sexta-feira, 9 de novembro de 2007
O JUIZ DECIDE
Trancrevo minha crónica do "Público" de hoje. Onde eu tinha escrito que a Câmara aprovou uma "postura" (regulamento) de trânsito um editor do jornal colocou "atitude". O "Público" errou...
Quando o juiz decide está decidido. E está decidido sem apelo nem agravo quando o juiz pertence a um supremo tribunal. O Supremo Tribunal Administrativo, contrariando acórdãos de outras instâncias, decidiu recentemente indeferir uma providência cautelar interposta pela Câmara Municipal de Coimbra que pretendia impedir a queima de resíduos tóxicos perigosos na cimenteira de Souselas.
Num estado de direito as sentenças dos tribunais são evidentemente para ser cumpridas. E, portanto, a co-incineração iniciar-se-á em breve. Já não era sem tempo, pois esta questão já se arrasta há mais de dez anos (entretanto produziram-se toneladas de resíduos tóxicos perigosos que estão por tratar) e já fez correr rios de tinta (produziram-se muitos resíduos a fazer essa tinta!). Como o problema tem uma base científica, José Sócrates, então ministro do Ambiente, solicitou um parecer a uma Comissão Científica Independente, que apresentou um relatório favorável à co-incineração no já remoto ano de 2000. Nada tenho a opor às conclusões desse relatório, que está bem fundamentado e que não perdeu actualidade. Os resíduos tóxicos são bem mais perigosos do que a co-incineração. De resto, o procedimento não é nenhuma invenção nacional: ele é uma prática com provas dadas nos países mais desenvolvidos. Um átomo de carbono português é igualzinho a um átomo de carbono espanhol ou belga ou de qualquer outro país do mundo.
Mas o problema não é apenas científico: é também e acima de tudo político. No plano político o actual governo não pode ser acusado nem de falta de coerência nem de falta de frontalidade. O primeiro-ministro José Sócrates sempre disse o que pensa a este respeito, antes e depois de ser primeiro-ministro. Curiosamente, essa posição parece não ter prejudicado a votação que obteve no país ou mesmo nas regiões onde se situam as cimenteiras envolvidas. Antes pelo contrário. É elucidativo que no concelho de Coimbra o PS tenha vencido as eleições legislativas de 2005 com 46 por cento dos votos, tendo obtido na freguesia de Souselas 42 por cento dos votos. No concelho de Setúbal e na freguesia de Nossa Senhora da Anunciada, onde também está prevista a co-incineração, o PS venceu as eleições com resultados semelhantes.
Mesmo que as votações locais fossem outras, isso não tiraria legitimidade à decisão do governo eleito. A questão do tratamento de resíduos perigosos é nacional e não local. Não é ética nem logicamente sustentável a posição daqueles que querem usar tintas, óleos, vernizes e o mais que for, mas acham que os subprodutos prejudiciais devem ser despejados no quintal dos outros. Uma sociedade minimamente organizada tem de saber sobrepor o interesse nacional e colectivo aos interesses locais e individuais.
A Câmara Municipal de Coimbra que está a empreender uma guerra jurídica na qual dispara a torto e a direito ficou bastante fragilizada. É difícil à Câmara explicar ao país que não quer ser solidária com ele, ao mesmo tempo que reclama que o país seja solidário com ela. E é mais difícil ainda quando não possui argumentos científicos de peso. Aliás, as populações verão a sua saúde mais bem assegurada num processo cuidadosamente controlado do que no meio da fumarada anterior. O erro foi instalar uma cimenteira em Souselas às portas de Coimbra (e ainda mais às portas de Setúbal, ferindo a bela Serra da Arrábida), mas a saúde das populações, descurada durante décadas, estará agora sob escrutínio sério, tendo a co-incineração servido já para diminuir as emissões das cimenteiras com a instalação de filtros adequados. Eu, que moro próximo, estou agora tranquilo. Que a Câmara dispara a torto vê-se do facto de ter aprovado uma postura que interdita a passagem de camiões de lixo tóxico perto da fábrica de Souselas. Essa de meter sinais de trânsito proibido no acesso à fábrica é tão ridícula que, se o ridículo fosse lixo tóxico, a Câmara daria muito material para queima. Qualquer juiz – e nem precisa ser do Supremo – decidirá mandar tirar esses sinais.
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10 comentários:
Lamento, Carlos, mas estás COMPLETAMENTE enganado. A câmara de Coimbra, nesta matéria, tem carradas de razão. A argumentação mais detalhada fica para outra altura.
Um abraço
Adelaide Chichorro Ferreira
Se foi a gralha do revisor do Público que o fez publicar o artigo aqui, ainda bem - é um belo artigo, e eu tencionava transcrevê-lo no meu blogue. Assim escuso de me dar a esse trabalho: basta um link...
Guerrilha política e ausência de esclarecimento das populações só pode ser uma combinação bastante tóxica. Não acredito que o lixo produzido nas indústrias durante todos estes anos de conflito esteja guardadinho em "armários" lá nas fábricas à espera que o tribunal decida.
Mas não tem importância, o tabaco é que é o grande problema de poluição da Europa. Arrefinfem-lhe com mais um impostozinho por ser também um dos principais responsáveis pelo aquecimento global. Não deve ser difícil aos políticos arranjarem uns estudos para justificar o imposto...
Artur Figueiredo
As indústrias não têm que produzir lixo para cima dos demais. Há 15 anos que andamos nisto e os argumentos são os mesmos de sempre. As populações têm razão em protestar, e em estar contra. A falta de barulho ou de argumentação de quem é afectado não é necessariamente sinónimo de que concordem com o processo. Pode até ser sinónimo de que os afectados já estão doentes demais para se defenderem. Portanto, não acredito que a co-incineração lava mais branco, meus senhores. É bem mais lógico acreditar em Deus, ou no Diabo.
