Estou convencido que mesmo entre os católicos existirão alguns que partilharão do seu argumento e outros defenderão que é possível provar a existência de Deus.

O que muitos crentes não percebem é que a fé extravasa a filosofia. Se assim não fosse, de cada vez que líamos um livro e achássemos que os argumentos do autor eram superiores aos nossos mudávamos de religião ou balançávamos entre o teísmo e o ateísmo. Não me parece que faça muito sentido.

As dimensões da fé não se esgotam na discussão filosófica até porque muitos crentes não se interessam por filosofia nem a consideram importante para a justificação das suas convicções. Seria importante que noutra tribuna explicasse isto aos crentes, se é que concorda com o meu ponto de vista.

afhahqh disse...

Olá, é só para dizer que não sabemos se existem possibilia. Como sabemos que não é tudo necessário? Não sabemos.

Cumprimentos,
Nuno Maltez

perspectiva disse...

As notícias recentes, no site da Genome Research, sobre novas funcionalidades do suposto "junk-DNA" sugerem que a quantidade de informação e meta-informação contida no DNA é muito maior do que se pensava, e que o alegado "junk-DNA não, como até há pouco de pensava, é cemitério de restos e vestígios da evolução.

Tudo isso só corrobora a ideia criacionista de que foi Deus que criou o DNA de forma instantânea e sobrenatural, e não o acaso ao longo de milhões de anos.

De que outro modo poderia ter surgido toda essa informação altamente complexa e especificada?

Esta realidade leva-nos a relativizar substancialmente os argumentos filosóficos contra a existência de Deus.

É que não se consegue imaginar sequer um processo naturalista de criação de informação codificada e precisa e eficazmente armazenada num suporte extremamente miniaturizado, dotado de um sustema de "correção automática" que permite a auto-reparação.

E o mais incrível é que o sistema de correcção do DNA só funciona porque foi previamente codificado em DNA, sendo que este não consegue subsistir sem um sistema de correcção.

Tudo isto, como disse, testemunha a favor de uma criação sobrenatural e instantânea, por um Deus omnisciente e omnipotente.

Já a queda e a corrupção da natureza explicam bem o fenómeno das mutações e da entropia genética.

Anónimo disse...

Recado para a rita:
a rita i rita.

Paulo Sustelo disse...

Caro Alfredo Dinis,
Acompanhei todo este debate com bastante interesse e, também algum, pesar pelos ataques pessoais desferidos quer de uma parte quer de outra.
Sou um modesto físico (agnóstico por opção, não por razão) com parcos conhecimentos de filosofia da religião, razão pela qual me abstive de comentar até ao momento.
Não posso, no entanto, deixar passar em branco este seu ultimo comentário.
Quando refere entre outros que:

“é graças ao progresso científico que os cristãos não continuam a acreditar que o céu está por detrás das estrelas, ou...” e mais adiante “Estas crenças foram abandonadas a partir do século XVII graças aos progressos em astronomia. O mesmo acontece com o contributo do evolucionismo. ...”

está a pôr em evidencia a incapacidade que a religião católica tem manifestado ao longo dos séculos, de evoluir e se rever “per si”. A imagem que fica (e que eu partilho ferozmente) é a de uma construção arcaica, estática e puramente reactiva, obrigada, perante os empurrões da evolução cientifica, a se retractar e procurar constantemente refúgio em novas e cada vez mais rebuscadas metáforas para, em desespero de causa, tentar dar sentido ao que já foi mais que remendado. É, na minha opinião, uma posição por demais subalterna ser a ciência a ditar o enquadramento dos dogmas religiosos.

Por isso Sr. Padre, à questão: Porquê Deus, se tenho a ciência?, gostaria de contrapor com outra questão: para quê a Igreja se tenho a ciência? É que, pelo que afirma, tem sido a ciência o principal actor na definição da moldura, das crenças, do cristianismo e, através de sucessivas subtrações, do lugar de Deus.

Cordiais cumprimentos.

alfredo dinis disse...

Caro Paulo, obrigado pelo seu comentário. Se considerarmos que o geocentrismo era objectivamente parte integrante da fé no Deus dos cristãos, então o heliocentrismo representou um retrocesso para essa fé. Mas o geocentrismo não faz parte da fé, embora até ao século XVII se pensasse que sim. Neste sentido, não creio que tenha havido retrocesso do cristianismo mas sim, muito pelo contrário, um passo em frente. O mesmo se passa com a interpretação literal do Génesis, que até ao século XIX parecia fundamental para o cristianismo. De facto compreendemos hoje que não é. Não considero isto um retrocesso. O cristianismo tem progredido na sua auto-compreensão, perdendo apenas aquilo que de facto não lhe ‘pertencia’. Não é o progresso científico que determina o conteúdo das crenças religiosas, mas ele elimina o conteúdo das crenças que se supunha serem religiosas.
Algo semelhante se passa com a ciência. O geocentrismo não foi defendido durante séculos apenas pelos cristãos, mas por pessoas que simplesmente se dedicavam a estudar os fenómenos naturais. Depois foi substituído pelo heliocentrismo. Não houve aqui nenhum retrocesso de que a ciência tenha que se envergonhar. Hoje o heliocentrismo não é uma teoria sobre a estrutura dos cosmos. Foi abandonado em favor de outras teorias. Mas isto constitui um passo em frente. O flogisto foi abandonado, o que foi outro passo em frente. Algo de semelhante se passa com o cristianismo.
A afirmação de que a Igreja é ‘construção arcaica, estática e puramente reactiva’ é certamente simplificadora da realidade. Será que os cristãos – A Igreja! – nunca estiveram nem estão na linha da frente, na inovação, no risco? Talvez a ideia de Igreja que refere seja demasiado ocidental e europeia. Nos países mais pobres os cristãos têm trabalhado no duro, encontrando soluções para os problemas de desenvolvimento local, têm dado a vida pela justiça em alguns países, têm contestado Governos e sistemas económicos injustos. Isto desde há séculos, embora muitos destes factos não sejam conhecidos do grande público, porque a publicidade não é nem o nosso forte, nem o nosso ideal. Que haja em muitos sectores e pessoas a tendência para o imobilismo na Igreja Católica, é verdade. Mas isso aplica-se muitas instituições humanas que tendem para a estabilidade e aceitam mal a mudança. Algum imobilismo da Igreja Católica não lhe vem do facto de ser uma instituição religiosa, mas do facto de ser uma instituição humana.
Saudações.

Anónimo disse...

Caro Alfredo,
desculpe mas tanta miopía arrepia!!!

O Alfredo diz que o "cristianismo tem progredido na sua auto-compreensão, perdendo apenas aquilo que de facto não lhe ‘pertencia’".

O cristianismo regrediu sim, e muito! O cristianismo regrediu, o cristianismo perdeu a ligação que teve, nos primeiros séculos, com as fontes inspiradoras do platonismo, das tradições egípcias, do pitagorismo, das suas linhas gnósticas e cabalistas, das influencias budistas, etc...! O criastianismo literalista venceu a disputa que manteve com o cristianismo místico e as suas origens Pagãs (por mais que isto doa e seja tido como heresia pelas cúpulas do Vaticano).

Não Alfredo, não tente justificar o injustificável, retorcendo-se em argumentações vãs... o cristianismo regrediu e muito! Foi o cristianismo literalista que "varreu" da mente dos homens o heliocentrismo que era doutrina aceite desde, pelo menos, Aristarco de Samos!!! Não falsifiquemos mais a história Alfredo! Nunca, nunca, nunca, foi regra dos primitivos místicos cristãos (se é que os podemos assim chamar) a leitura e a interpretação literal dos textos bíblicos(um grande conjunto dos quais é constituido por com falsificações e interpolações criminosas... para que se saiba).

A "luz" não chegou agora ao Cristianismo, a "luz da verdade" e o ideal do Mestre à muito que se apagou no seu seio, apesar de ter continuado a brilhar em muitos e muitos individuos ao longo dos séculos.

Não Alfredo, por mais que tente justificar o injustificável, o cristianismo regrediu e muito, ao ponto de, felizmente, o desenvolvimento da Ciência ter dado uma "machadada" nas incongruências, nas mistificações, nas falsificações, nas posições de fanatismo, nas deturpações grosseiras do património da Filosofia Mística que percorria os corações e mentes dos homens esclarecidos ao longo dos últimos séculos.

E ainda mais... não fora o cristianismo literalista ter ganho a contenda e hoje seria tarefa fácil compatibilizar a Ciência com os Postulados do Cristianismo (em muitos aspectos), assim como estaria hoje o Cristianismo empenhado, não em justificar o injustificável (condenações eternas, um Deus antropomórfico, ciumento e vingativo, um Deus criador do mundo à 6000 anos, etc.,etc.)mas, dizia eu, estaria agora o Cristianismo empenhado em lutar com toda a força da razão, da lógica e da sabedoria contra a onda avassaladora do Materialismo Cientifico com alguns dos seus pressupostos e especulações elavados a teorias comprovadas.