Um abraço
Adelaide Chichorro Ferreira
É egoísmo das regiões produtoras de lixo tóxico despejarem-no para cima de outras que têm mais dificuldade em defender-se. É a lei do mais forte, pura e dura, à escala europeia e mundial, com o beneplácito de certa ciência. Não é a lei da ética ou sequer da razoabilidade que aqui conta. Coimbra não merece o que lhe estão a fazer, e o facto de Sócrates ter chegado ao poder por causa desta questão não o enobrece. Bem pelo contrário! Há determinação e determinação. Há verdadeira coragem e há também a coragem que não passa de desfaçatez.
Adelaide Chichorro Ferreira
Actividade humana inócua para o meio ambiente e para os outros seres vivos, que me ocorra assim de repente, talvez só... dormir. Mesmo essa, nos padrões actuais da nossa sociedade, requer que, nalgum lado se tenha poluído para conseguir as condições apropriadas ao acto.
Estar vivo é, logo em si, poluir. Não me parece que seja possível, actualmente, conceber uma sociedade em que as consequências poluidoras das acções humanas afectem exclusivamente quem as pratica. (A recente "maravilhosa invenção", aaatchim...(desculpem-me... obrigado... talvez seja santinho, sim), dos créditos de carbono é um bom exemplo). O ideal será que as vantagens da actividade humana sejam distribuídas por todos. E também os inconvenientes. É uma linda utopia e, tão fofinha e igualitária.
O que sei do processo de co-incineração é pela comunicação social. Como é habitual, é manifestamente pouco para ter uma opinião avalizada sobre se as decisões tomadas são as mais correctas, mas, nada fazer à enorme quantidade de lixos produzidos é que não é solução.
A serra da área onde resido tem fornecido uma significativa parte dos inertes para a construção das vias que redesenharam o país nas últimas duas décadas. Este facto tem significado algum emprego na região, mas também, uma serra esventrada que em muitos locais não recuperará a sua beleza, estradas permanentemente péssimas devido ao enorme fluxo de tráfego pesado, uma significativa parte do parque habitacional afectado por fissuras provocadas por rebentamentos que frequentemente nem audíveis são e, claro, um permanente ar pesado de pó de calcário cujos malefícios não serão comparáveis aos do tabaco... Os benefícios compensam os prejuízos? Tanto em termos de país, como em termos de região? Não sei, não conheço tais contas e nem sei se alguém alguma vez as fez. Bem sei que estou a falar de um produto natural, a pedra, e não daquelas coisas "horríveis" a que associamos os produtos tóxicos (pesticidas, hospitais, óleos automóveis, "essa porcaria mesquinha que dá pelo nome de pilha" e tanto mais), mas os resultados são equivalentes.
Há dúzia e meia de anos atrás, quando claramente se percebeu o que viria a acontecer nesta região, as populações e os órgãos autárquicos deviam ter promovido manifestações, cortes de estrada, cordões humanos a abraçar a serra, ou, ter colocado as empresas e talvez até o estado em tribunal, protelando o desenvolvimento de todo o país durante mais alguns anos? Ou devíamos ter importado as britas e os pós de pedra de algures pagando para alguém ficar com os prejuízos. Não defendo que nenhuma dessas estratégias fosse solução. Seria de mais bom senso que as entidades competentes, prevenindo os resultados, tivessem definido estratégias de minoração de impactos. Penso que foi isso que se procurou fazer com a co-incineração.
AH... talvez nem tenha importância, mas parte disto passa-se dentro de uma área protegida (como é que se conjuga isto com estratégias de desenvolvimento que apostam no turismo, como acontece nalguns desses locais? É necessária muita imaginação e boa vontade) e até há empresários das indústrias extractivas que não mostram grande responsabilidade no pagamento das míseras taxas de exploração porque já fazem muito pela terra dando sustento a umas quantas famílias. Triste moral!
Todos queremos o progresso, mais conforto, mais emprego e mais, muito mais e, como o planeta terra não veio equipado com satélite vazadouro de detritos, é normal termos de gramar com os inconvenientes de ter de os reciclar. E para mim, pimenta, seja onde for, nunca é chá aromatizado e muito menos refresco.
Artur Figueiredo
A talho de foice também digo que dão tanto jeito as auto-estradas, é tão linda e tradicional a calçada à portuguesa, tão rústicas as cantarias à pato bravo e tão confortáveis as lareiras da nossa maison, que nós não nos importamos de incluir o pó de pedra na nossa ementa diária, mas por favor, que se despachem os poderes económicos instalados a banalizar os novos adesivos, as novas fibras super resistentes, as telas energéticas de alumínio e fibras poliméricas, os painéis de policarbonato multicelular e tantos outros materiais que a professora Palmira e os seus colega todos os dias nos dão para substituir os tijolinho, os ferrinhos e o cimento da nossa arcaica construção civil.
Artur Figueiredo
Este caso aumenta-me o nível de uma outra preocupação. Os tribunais estão a decidir acerca de tudo, desde o menino que deve passar de ano escolar (sobrepondo-se a todos os pareceres pedagógicos) até à co-incineração, que deveria ser assunto apenas dos especialistas na matéria.
«Boas intenções com má informação é a receita certa para o desastre».
(Michael Crichton, em «Estado de Pânico», a propósito dos ecologistas que defendem determinadas causas "muito justas" sem se munirem dos conhecimentos correctos.
Quais são os conhecimentos correctos neste assunto?
Adelaide Chichorro Ferreira
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