De facto, por muito que lhe custe, a Igreja Católica (entendamo-nos, porque é Católica, mas não "A Igreja", como se fosse a única) é, sim, ‘construção arcaica, estática e puramente reactiva’... Não se esconda as evidências. Não fora isso e o Sumo-Pontifice (já agora, cópia do Hierofante dos Mistérios pagãos, que a Igreja deligentemente varreu da memória dos "crentes") não estaria empenhado em falar aos católicos sobre o Amor e a incendiar os ânimos de outras congregações religiosas e outros crentes com argumentos de índole ortodoxa/fanática!

O Alfredo pergunta a certa altura "Será que os cristãos – A Igreja! – nunca estiveram nem estão na linha da frente, na inovação, no risco?" Eu respondo Alfredo: estiveram, principalmente muitos daqueles que foram condenados À FOGUEIRA!!! Veja-se, apenas um único exemplo para não nos alongarmos: GIORDANO BRUNO! Um cristão, inovador, sem receios, destemido, preocupado unicamente com a VERDADE! Defendeu portulados totalmente revolucionários e de acordo com muitas das descobertas cientificas actuais...! Àh, ou ainda, as teses de Origénes, fanáticamente rebatidas e apagadas da história por um conjunto de bispos ignorantes e ávidos de poder...!

Receio Alfredo que a Cosmogénese e a Antropogénese do actual Cristianismo seja de uma infantilidade constrangedora. Por isso é preciso autênticos números de "contorcionismo" retórico para justificar o que qualquer pessoa com conhecimento e bom-senso pode deitar por terra.

Para que os senhores comentadores saibam, porque não têm obrigação de saber, a Antropogénese e a Cosmogénese das filosofias religiosas que influenciaram o cristianismo primitivo anteciparam em muito algumas descobertas cientificas, mas em muitos outros pontos estão totalmente em desacordo. É facilmente verificável, por exemplo, para quem quiser investigar e estudar escrituras hindus com cerca de 5000 anos enunciam o sistema heliocêntrico, ou que nos escritos de Platão o mesmo conhecimento é enunciado ainda que de forma um tanto ou quanto velada.

Perguntem ao Alfredo quais as razões que levaram "A Igreja" a ocultar, a deturpar, a desfigurar, durante cerca de 1500 anos, muito do conhecimento/sabedoria que estava na posse dos primeiros padres cristão? Talvez ele na sua formação académica tenha investigado tudo isto, a não ser que tenha sido alvo de uma "lavagem cerebral" por parte dos zelosos intrutores vassalos do Papado...

E já agora, eu sei que é pedir muito e que talvez não seja este o local indicado, mas não resisto, explique aos participantes deste blog e, já agora, aos seus leitores, numa altura que tenha oportunidade, porque é que, de acordo com a Teologia Cristã, eu, por "más" acções efectuadas nesta vida (em uma vida, finita) teria de padecer "para sempre" num suposto Inferno (a maior das aberrações da lógica, uma causa finita gerar um efeito infinito...) Como é que o Absoluto e o Infinito pode "criar" alguma coisa? E, pasmesse, como esse (suposto Deus Absoluto) está "ausente" da (sua) criação/manifestação (ou seja, quer dizer que se afirma que o Deus Cristão criou algo a partir do nada - e não de si próprio)? E ainda, como o Infinito se relativiza num índividuo? E o que aconteceu aos milhões de pessoas que viveram antes do aparecimento do Salvador Cristão, com poderam ser salvos? São tantas as dúvidas que me assaltam...

Não quero entrar aqui em minúcias teológicas, mas fique descansado Alfredo porque é possível que o Géneses (como eu desconfio que saiba) seja muito mais do que parece, quando lido com "outros olhos"... como São Paulo advertiu, ler não a letra que mata mas o espírito que vivifica... e para isso talvez seja necessário o Cristianismo ajustar contas com o passado e "mergulhar" novamente à procura daquela(s) fonte(s) inspiradora(s) que o podem levar de novo a reconhecer a Sabedoria Prístina que é o troco comum de todas as religiões e filosofias. Ai, num futuro fórum de discussão, poderá então argumentar de forma mais descomprometida, lógica e firme!

P.S. - Vou fazer um favor à Rita. "Be-ness" em português pode ser traduzido por Seidade! Mas não vale a pena ir por aí... sei que não se preocupa com essas questões da existência como já referiu algures por aqui, nem mesmo que seja apenas por pura especulação. Mas se não se preocupa, não seja indelicada. Argumente se tiver de ser, respeito qulquer posição que assuma, mas indelicadezas infantis é algo que se dispensa num debate que se pretende sério...

Paulo Sustelo disse...

Porque este post já vai longo vou só acrescentar o “CARTOON” que gostaria de ter colocado no meu comentário anterior.

*****Três génios conversando *****

A. E.: - ... Não N. B. não é possível; Deus não joga aos dados!

N. B.: - A. E., pare de dizer o que deus pode ou não fazer !

S. H.: - Meus caros Deus não só joga aos dados como também os esconde !


*********************************

Dá que pensar não!

Anónimo disse...

Caro Quim,

A tua narrativa eloquente é demagógica, mas sobretudo fraca, tendo em vista que procuras utilizar um estilo que apela à emoção, é desde já muito fraca.

Além disso é natural que uses esse estilo, porque o conteúdo ainda é mais fraco: Giordano Bruno estava preocupado com a Verdade dizes tu e acredito que seja verdade, até porque essa preocupação não interessa para nada. Recentemente saiu o livro «Tratado da magia» de Giordano Bruno (Lisboa : Tinta da China, 2007) onde vemos a superstição deste autor, excomungado pela Igreja Católica, Luterana e Calvinista.

De resto, a Inquisição é um tema que não se analisa, seriamente, em meia dúzia de linhas (apesar de ser mau queimar pessoas, a verdade é que muitas das heresias condenadas eram contra o progresso cientifico, a começar pelas bruxas)

Em todo o caso, este é um desvio à discussão do tema, que estás constantemente a fazer nos teus comentários.

Anónimo disse...

Caro And…

Obrigado pela sua crítica! Claro que não lhe vou perguntar se alguma vez TENTOU compreender o “Tratado de Magia” de Giordano Bruno. Desconfio que não. Afinal a edição portuguesa saiu apenas este ano e ainda não deve ter tido tempo…! Ou então está lá aquela palavra que resume tudo: “Magia” (heresia das heresias)! E o que por lá está escrito (supostamente) por Girdano é simplesmente ridículo...!

Não deixa de ser curioso o seguinte: quando um notável pensador como Giordano Bruno destemidamente defendeu a existência de “mundos infinitos”, ou seja, que a Terra não era (é) o único mundo nem sequer “O Privilegiado” pelo Divino -- algo bastante “arrojado” e “perigoso” para a mentalidade da época – então, esse pensador é tido como um sábio, mártir da verdade e da ciência; quando o mesmo pensador escreve (supostamente) um “tratado de magia”, então é um ignorante, supersticioso, etc..., e rapidamente passa a proscrito.

Parece-me, por exemplo, que é o mesmo que fazem com Newton: considerado por todos um dos maiores vultos da ciência… mas, quando se descobre o seu profundo interesse por Alquimia (heresia das heresias) então isso já é uma faceta que revela o seu lado de profunda crendice e ignorância…!

Ou outro exemplo (e espero não estar a ser emocional e demagógico): Pitágoras é tido como o (ou um dos) Pai(s) da Matemática, homem com uma imensa sabedoria – apesar de nos bancos das escolas apenas se aprender o “seu” Teorema, quando, por exemplo, e segundo o que nos diz Diógenes Laertius, Pitágoras ter sido o primeiro que chamou redonda à Terra!!!; mas, não é que o “sacana” também se interessava por Magia, falava sobre Reencarnação e essa “trapanhada toda…!!! Lá está outra vez aquela “ignorância” e “crendice” ao lado de tanta sabedoria!!!

E o que quero eu dizer com isto? Quero dizer que qualquer pessoa de mente aberta, espírito crítico e com um saudável cepticismo deve ponderar os factos e tentar saber mais… Ops! Lá estou eu a desviar-me do assunto, nem sei para que estou a falar destes exemplos quando não têm nada haver com a questão inicial…! Ou terão?

E depois de o And me dizer que “a Inquisição é um tema que não se analisa, seriamente, em meia dúzia de linhas”, remata com a extraordinária afirmação: “a verdade é que muitas das heresias condenadas eram contra o progresso cientifico, a começar pelas bruxas”.

OK! Estamos entendidos! Enfim… parece que a demagogia e a emoção exacerbada não são apenas características minhas!

Já agora And, é o moderador deste Blog???

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...